domingo, março 27, 2011

Resolução aprovada pelo Conselho Nacional da FENPROF

A situação económica e social do país continua a degradar-se e atinge já níveis muito preocupantes. Vítimas primeiras dessa degradação são os trabalhadores, cujos salários, estabilidade e direitos são permanentemente desrespeitados. Também os serviços públicos têm sido postos em causa, atingidos por medidas que constrangem a sua organização e o seu funcionamento, deixando de ter condições para prestar as respostas necessárias e que se exigiam ainda mais fortes, num momento em que os cidadãos estão manifestamente mais fragilizados.
Relativamente à situação política, é verdade que a demissão do Governo cria um novo quadro. No entanto, os problemas que afectam o país e os seus trabalhadores, a Escola Pública e toda a comunidade educativa, designadamente os professores e educadores, não se solucionam com essa demissão!
Nas escolas, os problemas sentem-se de forma cada vez mais penalizadora. Os sucessivos cortes orçamentais tornam mais difícil o seu funcionamento, o que, a par da imposição e desenvolvimento de um modelo organizacional extremamente negativo, vai retirando condições para que respondam adequadamente às exigências que se lhes colocam.
O actual modelo organizacional foi factor de agravamento do já mau regime de avaliação. Ainda que este venha a merecer alterações profundas e de sentido positivo, ficará sempre prejudicado pelo contexto em que se desenvolve e dificilmente cumprirá o seu objectivo: não contribui para um bom ambiente e adequadas condições de trabalho nas escolas; leva a abusos intoleráveis no que respeita aos horários de trabalho dos docentes, assentes numa matriz que já é insuportável. O Conselho Nacional saúda a suspensão do actual modelo de avaliação de desempenho, através da revogação do respectivo decreto regulamentar decidida na Assembleia da República. Libertam-se as escolas e os professores de uma carga inútil já responsável por graves problemas; abre-se espaço para uma reflexão séria sobre um modelo positivo de avaliação de desempenho, logo que seja esta a disposição do próximo governo, ao contrário do que aconteceu com os últimos.
É com aquele modelo organizacional, construído numa lógica administrativa, imposto num quadro de hierarquização e auxiliado por um desviante regime de avaliação dos professores, que se desenvolvem estratégias políticas como o “amontoar” de alunos e trabalhadores em mega-agrupamentos que desumanizam a escola, não promovem a proximidade dos membros da comunidade educativa e são obstáculos ao desenvolvimento de dinâmicas capazes de darem combate ao insucesso e ao abandono escolares. É também com esse modelo organizacional que se facilita a estratégia definida e que tanto penaliza alunos com necessidades educativas especiais que, em elevado número, são afastados dos apoios de que necessitam.
Só mesmo um contexto organizacional deste cariz camuflará, por algum tempo, as rupturas inevitáveis decorrentes das regras que o ME pretende impor, a partir de Setembro, para a organização das escolas e dos horários dos professores; mas não evitará, de modo algum, as consequências muito nefastas para a Escola Pública que rapidamente se acrescentarão às que já se sentem hoje. Algumas diferenças que o ME introduziu no despacho que aguarda publicação, à margem de qualquer negociação, estão longe de evitar os gravíssimos problemas que ele irá gerar. O ME mantém um número de horas manifestamente insuficiente, como se tem revelado nos últimos anos, com a agravante de terem sido eliminadas reduções lectivas para o desempenho de cargos e exercício de funções.
No ensino particular e cooperativo, a situação é igualmente negativa. Excepção para os colégios destinados às elites, nos restantes casos, por empobrecimento das famílias, por cortes de financiamento que não têm em conta critérios claros e o valor real da despesa ou por ganância de alguns patrões são adoptadas, até com antecedência, algumas das medidas mais negativas que o Governo está a impor às escolas públicas. Nestes estabelecimentos, o modelo organizacional é, por norma, o que melhor serve a intenção dos seus directores, que, de uma forma geral, tudo controlam e, num contexto de emprego tão desfavorável, tudo impõem. Um dos traços visíveis da situação, no caso dos colégios com contratos de associação, é mesmo a descarada chantagem sobre os professores com que alguns patrões procuram retirar vantagens das polémicas em torno do seu financiamento e da interiorização da ideia de crise.
No ensino superior, o Governo tem prosseguido a senda neoliberal plasmada no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), favorecendo a passagem a fundação das instituições públicas, em particular das universidades, e, assim colocando em causa a sua natureza pública pela via da gestão privada. Os efeitos negativos de modelos de gestão permitidos pelo RJIES promovem a instauração de sistemas autocráticos e reduzem gravemente os direitos de participação dos docentes e dos investigadores. Acresce a isso a aprovação, em várias instituições, de regulamentos de avaliação de desempenho que violam o direito a avaliações justas, equitativas e equilibradas, criando um ambiente corrosivo e de medo, efeitos negativos que resultam do objectivo do Governo de diminuir os encargos remuneratórios do ensino superior público.
