quarta-feira, julho 30, 2008

O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Pier Francesco Zarcone

DITADURA E RESISTÊNCIA

Quando a 28 de Maio de 1926 um golpe militar chefiado pelo general Manuel de Oliveira Gomes da Costa derrubou a República liberal/democrática, não houve ninguém para a defender.

Santos Arranha, director de A Batalha, participou como representante da CGT numa reunião de militares e civis no quartel do Carmo, da GNR de Lisboa, para tentar a organização dum bloco de forças que contrariassem as tropas de Gomes da Costa em marcha de Braga, rumo a Lisboa. Mas a tentativa faleceu pela insipiência dos políticos burgueses.

Não faltaram tentativas sucessivas de resistência. No Porto teve lugar uma reunião organizativa com a participação de delegados da CGT (Clemente Vieira dos Santos), da UAP (Abílio Ribeiro), da Federação das Juventudes Socialistas, da Câmara Sindical do Porto, do Comité de Propaganda Anarquista do Norte (Fernando Barros), dos jornais A Batalha, A Comuna, Grito da Juventude, Jornal de Notícias.

A 3 de Fevereiro de 1927 houve no Porto uma revolta contra o regime chefiada pelo general Sousa Dias, com forte participação popular e libertária, mas foi derrotada militarmente em pouco tempo, com muitas dezenas de mortos e centenas de detenções e deportações. Em Maio A Batalha foi fechada pelas autoridades.

Naquela altura da história da resistência antifascista portuguesa a CGT assumiu uma posição que queria conciliar exigências práticas e razões ideológicas. Por isso, a confederação foi activa participando nas tentativas insurreccionais, mas não se uniu nunca às batalhas em favor da restauração da ordem constitucional da I República; e considerou a sua associação às revoltas de "natureza técnica", sem implicações na direcção dum movimento que unisse todos os grupos e partidos antifascista.

Na realidade cada um pensava nos seus interesses: os bolchevistas do PCP actuaram muito, muito pior fazendo nascer as suas fortunas das desgraças alheias que mesmo eles causaram, mantendo naquela fase delicada da luta uma atitude ambígua, para não dizer outra coisa. Assim, no 1° de Maio de 1928, os comunistas dirigidos por Bento Gonçalves, fizeram todo o possível para a falência da festa dos trabalhadores, organizada pelos anarco-sindicalistas.

Em 1929 a UAP foi declarada fora-da-lei e os anarquistas - mudadas as condições exteriores - experimentaram outra estrutura, territorial e não mais baseada nos grupos de afinidade: na região do Porto manteve-se a preferência para os grupos de afinidade.

Em Abril de 1928 António de Oliveira Salazar - um clerical reaccionário, professor de Economia Política e Ciência das Finanças na Universidade de Coimbra - recebera o cargo de Ministro das Finanças no governo da ditadura militar, conseguindo logo o controlo total do aparelho governativo e em 1932 foi nomeado Presidente do Conselho.

Em condições progressivamente mais difíceis, até à clandestinidade, devido ao reforço do regime militar e à criação sucessiva do Estado Novo fascista que Salazar quis em 1933, prosseguiu - nos limites do possível- a luta dos militantes anarquistas e libertários. Ainda em 1929, foram editados dois novos periódicos de propaganda.

Também o PCP (estruturado diferentemente) organizava-se melhor, em especial no nível sindical. Os comunistas criaram uma Comissão Intersindical, mentor Daniel Neto Botelho, que teve uma vida muito breve. A CGT, para contrariar a actividade bolchevista criou uma Comissão Interfederal, e esforçou-se para poder publicar A Batalha, pelo menos semanalmente, mas - por causa das incessantes intervenções censórias - o periódico passou a ser publicado clandestinamente, quando possível.

A resistência armada contra o regime continuou, mas a revoltas de populares e militares falharam todas (14).

