terça-feira, março 05, 2013

O inverno de Itália Versão para impressão
inverno itáliaAs eleições transalpinas repicam forte por estes dias, com consequências no euro e nos eurocratas, nas bolsas de capitais, nos arranjos políticos da ordem de Merkel – também conhecido por diretório europeu.
Não é caso para menos. Berlusconi, à frente do Partido das Liberdades, virtualmente "empata" nos votos e condiciona com o veto do senado o futuro governo. De nada valeram para travar o líder do PdL, admirador confesso de Mussolini, os escândalos em que esteve envolvido, de corrupção, de manipulação judiciária, de abuso de menores.
O populismo conservador que vai varrendo a Europa do Atlântico aos Urais faz apelo à nação, põe-se em guarda contra o estrangeiro, securitiza a exclusão social, criminaliza o movimento popular. E il cavalieri também pontua aí. Desafiou a troika contra a austeridade imposta ao povo, prometeu devolver o confisco fiscal e anular o imposto sobre os imóveis.
Isto em Berlim soa como uma declaração de motim. O continuísmo ficou por conta do PD e da plataforma de Monti, candidato da banca e de Merkel. Bersani, do Partido Democrático, cedo deu a perceber que era o candidato do câmbio do mesmo, sem sequer os arrobos eleitorais do seu equivalente francês Hollande.
Vendola, com a sua Sinistra, Ecologia, Libertà, logrou pouco mais de 3% e se não fosse a coligação com o PD não entrava no parlamento. À atenção de todos aqueles que em solo luso andam sempre à procura do partido interface, rigorosamente ao centro da esquerda. Pois Vendola eclipsa. Como eclipsa a coligação dos verdes e comunistas, entre os quais a Refundação, pouco acima de 2% pagando ainda o preço terrível de terem estado no governo com o PD, era Prodi, promovendo a guerra no Afeganistão ou o aumento de idade da reforma. Do governo a um longo exílio parlamentar, eis o resultado do governismo sem princípios
E quem tsunamiza? Beppe Grilo e o seu movimento 5 Estrelas, com 25% dos votos, torna-se o partido italiano com mais deputados eleitos. Não dará a mão a nenhum outro partido, não participa em nenhum governo, pronto, enquanto não se afastarem os falhados e corruptos do sistema político italiano. Este partido diz que não é de direita, nem de centro, nem de esquerda, usa linguagem obscena.
Dizem dele não ter programa, o que não é exato. Não dispõe de um programa clássico sobre a proposta de sociedade e de governo, sobre a Europa, sobre a paz e a guerra, sobre sistema fiscal e orçamental, leis de trabalho, segurança social, etc. Tem uma espécie de caderno reivindicativo de cidadãos ao poder qualquer que ele seja. Sugerem para a higiene do sistema político a abolição de fundos públicos para campanhas eleitorais, 2 mandatos para todos os cargos e em exclusivo, salários de políticos ao nível do salário médio nacional, fim das reformas desses privilegiados. Querem os referendos vinculativos mesmo sem quórum, e ter direito a leis de iniciativa popular. Querem privatizar 2 canais de tv do Estado, deixando um sem publicidade na esfera pública, impõem a regra de 10% para o máximo de ações dos privados nas tvs e jornais.
Curiosamente, na economia propõem o chamado capitalismo popular e querem que as empresas aceitem no seu seio comités de pequenos acionistas, tarifas de energia, net, telefone, transportes na média europeia (?), vagamente querem um subsídio de desemprego universal, são notoriamente ecologistas quando reivindicam a poupança e a eficiência energética, a limitação drástica do uso do automóvel, a utilização massiva das renováveis. O programa não contém nenhuma medida anticapitalista nem sequer restrições ao capital financeiro que não seja a limitação dos rendimentos dos gestores. O que verdadeiramente aterrorizou as chancelarias do velho continente foi a reclamação de um referendo italiano ao euro.
Entendamos que a democracia burguesa da Itália é seguramente das mais corruptas no âmbito da UE. O gume do ataque sobre essa casta, onde nem há deputados de esquerda dignos dessa condição, é claramente uma continuidade do movimento dos indignados: transparência democrática, a glasnost do capitalismo. A esquerda fora da alçada liberal perdeu a sua identidade e apagou-se por inútil, a coisa que o ex-comunista Fausto Berttinotti deixou por legado a um comediante é a defesa do acionariado popular. O democratismo do pequeno lucro. Já Marx ironizava com estas opções à Proudhon.
O que se apagou em Itália quando a burguesia se fratura? O Trabalho e a sua representação política. Por paradoxo, a instabilidade que afeta a moeda, o esquema político europeu do tempo do Tratado de Lisboa, as receitas financistas extremas do "fiscal compact", é a reação capitalista da Lombardia, e a saturação e insatisfação das classes intermédias que se colaram ao populismo ou ao higienismo.
Aumentam as contradições entre os de cima. Depois da crise do euro e das intervenções troikistas na Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Chipre, a instabilidade sobe com as pressões contraditórias dos mercados financeiros e dos choques nacionais. A União Europeia é claramente o elo fraco da insatisfação dos povos.
Luís Fazenda
A Comuna

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