quarta-feira, agosto 17, 2011

Perigo Eminente: Conservadorismo, Neo-Liberalismo e Família Patriarcal Versão para impressão
patriarcado_3Os governos neo-liberais, patriarcais e conservadores atingem e ameaçam fortemente a igualdade de género. Para tentarmos compreender a dimensão que estas políticas atingem, proponho uma pequena reflexão sobre o conceito de família patriarcal e neo-liberal e a extinção dos serviços públicos e como estas duas perspectivas de funcionamento social minam os direitos das mulheres e promovem um retrocesso civilizacional.
Comecemos por reflectir acerca do conceito de família patriarcal e neo-liberal promovida pelo nosso recente governo. Segundo Fausto Amaro (2004) (1) a palavra família tem intrínsecas associações com conceitos como casamento, filhos, casa e parentesco. Murdock, citado por Fausto Amaro, define a família clássica como um grupo social com uma residência comum, cooperação económica e reprodução composta essencialmente por dois adultos de ambos os sexos mantendo uma relação sexual socialmente aprovada e a existência das crianças dos adultos que mantêm essa relação, podendo estas crianças serem filhas biológicas dos mesmos ou adoptadas. Para Fausto Amaro esta definição clássica está claramente ultrapassada como revelam os dados de um aumento crescente de uniões de facto, famílias sem filhos, famílias monoparentais, famílias compostas por membros do mesmo sexo, uma diminuição da natalidade e fertilidade e um aumento de divórcios.
Com isto, podemos perceber que a sociedade se alterou, se transformou e se adaptou porque existia a necessidade de o fazer. Que necessidade? A necessidade de uma maior liberdade emotiva e relacional e de terminar com o dogmatismo, a exclusão e a opressão. Não totalmente livre nem equalitária ainda, a verdade é que a noção de família deu importantes passos nesse sentido com a sexualidade sem vista à reprodução mas sim a uma partilha emotiva, com a economia familiar partilhada sendo que ambos os membros trabalham e sustentam as despesas de uma vida em comum, com a vida monoparental…
Apesar destas diferenças observadas na constituição das famílias, das relações sexuais e emocionais existe, por parte dos governos patriarcal e neo-liberais, um saudosismo e um desejo de retomar a uma altura na qual a instituição familiar era composta por um chefe de família do sexo masculino, sustento da casa, detentor do poder económico e hierárquico dentro desta instituição familiar e a sua esposa do sexo feminino, a mãe, doméstica e prestadora de cuidados por excelência, com os seus filhos. Quando se defende este tipo de organização familiar pretende-se um retrocesso a um período de subjugação feminina ao trabalho doméstico não remunerado e não reconhecido, a uma total dependência económica do marido acentuando assim o poder deste sobre esta e a sua perda de liberdade e autonomia, aumento de vulnerabilidade e opressão. Para além da subjugação feminina, este modelo discrimina as famílias monoparentais e as famílias constituídas por elementos do mesmo sexo. Atenta ainda contra a sexualidade livre da mulher com uma campanha pela reprodução e contra o aborto, como aliás, este governo fez questão de salientar na sua campanha eleitoral.
Se por si, a promoção deste modelo familiar e o incentivo para a sua adopção são absurdos, medievais e promotores do retrocesso, as medidas de contenção da crise económica pela destruição do serviço público vem violentar e condenar ainda mais as mulheres.
Tod@s conhecem o panorama de aumento do custo das condições de vida, os números crescentes e monstruosos de desemprego, a precariedade laboral e estes governos ainda apimentam a questão com a privatização dos serviços públicos. Extinguem-se o sistema nacional de saúde, o sistema educativo emagrece anoréticamente, os direitos laborais escorrem-nos por entre os dedos e remexemos os bolsos para apanhar um autocarro mas já não vamos lá com moedas. Fragiliza-se a sobrevivência a cada dia.
Estas medidas atingem-nos violentamente a tod@s mas mais severa é a pena das mulheres. Já debatemos a maior dificuldade em encontrar emprego, as remunerações mais baixas pelo mesmo trabalho, a maior precariedade laboral mas o nosso governo decidiu atribuir agora à família a totalidade da responsabilidade terapêutica, de cuidado e acompanhamento, das crianças, idosos e pessoas com deficiência e doenças crónicas lavando as suas mãos da responsabilidade social que tem. A extinção destes serviços públicos que são da responsabilidade do Estado,
A fomentação dos valores de família patriarcal, neo-liberal e conservadora por parte do governo incentiva o retrocesso da mentalidade e a penalização da autonomia económica das mulheres e dos seus direitos no geral incluindo o direito à sexualidade, à maternidade voluntária.
O peso da família patriarcal dilui os indivíduos que a compõem, anulam as mulheres enquanto indivíduos passando a vê-las apenas como executantes de um papel de mãe e esposa, prestadora de cuidados e serviços não considerando nenhuma das suas outras dimensões humanas, rasgando a sua liberdade, silenciando a sua voz e resumindo a sua dignidade ao bom cumprimento dos papéis impostos.
Não podemos aceitar que o Estado se demita das suas responsabilidades sociais para com os cidadãos e cidadãs, que esqueça a dimensão individual de cada um/uma deles/as, que funcione com base na facturação esquecendo a humanidade e todos os seus direitos promovendo a opressão, a fragilidade social e o retrocesso civilizacional. Sabemos que as conquistas de todos os direitos humanos (laborais, sociais, de género…) se fazem com avanços e recuos, subidas e descidas. Temos de reivindicar para deixar de recuar e descer.
Nádia Cantanhede
(1) Fausto Amaro – Professor e director do Centro de Estudos da Família do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa in Cidade Solidária, Julho 2004.
A Comuna

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