Os anarquistas não desistiam. Na fortaleza de São João Baptista os prisioneiros libertários criaram um jornal escrito à mão, e no Porto (cidade onde a intensidade da repressão foi um pouco mais leve do que em Lisboa) intentou-se reconstituir uma imprensa libertária (O Germinal, A Vida, A Aurora). E no verão de 1932 foi criado o Comité Regional Organizador das Juventudes Libertárias. A organização das Juventudes Libertárias actuou até a década de 50 e desenvolveu - apesar das dificuldades que é fácil imaginar - uma acção propagandista muito intensa, e mais o menos regular. Continuou a publicar-se A Batalha e a difundir panfletos com a sigla da CGT para manter viva a imagem da confederação.

No final de 1931 foi organizada a Aliança Libertária de Lisboa - por impulso de Emídio Santana, Manuel Joaquim e Germinal de Sousa, militantes da Graça, de Campo de Ourique, Alcântara, Belém, Santo Amaro - que no mesmo ano enviou um delegado ao Congresso da FAI em Madrid. No Barreiro formou-se o grupo Terra e Liberdade (que publicou o jornal homónimo); no Porto a Federação Anarquista do Norte; no sul a Aliança Alentejana e em Setúbal a Aliança Libertária Portuguesa.

Todas estas organizações foram alvos duma repressão intensa e centenas e centenas de militantes foram deportados.

Sempre em 1931 foi publicada a segunda edição do livro O Sindicalismo em Portugal, de Manuel Joaquim de Sousa; e António Botelho escreveu A Conquista do Poder, cuja edição foi cuidada por Álvaro Costa e Emídio Santana.

Em 1932 uma greve geral coordenada pela CGT contra a baixa dos salários - decidida por Salazar no quadro da sua política de saneamento das finanças e da economia - faliu pela sabotagem do PCP, que não tinha interesse nenhum num sucesso dos anarco-sindicalistas.

O ano 1933 foi fundamental na história do regime de Salazar, porque viu a criação do Estado Novo e as reformas legislativas inerentes: nova Constituição; reforma das Forças Armadas e da justiça; partido único (a União Nacional); nova lei de imprensa; Estatuto do Trabalho Nacional (imitação da Carta del Lavoro de Mussolini), com o objectivo de dissolver os sindicatos livres, transferir as suas propriedades ao Estado e depois aos "sindicatos nacionais", estruturados conforme um esquema corporativo; criação do Instituto Nacional do Trabalho; organização corporativa da sociedade e negação conceptual do conflito de classes; obrigação para os sindicatos de se enquadrar na nova ordem corporativa, evitando assim a dissolução; proibição da greve; interdição de aderir às federações sindicais internacionais.

Este corpus normativo fez com que a CGT - independentemente da sua situação de ilegalidade perdesse as possibilidades reais de obrar como confederação sindical (embora clandestina).

Adequou-se primeiro o sindicato dos vidreiros da Marinha Grande, controlado pelo PCP por meio de José Sousa - Armando Correia Magalhães. A CGT esforçou-se por contrariar a legislação salazarista (o Estatuto do Trabalho Nacional entrou em vigor a 1° de Janeiro de 1934) e organizou um Comité de Acção (15) que preparasse uma greve insurreccional. Esta foi programada para o 15 de Janeiro de 1934, e também os sindicatos controlados pelo PCP aceitaram a data.

Desde o início as coisas não marcharam na direcção justa: antes foi preso José Francisco, e a 12 de Janeiro foi a vez de Mário Castelhano, que possuía o esquema operativo da revolta - denunciado à polícia (e o denunciante sabia bem o conteúdo dos documentos detidos por Castelhano!). Isto acabou por dar um golpe decisivo à CGT: beneficiária única foi a comunista Comissão Intersindical, que naquela altura podia contar só com 6 sindicatos, e somente em Lisboa.

