Proposta de Lei aprovada pelo Governo colide, em vários domínios, com importantes espaços de autonomia das escolas
O Governo aprovou (16/02/2017),
em Conselho de Ministros, uma proposta de lei-quadro, que agora
apresentará à Assembleia da República, para a transferência de novas
responsabilidades para as autarquias locais. A FENPROF discorda
globalmente daquela proposta de Lei, bem como da pressa do Governo no
desenvolvimento deste processo que o Presidente da República tem
estimulado. Ora, em matérias que constituem uma reconfiguração do
Estado, a pressa é má conselheira.
A PRESSA DO GOVERNO CONTRARIA O DEBATE INDISPENSÁVEL
A proposta de Lei não é ainda totalmente clara quanto à extensão das
competências que o governo pretende transferir, designadamente no
domínio da Educação, uma vez que remete o essencial desta questão para
decreto-lei a publicar posteriormente. No entanto, o documento que o
governo levará à Assembleia da República, a não ter alterações
significativas relativamente à versão que era conhecida, deixa claro que
a transferência será feita de forma permanente e universal.
O
Governo anterior, num processo arbitrário e firmemente contestado pelos
professores e escolas, contratualizou de forma diversa com quinze
municípios a atribuição de responsabilidades na área da educação. Se,
nesse processo, a FENPROF exigiu um debate alargado sobre a matéria
(algo que PSD e CDS sempre recusaram), o facto de o governo do PS querer
passar para as autarquias responsabilidades de forma permanente e
universal, não diminui, antes
acrescenta, razão à necessidade desse debate.
MAIORIA DAS COMPETÊNCIAS A TRANSFERIR SERIAM,
COM VANTAGEM, EXERCIDAS PELAS ESCOLAS
A proposta do Governo deixa claro que
a maioria das
competências e responsabilidades que o governo quer transferir para as
autarquias podem, com vantagem, ser exercidas pelas escolas e
agrupamentos – refeições e cantinas, ação social escolar,
gestão do pessoal não docente, AEC, gestão de recursos educativos,
aquisição de bens, planeamento e gestão dos estabelecimentos de ensino.
Atente-se, por exemplo, no
funcionamento das suas cantinas – é unânime a opinião de alunos e pais que funcionam melhor as que são geridas pelas escolas. No que respeita ao
pessoal não docente, os problemas mais relevantes não se situam na sua gestão, mas na falta destes profissionais na maioria das escolas.
A
aquisição de bens e recursos educativos
só não acontece na medida das necessidades das escolas, em resultado
dos vários cortes em OE sucessivos, que reduziram fortemente as verbas
destinadas à Escola Pública.
Queira o governo aumentar o
financiamento da ação social escolar e as escolas melhorarão o apoio às
crianças e jovens que frequentam a Escola Pública. No que
respeita à gestão e planeamento dos estabelecimentos de ensino, o que os
professores e as escolas exigem é uma profunda mudança no seu modelo de
direção e gestão que leve mais democracia à sua vida, organização e
funcionamento.
Se a argumentação utilizada coloca sempre a questão da proximidade, temos de recordar que
as escolas são a estrutura mais próxima dos alunos e das famílias, exatamente porque estes fazem parte da comunidade educativa.
Mas o problema vai muito para além do que antes se afirma. É que
esta
proposta de Lei, a concretizar-se, sê-lo-á à custa da autonomia das
escolas e da liberdade pedagógica e profissional dos profissionais da
Educação, professores e trabalhadores não docentes, podendo
ainda pôr em causa o caráter universalista da educação pública e, mesmo,
em alguns casos, a sua matriz democrática. A participação dos
municípios na gestão dos recursos educativos (sem especificar quais), a
gestão do pessoal não docente e o próprio desenvolvimento das atividades
de enriquecimento curricular são domínios que, direta ou indiretamente,
amputam autonomia às escolas e agrupamentos.
