quarta-feira, janeiro 20, 2010

Sobre o “Acordo” ME-Sindicatos: Questões colocadas pelo colega Ramiro Marques

O colega Ramiro Marques, editor do ProfBlog, mostrando interesse em conhecer, com mais pormenor, as minhas opiniões sobre o “Acordo de Princípios” ME-Sindicatos, teve a amabilidade de me colocar algumas questões. O resultado desse “questionário” aqui fica:

ProfBlog - Por que razão os sindicatos não deviam ter assinado o Acordo?

Ricardo Silva – Em primeiro lugar, porque em qualquer negociação devem estar em cima da mesa apenas os superiores interesses daqueles que são representados e não temos a certeza absoluta que assim tenha sido. Está ainda por explicar a necessidade de uma maratona negocial de 14 horas. E fica também por explicar o que mudou de tão essencial entre o dia 29 de Dezembro (data da apresentação das contra-propostas da FENPROF) e o dia 7 de Janeiro. O que era mau ontem não pode ser bom no dia seguinte. Garantia de todos os professores com BOM poderem atingir o topo da carreira, em tempo útil? Foi essa a conquista? Já sabemos que em muitos casos isso dificilmente acontecerá e a própria ministra o tem repetido. Fica a sensação que os sindicatos não quiseram devolver o protagonismo nestas negociações ao Parlamento. Será? Porquê?

Fundamentalmente, não deviam ter assinado o Acordo, porque não ficaram satisfeitas muitas das reivindicações importantes dos professores e que os próprios sindicatos assumiram como bandeiras de luta, algumas das quais consideradas absolutamente inegociáveis. Não podemos pois concordar com um Acordo que contempla:

. vagas e quotas, que visam estrangular a progressão na carreira e que deixam clara a negação total dos propalados propósitos de distinção do mérito

. um modelo de avaliação que se mantém quase intocado com tudo o que comporta de perverso, inadequado, inexequível, burocrático, discricionário, injusto, conflitual, etc;

. o roubo do tempo de serviço congelado entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2007, situação que afectará gravemente todos os professores no momento do seu reposicionamento e ao longo de toda a sua carreira;

. os efeitos das classificações do 1º ciclo avaliativo quanto à progressão na carreira, o que é vergonhoso pois serão penalizados os professores que deram “o corpo às balas” e beneficiados aqueles que, de forma algo oportunista, se candidataram a classificações de “mérito”;

. uma carreira com duração muito mais longa, que só com muito boa vontade se poderá considerar que garante a todos os professores com BOM, o acesso ao topo em tempo útil e, além disso, com efeitos perversos no cálculo das reformas pois os professores passarão a esmagadora maioria da carreira com salários muito abaixo do índice 370;

. a transição para a nova estrutura da carreira docente é penalizadora para os professores, uma vez que a sua grande maioria regride no seu posicionamento e, por isso, demorará muito mais tempo a atingir o topo da carreira;

. um brutal desequilíbrio nas condições de progressão, ficando claramente prejudicados sobretudo os colegas abaixo do índice 235.

. um modelo de gestão profundamente anti-democrático e potenciador de conflitos, tensões e agravamento dos direitos, liberdades e garantias dos professores, sendo que a Comissão de Coordenação de Avaliação do Conselho Pedagógico resulta de uma eleição entre membros nomeados pelo director, com todas as perversidades que daí poderão advir;

. a manutenção de uma prova de ingresso que, a existir, deveria surgir no final do estágio como último momento de avaliação/certificação e nunca após a conclusão da licenciatura e profissionalização, apenas como uma forma de tentar estrangular o acesso à profissão a quem está legalmente habilitado para a docência. Se algo está mal na formação de professores, importa então que o governo ataque o problema pela raiz, aferindo e certificando a qualidade das instituições às quais atribuiu alvará de funcionamento, e não venha simplesmente tentar punir aqueles que cumpriram as regras e os requisitos impostos pelas instituições que os formaram;

. uma autêntica nebulosa que fica no ar para o período após 2013, sem quaisquer garantias que as condições de progressão (entre outras) não possam vir a agravar-se. Curiosa aqui a ideia de que o governo não se poderia comprometer com nada para além do limite do seu mandato. Não sabíamos que as leis e os seus efeitos só podem ser negociados para o período de vigência dos mandatos dos governos.

ProfBlog - Consideras que havia condições para o parlamento pôr fim às quotas? Podes explicar?