Preso Castelhano, a CGT pediu um afastamento da greve insurreccional por poder aclarar a situação, mas … a Comissão Intersindical opôs-se em nome das exigências superiores das massas! E quando tudo estava disposto para começar a insurreição, a "fatalidade" quis que a Ernesto Ribeiro - militante do PCP e da Comissão Intersindical - explodisse uma bomba na rua, pouco antes do início da revolta: o que determinou a intervenção de polícia e exército, os pontos estratégicos de Lisboa foram controlados e centenas de militantes revolucionários presos.

Contudo a revolta começou igualmente em Leiria, Marinha Grande, Coimbra, Porto, Alentejo, Algarve, mas acabou por ser reprimida pelas tropas fiéis ao governo. Particularmente furiosos foram os combates na Marinha Grande, onde os populares atacaram as instalações da GNR, apoderaram-se de todas as armas disponíveis e resistiram dois dias aos assaltos da tropa.

O facto é (como comentou com claridade extrema Adriano Botelho nas suas memórias) que o PCP não podia de maneira nenhuma consentir o sucesso duma insurreição organizada pela CGT, senão pagando o preço da falência do seu programa de hegemonia do movimento dos trabalhadores. Manifestando o habitual cinismo dos bolchevistas, Bento Gonçalves atribuiu à CGT a culpa da falência da revolta e deu à insurreição o nome de "anarqueirada".

Depois deste trágico episódio, a CGT - alvo duma vaga repressiva que produziu outras centenas de prisões e deportações - não constituiu mais um perigo real para o PCP, embora este tivesse que se fatigar ainda muito até poder conseguir uma consistência maior (16) e ocupar dentro da classe operária portuguesa o espaço antes ocupado por anarquistas e anarco-sindicalistas.

As terríveis prisões de Angra do Heroísmo, na ilha de Terceira e do Tarrafal em Cabo Verde, encheram-se de militantes libertários. Assim, o regime fascista expulsou da sociedade portuguesa todos os oposicionistas mais perigosos (porque realmente revolucionários), e ao mesmo tempo, varreu o que constituía o verdadeiro impedimento para que o PCP conseguisse o controlo do proletariado português. Não houve a matança em massa, à maneira de um Franco em Espanha: mas o resultado foi politicamente o mesmo.

Como notou Edgar Rodrigues, os vencedores foram duas forças aparentemente antagónicas: os fascistas e os bolchevistas. O PCP, apesar do seu desejo de actuar legalmente, foi declarado fora-da-lei e também os seus militantes forçados à clandestinidade. Naquela altura o Partido Comunista robusteceu muito a estrutura organizativa no estrangeiro (pela ajuda da URSS) e constituiu em Portugal núcleos clandestinos de fábrica.

Se bem que o regime tivesse desmantelado e destruído o movimento anarquista a voz dos libertários não se apagou totalmente. A resistência prosseguiu na clandestinidade: não foi fácil sustentar a esperança, mas a perseverança foi digna de admiração (17). Clandestinamente continuaram a ser publicados os periódicos A Batalha e O Libertário. A Batalha sobreviveu até ao 1950, e reapareceu em 1974.

A polícia descobria um grupo, e outro logo se constituía. Alguns militantes chegaram a instalar uma rádio libertária - a famosa Rádio Fantasma - que, como escreveu Edgar Rodrigues, roubava o sono aos polícias com as suas emissões que desmentiam continuamente as notícias difundidas pela rádio do regime.

Os anarquistas exilados eram muito numerosos na França, Espanha, Suiça, Bélgica, Argentina, Brasil, América do Norte. Em Paris, os exilados criaram um primeiro embrião federativo e em 1932 em Espanha, onde se refugiaram muitos anarquistas depois da constituição da II República espanhola, foi efectivamente criada a Federação Anarquista dos Portugueses Exilados (FAPE), e nasceram núcleos dela em cidades espanholas (Madrid, Barcelona, Valência), Paris e América Latina.