UM PROCESSO QUE POUCO SE AFASTA
DA MUNICIPALIZAÇÃO JÁ ENSAIADA
O caminho que o governo parece querer seguir não é significativamente
diferente do processo iniciado pelo governo PSD/CDS – descartar
responsabilidades e justificadas insatisfações e protestos, bem como
abrir espaço à contratualização e privatização de vários serviços da
Escola Pública.
Com este processo de transferência de competências, um grande número
de autarquias assumiria um tal volume de responsabilidades que as
empurraria para a contratualização, com privados, de muitos serviços – é
a vida e a experiência que o atestam.
Por outro lado, importa
afirmar que muitas autarquias precisam, mais que tudo, de recuperar
condições, sobretudo financeiras, para exercer as suas atuais
atribuições. A não ser resolvido este problema, surgirão fortes
assimetrias, resultantes de desigualdades existentes entre municípios.
AS PROPOSTAS DA FENPROF
Importa recordar que este processo de transferência de
responsabilidades se iniciou e decorre num tempo em que sucessivos
governos reduziram os recursos financeiros das autarquias, faltando ao
cumprimento da Lei das Finanças Locais. Ora, um acréscimo das suas
responsabilidades geraria condições para que não fosse assegurado a
todos o direito a uma Escola Pública gratuita e de qualidade.
Há vários anos que as propostas da FENPROF apontam caminho diverso
daquele que o governo quer seguir. A FENPROF defende que a nível
municipal devem ser criados Conselhos Locais de Educação com forte
participação das autarquias e das escolas e que contem, nomeadamente,
também com os pais, estudantes, interesses económicos, sociais e
culturais.
Para a FENPROF,
a descentralização não é um mero processo técnico para tentar assegurar eficácia na administração educativa.
A descentralização é uma opção política que assume a atribuição a
órgãos regionais e locais competências próprias que devem ser exercidas
no respeito por opções e orientações políticas nacionais. Não se trata
dos atuais Conselhos Municipais de Educação, mas de órgãos dotados de
autonomia e poderes próprios de administração e coordenação, na área de
cada concelho. Não se argumente que se trata de mais uma estrutura a
implicar custos porque a sua composição não os exige.
Os Conselhos Locais de Educação, para a FENPROF,
devem exercer poderes na área de cada concelho, em domínios como:
organização da rede escolar e da rede de transportes escolares; oferta
educativa e definição das áreas vocacionais do ensino secundário;
ocupação de tempos livres e atividades extracurriculares; componentes
curriculares locais; gestão integrada de recursos comunitários;
elaboração de projetos de intervenção educativa local; gestão da ação
social escolar; integração das escolas na comunidade e promoção de
medidas com vista ao sucesso educativo e de combate ao abandono escolar.
A FENPROF recusa qualquer processo que vise a criação de um nível
supra ou intermunicipal de administração da educação, hoje em curso e
também previsto na proposta de lei-quadro do governo, por via das
Comunidades Intermunicipais (CIM). A atribuição de competências às CIM
na área da educação, com a Lei n.º 75/2013, mais não visa do que barrar o
caminho à construção da autonomia das escolas e agrupamentos e cortar
no investimento em educação.
Por último, para a FENPROF,
este processo não pode deixar de
envolver, no debate e negociação, os representantes dos professores,
designadamente na fase de aprovação dos diplomas setoriais.
É
indispensável, não apenas, garantir que não haverá transferências que
não sejam adequadas ou, sendo admissíveis, não serão, contudo,
acompanhadas dos indispensáveis recursos, nomeadamente financeiros.
Há
ainda que deixar devidamente fechadas as portas que poderiam permitir
eventuais transferências, a concretizar posteriormente, em domínios que
PSD e CDS, de acordo com legislação que o seu governo aprovou, já
demonstraram querer transferir, incluindo aspetos do foro pedagógico,
curricular ou da colocação e gestão de pessoal docente e que, de acordo
com declarações recentes de alguns autarcas, continuam a ser apetecidos.
O Secretariado Nacional da FENPROF
17/02/2017