terça-feira, setembro 16, 2008

Abandono dos biocombustíveis líquidos:
aumenta a pressão sobre a UE

por Charles Hawley [*]

Manifestação de protesto em Manilha, Filipinas, contra o disparo nos preços dos alimentos. Com os preços dos alimentos a disparar e a fé nos biocombustíveis [líquidos] [1] a mergulhar, muita gente está a pedir que a União Europeia abandone o seu compromisso em relação a este combustível. Até mesmo os próprios cientistas da UE são cépticos.

O momento pode, no melhor dos casos, ser descrito como embaraçoso. Na terça-feira, os novos regulamentos de biocombustíveis [líquidos] no Reino Unido entrarm em vigor, exigindo que 2,5 por cento do combustível vendido nas bombas fossem fabricados a partir de cereais e ervas. Em 2010, a mistura será aumentada para 5 por cento – tudo num esforço para reduzir drasticamente a quantidade de dióxido de carbono [2] emitida para a atmosfera.

Mas o regulamento chega numa semana de crítica crescente contra os biocombustíveis [líquidos]. Com a inquietação a crescer em todo o mundo devido ao aumento dos preços alimentares, muitos começam a apontar o dedo para o etanol e o biodiesel como culpados. Mesmo quando o novos regulamento do Reino Unido aprova ambiciosos objectivos da União Europeia para reduzir emissões de gases com efeito de estufa, a própria UE enfrenta pressões crescentes para abandonar seu objectivo de ver todo combustível vendido nas bombas europeias conter 10 por cento de biocombustíveis em 2020.

A primeira geração de biocombustíveis "não possui tantos benefícios potenciais como as pessoas pensavam quando embarcaram nestas políticas", disse Stefan Tangermann, director do Departamento de Comércio e Agricultura da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Economico (OCDE), à Spiegel Online. "Temos de chegar à conclusão de que talvez seja tempo de rever nosso compromisso para com os biocombustíveis" [líquidos].

Tangermnn é apenas um no coro de vozes que urge a UE a reconsiderar. A organização caritativa Oxfam fulminou o regulamento britânico, dizendo que combustíveis verdes têm o potencial para fazer muito mais dano do que bem. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) argumenta, num documento emitido segunda-feira, que os biocombustíveis [líquidos] afectam negativamente os que vivem em países mais pobres. O documento argumenta que o crescimento da indústria de biocombustíveis compete directamente com culturas alimentares pela terra agrícola, pela água e pelo dinheiro para investimento. Os preços dos alimentos aumentam em consequência e os biocombustíveis [líquidos] "colocam em risco o acesso à comida dos sectores mais pobres", afirma do documento.

E até mesmo o próprio corpo científico da União Europeia admitiu o facto. "Não vejo absolutamente nenhuma razão para usar tanta energia, dinheiro e grandes extensões de terra agrícola" para produzir biocombustíveis [líquidos], disse à Spiegel Online o Professor Helmut Haberl, membro do Comité Científico da Agência Europeia de Ambiente. "A UE deveria desfazer-se das regras dos 10 por cento de mistura".

O seu grupo inclui 20 destacados cientistas climáticos de Estados membros da UE e desempenha um papel conselheiro chave para a política da UE. Haberl afirma que a questão dos biocombustíveis tem tido um papel cada vez mais dominante nas reuniões regulares do grupo – uma ênfase que na sexta-feira passada resultou num apelo extraordinário para que a União Europeia abandone o seu objectivo dos 10 por cento. Chamando o objectivo de "super ambicioso" e um "experimento", o documento argumenta que os efeitos colaterais dos biocombustíveis são demasiado danosos para serem ignorados.

"Um crime contra a humanidade"

A reacção imediata da UE a esta semana de críticas foi de desafio. "Não está em causa por agora suspender o objectivo fixado para biocombustíveis", disse segunda-feira à AFP Barbara Helfferich, porta-voz do Comissário Ambiental da UE Stavros Dimas.

Mas com as atenções do mundo a focarem os preços em disparada dos alimentos, é duvidoso que a questão desapareça dentro em breve. Na semana passada o Banco Mundial disse que os preços alimentares haviam ascendido 83 por cento nos últimos três anos e outras organizações internacionais também saltaram para a briga – com o Relator Especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, a chamar a produção de biocombustíveis [líquidos] "um crime contra a humanidade" segunda-feira na rádio alemã. Preços inatingíveis de alimentos levaram recentemente a tumultos no Haiti, nos Camarões e em outros lugares e estão alimentar uma crescente crise de governo nas Filipinas.

Mesmo que alguém ponha de lado a ascensão dos preços alimentares, o cepticismo quanto à primeira geração de biocombustíveis – fabricados a partir de culturas plantadas especificamente para este propósito ao invés de, como os biocombustíveis da segunda geração , processar sub-produtos agrícolas e outras biomassas não comestíveis – está desencadeado. Cientistas destacam que fertilizantes utilizados para cultivar plantas para biocombustíveis [líquidos] libertam mais gases com efeito de estufa do que o próprio combustível que poupariam. Além disso, como a indústria cresce, florestas húmidas estão a ser deitadas abaixo para abrir caminho para plantações e pântanos com turfa estão a ser drenados – ambas as coisas valiosas como "sumidouros de carbono" que absorvem dióxido de carbono da atmosfera.

Mais: como destaca Haberl, o rendimento energético em relação ao esforço investido não é particularmente impressionante. "Podíamos poupar muito mais energia se apenas queimássemos resíduos agrícolas para aquecimento", afirma ele. "Isso seria muito mais eficiente e você não estaria a competir com a produção alimentar".

A Alemanha, até agora, foi o único país da UE que parcialmente recuou em relação ao seu compromisso para com os biocombustíveis – mas, como diz Haberl, "pelas razões erradas". Tendo determinado que demasiados automóveis seria incapazes de processar este combustível, o Ministério do Ambiente no princípio deste mês optou por não aumentar a mistura de biocombustíveis dos actuais 5 por cento para 10 por cento como fora planeado.

Apesar dos comentários em contrário, Bruxelas também pode estar a inclinar-se para a reavaliação. A ideia de introduzir um sistema de certificação de campo – o qual daria sinal verde apenas àquelas culturas de biocombustíveis plantadas ecologicamente sobre terras não obtidas recentemente através da destruição de florestas húmidas – está a ganhar crédito.

"Parece um pouco que as pessoas começam a levar em conta (a crítica aos biocombustíveis)", disse Tangermann. "A UE está a começar a ficar preocupada quanto à sustentabilidade e alteração climática. E isto é benvindo".

[1] Este artigo refere-se exclusivamente aos biocombustíveis líquidos. As críticas nele formuladas não são aplicáveis à produção dos biocombustíveis gasosos (biogás e biometano), a qual não compete com a produção alimentar.
[2] As emissões de CO2 são um falso problema, como já foi demonstrado pelo grande climatologista Marcel Leroux. Ver Aquecimento global: uma impostura científica.


O original encontra-se em http://www.spiegel.de/international/europe/0,1518,547609,00.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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