(14) A 7 de Abril de 1927 no Porto; a 20 de Julho de 1928 em Lisboa; em Abril de 1931 na ilha de Madeira; a 26 de Julho de 1931 em Lisboa.
(15) Muito activos foram nisto Mário Castelhano, José Francisco e Manuel Henrique Rodrigues. O Comité foi composto por Acácio Tomás de Aquino, Custódio da Costa e Serafim Rodrigues.
(16) O relatório enviado pelo PCP ao VII Congresso da Internacional Comunista em 1935 falava de apenas 400 membros em Portugal.
(17) E. RODRIGUES, A resistência Anarco-Sindicalista em Portugal, Lisboa 1981; A oposição Libertária à Ditadura, Lisboa 1982; O Porto Rebelde, Porto 2001.

(Continua)

Um investimento PINtástico

Fotografia do local retirada do blogue A defesa de Faro

Segundo a edição de ontem do jornal Público(sem link), investidores russos usaram três empresas off-shore para adquirir, por 50 milhões de euros, 529 hectares no Parque Natural da Ria Formosa, numa zona onde não se pode construir qualquer projecto turístico ou imobiliário. José Apolinário, presidente da câmara de Faro (PS), fornece-nos a chave para o enigmático investimento, admitindo que “possa vir a surgir naquela zona um projecto PIN, que permita ultrapassar as actuais restrições à construção”.


Depois do governo, pela primeira vez liderado por um ex-responsável pela pasta do Ambiente, ter aprovado mais de 30 projectos PIN em zonas protegidas, a legislação de defesa do património ambiental é uma brincadeira que já ninguém leva a sério. Nem mesmo os investidores russos que não hesitam em gastar 50 milhões num terreno que, em condições normais, não permite nenhuma rentabilidade económica. Até ao dia, claro, em que o Governo reconheça o “interesse nacional” dos campos de golfe, hotéis e apartamentos do costume e junte mais um terreno à continuada privatização dos melhores recursos naturais do país. Quando nada mais restar que uma imensa mancha de betão pontuada por baldios, pode ser que alguém acorde. Mais não seja a União Europeia.

Zero de Conduta

Milho transgénico não convence agricultores portugueses

Metade dos agricultores do Alentejo que experimentaram o milho transgénico já desistiram
De todas as explorações agrícolas do Alentejo que em 2007 cultivaram Organismos Geneticamente Modificados, 48% já abandonaram tal opção em 2008. Para a Plataforma Trangénicos Fora estes dados mostram que, apesar da forte promoção dos transgénicos, os agricultores preferem tecnologias e práticas mais eficazes, que apresentem menores riscos para o ambiente, para a saúde humana e para a sua própria economia.
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Esquerda.net

terça-feira, julho 29, 2008

O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Pier Francesco Zarcone

LUTAS SOCIAIS

Após o breve parêntese ditatorial de Sidónio Pais, as classes políticas republicanas tiveram que encarar uma situação económica muito difícil. O governo orientou-se em favor duma política inflacionista baseada na emissão de moeda, com pouca intervenções na economia do país. Mas foi um desejo piedoso pensar poder ficar de fora dos conflitos sociais originados pelas difíceis condições de vida da maioria do povo português. De facto, o governo logo teve que tabelar o preço do pão, instrumento que a acção e as pressões da UON fizeram permanecer por um tempo adequado, porque se manifestava - embora devagar - uma tendência ao aumento dos salários.

Esta capacidade operativa da UON (11) não deve maravilhar, porque o proletariado industrial (que passou de 142.000 a 217.000 em 1924), concentrado em Lisboa (38% da população) e Porto (30%), naquela altura tinha interesses convergentes com os doutras classes urbanas - como os trabalhadores dos transportes e do comércio - o que fazia dela um grupo de pressão notavelmente forte. E 50% do proletariado operário aderia aos sindicatos.