As instituições vivem em permanente instabilidade e sub-financiamento, procuram compensar as quebras sobrecarregando as famílias, o que, com a insuficiência da acção social escolar e o empobrecimento que resulta das políticas em curso, em muitos casos, traduz-se num aumento significativo dos níveis de abandono e insucesso.
No plano sócio-profissional, os docentes de todos os graus e níveis de ensino também têm sido alvo de medidas que afectam todos os trabalhadores. Em muitos casos, as consequências fazem-se sentir de forma específica e, por vezes, especialmente dura neste sector. Para além do roubo no salário (que pretendem agora estender às pensões de aposentação) e do congelamento das carreiras, os professores são hoje vítimas de uma precariedade que atinge níveis verdadeiramente brutais; em Setembro, se não forem alterados alguns projectos em curso, serão vítimas do maior despedimento colectivo de sempre, com milhares de docentes a ficarem sem emprego, não por serem dispensáveis para o trabalho das escolas, mas, tão só, como resultado deliberado de medidas congeminadas no sentido de os retirar das escolas e da profissão. Os despedimentos e a grave instabilização dos próprios professores dos quadros são também ameaças às quais é urgente reagir com a máxima força, dificultando a concretização das pretensões de quem impõe tais medidas e abrindo espaço para outras opções. A abertura de um processo eleitoral deve ser aproveitada pelos professores para influenciar as propostas e os programas quanto a estas e a outras importantes matérias.
É neste quadro muito difícil que os professores têm vindo a resistir, mas também a pugnar por mudanças efectivas. Dos professores espera-se que continuem a reagir aos ataques do governo, contestando energicamente as opções que têm sido seguidas e contribuindo, com a sua intervenção, para que se adoptem outras políticas. Simultaneamente, é preciso que mantenham uma postura propositiva exigindo, porque tal postura deles necessita, interlocutores à altura. Estes interlocutores não existem de momento, e não só porque o Governo se demitiu ou, até agora, devido à evidente fragilidade política da equipa ministerial, mas porque o diálogo e a negociação foram absolutamente esmagados pela atitude prepotente do Governo. Continuar a luta é, pois, muito importante, pois não podem os professores, simplesmente, aguardar pelo desenho de um quadro político com diferenças, é necessário influenciar, condicionar e exigir o que deve ser feito, qualquer que venha a ser o quadro político.
Protestar e exigir são processos fundamentais de intervenção no actual quadro político e a FENPROF tem sido exemplar nesses domínios, quer desenvolvendo e/ou dinamizando acções sectoriais específicas, quer envolvendo-se em acções mais gerais, procurando, a todo o momento, convergências, tanto políticas, como sectoriais.
Os professores e educadores vivem agora uma fase mais complexa e decisiva da luta, não só pelas convulsões políticas que estão a ocorrer, mas também: i) porque se aproxima um período muito importante – decisivo – para as escolas e os alunos; ii) porque o ano lectivo caminha, a passos largos, para o fim; iii) porque o impacto extremamente negativo das medidas que têm sido aprovadas – na qualidade do ensino, no funcionamento das escolas, no emprego, nas condições de exercício profissional, na estabilidade dos docentes e nos direitos – está prestes a desabar sobre os docentes. A intervenção dos professores assume ainda maior significado quando se aproximam eleições, devendo daqui resultar uma profunda mudança das políticas anti-sociais que têm sido seguidas.
Tendo em conta a complexidade da fase e os acontecimentos políticos recentes, o Conselho Nacional da FENPROF considera de elevadíssima importância a Marcha Nacional pela Qualidade Educativa e em defesa da Escola Pública, que se realizará no próximo dia 2 de Abril. Decisiva pela necessidade de sobressaltar a sociedade relativamente aos impactos destruidores das medidas que ameaçam a Escola Pública. Decisiva para o futuro (também imediato) de milhares de docentes e das condições de organização e funcionamento das escolas, na certeza de que muito irá depender do que for possível fazer e lutar ainda este ano lectivo. Decisiva para o país, já que um futuro que corrija o declínio para que está a ser arrastado e que, ao invés, aponte um verdadeiro desenvolvimento, exigirá sempre um forte investimento na Educação e a inequívoca defesa da Escola Pública.
No actual contexto político, que, tudo indica, evoluirá para a realização de eleições legislativas a breve prazo, o Conselho Nacional da FENPROF considera muito importante o debate com os professores e educadores, logo no início do terceiro período lectivo, com vista à construção de propostas que serão apresentadas aos partidos políticos para que as incluam nos seus programas e compromissos eleitorais. Corrigir muitos dos erros tomados no passado e no presente, para que não constranjam a organização e funcionamento das escolas no início do próximo ano lectivo, exigirá um grande esforço de todos ainda no ano em curso. A FENPROF estará disponível para intervir nesse processo de (re)construção.
O Conselho Nacional da FENPROF,
26 de Março de 2011

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