Ricardo Silva – O Parlamento, mais precisamente o PSD, não honrou os seus compromissos com os professores num passado recente, situação que não esquecemos. Mas considero que os deputados dos diversos partidos da oposição não poderiam enjeitar as suas responsabilidades no que respeita à ultrapassagem do conflito entre professores e governo, e sua agudização, que naturalmente resultaria de um fracasso nas negociações. A resolução deste problema, em sede parlamentar, seria tanto mais facilitada quanto mais mobilizados estivessem os professores para a luta. E esta vai ser a grande questão para o futuro, quando for escrita a história do processo de luta dos professores portugueses nestes últimos anos: como explicar os níveis de mobilização/desmobilização dos professores ao longo do referido processo. Variadas são as razões, algumas mais claras e óbvias, outras menos. Voltando à questão, considero que deveriam ter sido esgotados todas as possibilidades e caminhos que pudessem levar à obtenção de um acordo global mais satisfatório para os professores. As afirmações recentes de José Sócrates vangloriando-se do acordo obtido, que para ele significa uma clara derrota da oposição, como de imediato veio sublinhar, são bem significativas de que ficámos a meio do caminho e que isso também não deverá ter agradado, politicamente, a alguns partidos da oposição. Haveria portanto, do meu ponto de vista, algo mais a tentar, algo mais a conquistar no âmbito parlamentar.

ProfBlog - Para além do ECD e da ADD, quais as matérias que devem ter a prioridade no processo negocial em curso?

Ricardo Silva – Essas matérias são muito importantes mas é fundamental que se ataquem com muita determinação outros problemas, já conhecidos:

- os horários dos docentes e a sobrecarga de trabalho que tem vindo a aumentar com a alteração das componentes lectiva e não lectiva.

- é fundamental que se respeite a componente individual de trabalho, que as reuniões não continuem a multiplicar-se com prejuízo da referida componente individual.

- é ainda muito importante que se reduza a burocracia e a papelada que massacram os professores, sem qualquer vantagem ou utilidade pedagógica.

- que o apetrechamento tecnológico das escolas seja implementado de forma equilibrada para que não aconteça existirem certas salas de aula com videoprojectores e quadros interactivos em simultâneo e noutras escolas os professores se atropelem para conseguirem reservar o único videoprojector disponível, para toda a escola.

- o número de alunos por turma tem de ser reduzido e o número de turmas por professor não pode continuar a chegar às sete, oito e mais turmas.

- seria importante olhar-se de uma forma especial para o trabalho dos directores de turma que, pela sua complexidade, responsabilidade e exigência deveria merecer um reforço da componente de redução atribuída ao desempenho deste cargo.

- é absolutamente decisivo que se resolva o problema da formação contínua que, neste momento, é escassa e tem de ser paga pelos professores, na maior parte dos casos. Se a frequência de acções de formação é obrigatória, como se pode obrigar os professores a pagarem uma formação que lhes é imposta? Formação essa, muitas vezes escassa e limitada, a decorrer em horário pós-laboral, muitas vezes aos sábados, para lá de não garantir a qualidade e uma adequação efectiva às necessidades de formação de grande parte dos professores, nomeadamente, nas suas áreas disciplinares.

- a vinculação dos colegas contratados é uma questão que tem de ser resolvida de uma vez por todas. Sendo professor do quadro há 20 anos, na mesma escola, não me esqueço nem desvalorizo as condições em que vivem e trabalham os meus colegas, em situação mais desprotegida (não esquecendo tb o caso das AEC’s).

- a reestruturação curricular, com a extinção das áreas curriculares não disciplinares, revisão dos programas, correcta articulação vertical e horizontal dos programas, novo desenho curricular com reorganização dos tempos lectivos, serão outros aspectos importantes a trabalhar.

- deixei para o final a questão do modelo de gestão. Considero que é, neste momento, o grande CANCRO que afecta o funcionamento das escolas. Cancro que tem de ser extirpado urgentemente, com o restabelecimento de uma gestão democrática das escolas.

ProfBlog - O estatuto do aluno é um obstáculo à qualidade do ensino. O que é que deve ser feito para o substituir?

Ricardo Silva – Considero que deverá ser profundamente reformulado, nomeadamente no que respeita à brutal carga de trabalho burocrático que exige aos professores e à escassa responsabilização que atribui aos alunos no cumprimento dos seus deveres de assiduidade, sobretudo nos casos de falta de assiduidade injustificada.
Apede

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