Tal era a força do movimento operário que nos anos 1917-1924, quando os conflitos sociais causaram um incremento considerável das greves (cerca de 400), a vida de Lisboa e Porto foi paralisada muitas vezes pela acção dos grevistas. Naturalmente não faltou a violenta repressão policial, seguida por atentados e sabotagens, e a luta do proletariado contra a violência de polícias e patrões levou à criação do Comité de Defesa Social e da Legião Vermelha (responsável pelo menos de 200 atentados) (12).

Contudo, apesar da violência das lutas sociais fazer pensar (dentro e fora de Portugal) que fosse possível uma revolução social radical, já em 1922 era um dado adquirido o governo e os patrões poderem retomar o controlo da situação. Os governantes - praticamente entre dois fogos - no início tentaram tirar força ao proletariado fazendo recurso à formas iniciais de política social (13), mas em vão, como se viu a 1° de Março de 1919, quando a UON trouxe à rua pelo menos 30.000 trabalhadores, reivindicando a socialização das terras e industrias. É um facto sintomático que A Batalha se tenha tornado o terceiro jornal nacional.

As pressões do patronado em seguida fizeram mudar de ideia o governo, que abandonou a política social iniciada há pouco. Mas o proletariado organizado demonstrou que tinha ainda uma grande capacidade de luta, de resistência e de mobilização (houve conflitos sociais que demoraram também dois meses); e foi esta força a base da criação da CGT.

A reorganização do patronado deu ao Estado a oportunidade de incrementar a repressão violenta: ocupações armadas de bairros populares, encerramentos de jornais e periódicos do movimento dos trabalhadores, combates armados entre polícias e operários, proclamações de estado de sítio, detenções e deportações. Em 1920 atentados bombistas e sabotagens tiveram uma frequência nunca vista antes; mas por fim, perante a consciência da necessidade de estarem unidos contra o proletariado, agora conseguida pelos capitalistas, bem pouco espaço ficava para o desenvolvimento da táctica habitual dos anarco-sindicalistas: forçar à rendição, de cada vez, os sectores mais fracos do patronado e obter depois uma "reacção em cadeia".

O ano 1920 foi o mais violento na luta sindical e os governos tiveram realmente medo da greve insurreccional defendida por muitos militantes da CGT. O momento mais preocupante para a burguesia foi o mês de Janeiro, quando uma greve geral da CGT degenerou em tiroteios entre polícias e operários, com mortos e feridos, e um destacamento da GNR passou para o lado dos grevistas. Porém, o resultado desta luta demonstrou que as coisas tornaram-se piores para os anarco-sindicalistas. O governo do coronel António Maria Baptista agravou a repressão e - o verdadeiro sinal de refluxo - a greve geral foi uma falência.

Abriu-se um período de frustração, agravada pelos contrastes entre libertários e bolchevistas e pela acção do patronado que actuou muito na direcção de separar os operários especializados e os empregados da função pública (os quais tinham uma capacidade de pressão maior) do resto do mundo do trabalho. As lutas sociais, contudo, prosseguiram enquanto as "revoltas da fome" se estendiam do norte ao sul do país.

O governo de Liberato Pinto derrotou os ferroviários depois duma greve de 70 dias e o sindicato teve que negociar com a empresa a reintegração dos trabalhadores e em troca da libertação dos companheiros presos teve que renunciar ao horário laboral de 8 horas. A derrota foi pesada e a CGT nunca voltou a obter uma vitória importante. Além disso, a constituição do PCP quebrou a unidade do proletariado português: trata-se, todavia, duma consequência daqueles acontecimentos, mais do que duma causa.

É inegável que a falência substancial da luta da CGT - desenvolvida só ao nível económico e não ao nível político - não podia senão empurrar vários militantes à procura de alternativas revolucionárias que lhes apareciam como de amplidão maior (infelizmente tratou-se do bolchevismo). Outros descontentes refluíram no terrorismo individual.

