terça-feira, outubro 05, 2010

A proclamação da República no Algarve

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José dos Santos Galo

Os primeiros dias de Outubro de 1910 foram vividos no Algarve com apreensão e expetativa. De Lisboa, chegavam ecos distorcidos de uma revolução que não era possível confirmar. Com as comunicações paralisadas, nomeadamente telégrafo, caminho-de-ferro e correios, tudo era especulado e vivido com inquietação.
Só ao final da manhã de quarta-feira, 5 de Outubro, as dúvidas foram desfeitas. À região, chegaram diferentes telegramas, particulares e oficiais, confirmando não só a revolução, como o seu triunfo: a República estava implantada em Portugal.

No Algarve, houve festa, um pouco por todo o lado, e com uma particularidade: sem qualquer alteração da ordem pública. Os algarvios saíram à rua em regozijo, prolongando-se o ambiente festivo durante alguns dias.

Em Aljezur viveu-se «uma verdadeira loucura, chegando a haver uma síncope emotiva», e em São Brás de Alportel «houve grande enthusiasmo», como noticiaram os jornais da época (nota: optámos por manter a grafia da época, nas citações do jornais).

Mas os maiores festejos terão ocorrido em Olhão e Lagos onde, no próprio dia 5 de Outubro, saíram à rua cerca de 2000 e 3000 pessoas, respetivamente. A imprensa sobre Olhão divulgou: «Foram grandiosas, como nunca se tinham visto aqui, as manifestações de regosijo».

Acerca de Lagos, os jornais referiram: «Foi recebida aqui em delírio a notícia da implantação da República».

Faro teve também grandiosas manifestações populares. De um modo geral, em toda a região houve foguetes, luminárias em fachadas de edifícios, arruadas com bandas de música, marchas aux flambeaux (marchas com archotes), manifestações populares, banquetes e muitas bandeiras republicanas hasteadas.

Mas uma das descrições mais peculiares partiu de Loulé. «A notícia da implantação da Republica quando aqui chegou, foi como um raio que caiu e a todos assombrou». Tal evidencia o arreigar dos velhos ideais monárquicos entre os louletanos.

Ainda de Loulé foram publicados alguns distúrbios provocados por monárquicos, dias depois da revolução: «Hontem á noite [12 de Outubro] um grupo de discolos (…) armados com machados, facas e pedras andaram insultando alguns conhecidos republicanos, dando vivas á monarchia».

Quanto às chefias monárquicas, repetiram-se casos de alegado desconhecimento oficial do novo regime, retardando e protelando as manifestações em edifícios públicos, como sucedeu em Faro e Tavira.

Quanto aos novos representantes locais da República, estes tiveram uma receção entusiástica, como foi o caso do novo Governador Civil Zacarias José Guerreiro, mas também dos diferentes Administradores do Concelho e das Comissões Municipais Administrativas.

Em Olhão, assistiram à tomada de posse do novo administrador mais de quatrocentas pessoas: «Não há memoria de um acto tão solemne e imponente», escreveu um jornal.

Por sua vez, em Loulé, a cerimónia decorreu de uma forma majestosa, «na sala nobre dos paços do concelho, que se encontrava repleta de pessoas de todas as camadas sociaes», e simultaneamente no exterior, «na rua da Praça as duas bandas locaes tocavam a Portugueza, repicando os sinos da câmara».

Quanto às novas edilidades, as cerimónias variaram de município para município. Em Portimão, a tomada de posse da Comissão Municipal Republicana foi imediata, na tarde do próprio dia 5 de Outubro, acontecimento único em todo o Algarve e raro a nível nacional.

Basta referir, por exemplo, que no Porto, a Comissão Municipal Republicana tomou posse a 6 de Outubro, ou seja, no mesmo dia que em Silves.

Mas se as Comissões Administrativas de Portimão e Silves foram pioneiras, nos restantes municípios algarvios as câmaras monárquicas continuaram a reunir-se normalmente, felicitando quase sempre os novos poderes instituídos, nomeadamente, o Administrador do Concelho (1) e o Governador Civil, como foram os casos de Albufeira, Castro Marim ou Faro.