Os bolchevistas não perderam tempo, e desenvolveram uma acção especificamente dirigida à desagregação da CGT, e não se coibiram de dar lugar a campanhas de descrédito contra estimados expoentes anarquistas - como Manuel Joaquim de Sousa - contrários às manobras do PCP para com a CGT e dentro dela.

Alguns militantes aderiram de maneira patente ao PCP (talvez para serem depois expulsos quando não serviram mais, ou serem molestados pelos seus resíduos libertários). Outros, ao contrário, actuaram às escondidas (como Fernando de Almeida Marques, ocultamente em ligações com Bento Gonçalves, na altura secretário do PCP).

O progressivo enfraquecimento do proletariado - estreito entre as derrotas das lutas sindicais e as divisões interiores - e o paralelo fortalecimento do patronato e das suas ligações com as Forças Armadas no final do período, criaram um contexto favorável a um golpe de força direitista definitivo que alcançasse dois objectivos: o desmantelamento do movimento dos trabalhadores e uma nova estruturação do poder político fora da fraqueza parlamentar.

Em 1924 pareceu que a política do governo se poderia mudar num sentido mais favorável aos interesses do povo, se bem que compatível com o sistema dominante. De facto, a positiva vaga emocional produzida nos sectores republicano de centro/esquerda pela vitoria eleitoral do cartel das esquerdas na França - que em Maio de 1924 conduziu ao governo radical/socialista de Eduard Herriot - fez com que em Novembro daquele ano se formasse em Portugal um governo burguês de esquerda, presidido por um político honesto, José Domingues dos Santos.

Este, no início de 1925 atacou directamente a especulação dos bancos e contrariou a confederação patronal, União dos Interesses Económicos. O seu governo (não apoiado formalmente pela CGT, mas não combatido por esta) chegou a atacar os privilégios das assim ditas "forças vivas da Nação", e por isso em Fevereiro de 1925 Domingues dos Santos dissolveu a Associação Comercial de Lisboa, pela sua actividade anti-governativa.

A 6 de Fevereiro o governo recebeu nas ruas o apoio duma grande manifestação popular, promovida por associações republicanas apoiadas pela CGT, o Partido Socialista e o PCP. Mais em vão. No mesmo mês o sector "moderado" da coligação governativa fez cair o governo, e nada pôde fazer para soçobrar a situação a imponente manifestação popular que teve lugar em Lisboa a 13 de Fevereiro, com participação de todas as forças de esquerda (parlamentar e não).

(11) Sobre o assunto, E. RODRIGUES, Os Anarquistas e os Sindicatos, Lisboa 1981.
(12) A.J. TELO, Decadência e Queda da Primeira República, Vol. VI, Lisboa 1980.
(13) Foi constituído o Ministério do Trabalho e foram introduzidos o dia laboral de 8 horas e os seguros sociais.

(Continua)

Luta sindical no aeroporto: negociação ou capitulação???

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No inicio deste Verão de 2008, os trabalhadores do aeroporto demonstravam uma firme disposição para lutar. Vários sectores eram (e ainda são) os atingidos pelas violações do Acordo de Empresa, desrespeito dos descansos mínimos e da pausa para pequeno almoço, horários violentíssimos e completamente desumanizados, falta de condições de trabalho (como por exemplo o simples acesso a água para quem trabalha exposto aos caprichos do clima), salários de miséria, pressão constante das chefias, etc. Assim, os trabalhadores de terra do Grupo TAP, os trabalhadores da Iberlim lutando pelo mais que justo aumento salarial (para 490 €!!!), contando ainda com a solidariedade dos trabalhadores do ar (Pessoal de Cabine e Pilotos) para com as lutas dos seus companheiros, conjugavam-se para que alguma justiça laboral se viesse a verificar, através da única linguagem que as administrações entendem: paralisação da operação e demonstração de força por parte de quem trabalha.