Já em Loulé e muito provavelmente em Aljezur, as edilidades monárquicas aderiram mesmo ao novo regime implantado, contudo efemeramente, dado que um decreto do Governo Provisório forçou a sua exoneração.

Das quinze autarquias existentes à época, a derradeira a dar posse aos novos representantes foi Vila do Bispo, a 3 de Novembro, sendo precedida por Albufeira, a 22 de Outubro.

A exceção nos municípios algarvios, em termos de novos executivos, ocorreu em Lagos. Nesta cidade, não houve qualquer alteração na vereação, porque esta, afinal, já era totalmente republicana, desde as eleições de 1908.

Também os novos presidentes das Câmaras de Faro e Castro Marim se destacaram pela diferença. Em Faro, o presidente já havia ocupado esse cargo por partidos monárquicos, e em Castro Marim era vice-presidente na última câmara monárquica.

Às cerimónias de posse das novas Comissões Administrativas, compareceram quase sempre as edilidades monárquicas, ou alguns vereadores destas.

Contudo, em Lagoa e Olhão, os novos dirigentes foram peremtórios em afirmar que não assumiam quaisquer ilegalidades cometidas pelos seus antecessores.

Já em Loulé e Vila Real de Santo António houve mesmo deferência para com os presidentes cessantes.

Na imprensa, repetiram-se votos de esperança e de ressurgimento do país, manifestados pelos correspondentes locais da imprensa nacional. Foi o caso de Monchique: «a República Portuguesa, (…) que eu saúdo mais uma vez por ser ella que, com as reformas altamente democráticas que vão realizar-se, fará avançar o nosso país meio século na civilização mundial».

Foram também alvo de publicação actos particulares de benemerência, para com o novo regime instituído, como aconteceu, por exemplo, em Faro: «Os amanuenses (2) do governo civil de Faro offereceram um mez de ordenado descontado em 12 prestações mensaes, para ajudar a amortisação da divida externa».

Quase simultânea à implantação da República foi a adesão de muitos dirigentes partidários da Monarquia ao novo regime. A este fenómeno o Algarve não foi exceção, publicando a imprensa várias notícias daqueles que ficariam conhecidos por “adesivos”.

João José Ferreira Neto foi um deles: «Adheriu ao partido republicano o sr. commendador Ferreira Netto, mui liberal e estimado chefe da parcialidade regeneradora do Algarve».

Implantada a República, a população em geral e os algarvios em particular, viviam agora momentos de expectativa para um futuro mais próspero.

Para o messinense Neves Anacleto, contemporâneo aos acontecimentos, «pairava nos espíritos um vago sentimento do desconhecido, e do que seria a vida daí em diante.

Todavia, era opinião geral que os “ladrões das finanças, da justiça, das coimas e das côngruas” pagariam todos os seus malefícios. (…) corria agora um veio de esperança por uma vida melhor. (…) A Nação inteira aceitava esperançosamente a Revolução, mais pela agonia do passado do que pela consciência do futuro».

A República estava pois implantada, uma nova página na História de Portugal e do Algarve estava agora aberta.



Bibliografia: Cabrita, Aurélio N., A Proclamação da República no Algarve, Gente Singular Editora, 2010

Notas:

(1) Representante do Governo Central no concelho. Era nomeado por Decreto do Governo sob proposta do Governador Civil. Tinha como funções informar o Governador Civil (com diligência e minuciosidade) sobre todos os assuntos de interesse público e particular que decorressem no seu concelho.
Para o efeito, tinha por obrigação assistir sempre às Sessões da Câmara Municipal.

(2) Amanuense ou escriturário

(3) O retrato de José dos Santos Galo, datado de 1932, que foi um distinto republicano louletano e o primeiro Administrador do Concelho de Loulé, após a implantação da República, foi gentilmente cedido por Maria Assunção Espadinha Galo e Teresa Galo.


*Investigador de História Local e Regional
5 de Outubro de 2010 | 09:55
Aurélio Nuno Cabrita*
In Barlavento 

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