As notícias eram animadoras... Pela primeira vez, os 5 sindicatos estavam unidos na convocatória de uma greve na Groundforce - nome de marketing da TAP SPdH (Serviços Portugueses de Handling) após a privatização em 2003. STHA, SITAVA, SIMA, SINTAC e SQAC reuniram conjuntamente e aprovaram formas de luta comuns. A mais importante era a greve de 24 horas no dia 19 de Julho na Groundforce e uma Concentração/Greve de todos trabalhadores do Grupo TAP no dia 16 de Julho em frente ao edifício da administração.

No entanto a negociação de cúpulas sindicais, administrativas e governativas vingou, para já... Com um protocolo de entendimento entre a administração e os sindicatos desconvocaram-se todas as formas de luta. Democracia dos trabalhadores nas empresas e sindicatos e especialmente na decisão e convocação/desconvocação das formas de luta, é coisa que as organizações sindicais só invocam e respeitam quando bem entendem.

Ora, o protocolo de entendimento que selou a paz social no Grupo TAP, consubstancia o congelamento de salários para 2008 (é de perguntar se a administração também vai congelar os seus!!!) e nada mais nada menos do que uma declaração de boas intenções, um punhado de promessas, que a administração sabe perfeitamente que não vai cumprir. Para isso, a chantagem da crise, o fantasma dos prejuízos, o papão dos “postos de trabalho em risco”, o uso e abuso do terrorismo psicológico sobre os trabalhadores, a imposição do medo como discurso oficial, enfim tudo servirá para manter os salários e privilégios dos administradores, enquanto se aperta o garrote sobre a vida de quem, com o seu trabalho permite lucros, compras de aviões, planos de investimento, aumento de rotas, aumento de passageiros, etc (ou uma companhia que não tem lucros pode-se dar ao luxo de viver acima das suas possibilidades?). A histórica unidade sindical em torno de uma greve foi trocada por uma mão cheia de nada. Mais, a ofensiva passou a estar do lado de Fernando Pinto (que segundo notícia do jornal SOL aumentou em 5 vezes o seu salário desde 2001!).

Ainda a tinta das assinaturas do protocolo de entendimento secava e já a administração da TAP anunciava, sem nenhum pudor, aos sindicatos e à imprensa que não iria cumprir o Acordo de Empresa. Propunha a suspensão do Acordo de Empresa durante um ano, a “suspensão do pagamento do trabalho extraordinário, das férias compensatórias dos feriados e da contagem do tempo para efeitos de progressão salarial”, assim como a “diminuição do vencimento líquido de cerca de 20 por cento”. Que é como quem diz, Fernando Pinto quer apresentar lucros à custa dos trabalhadores. Quer atingir os seus objectivos de gestão (quem sabe não terá mais um prémio de gestão de alguns milhões de euros à sua espera) à custa da miséria de quem lhe dá esses “resultados”.

Não são só os aviões que gastam combustível! A crise afecta o dia a dia da vida de quem trabalha. Os gastos nos transportes para o seu local de trabalho (o aeroporto), o aumento dos preços dos bens essenciais, das prestações ao banco, etc, estrangulam e deixam à beira do desespero quem não tem mais do que a sua força de trabalho. Todos os trabalhadores merecem um aumento salarial de emergência. Estes sim são gestores exímios de um salário que estica cada vez mais para chegar ao fim do mês. Quem faz os possíveis e impossíveis com um salário que cada vez mais é comido pela inflação é que é digno de “um prémio de gestão”. O aumento real dos salários em 2008 não é negociável!

Como bem nota a Comissão de Trabalhadores da SpdH (Groundforce) em 22 de Julho, parece que o protocolo de entendimento afinal só serviu para ludibriar os trabalhadores. A boa fé negocial não é coisa que as administrações agradeçam ou respeitem. Essa boa fé negocial dos sindicatos só servirá para que os ataques do Governo Sócrates e acessores (Mário Lino, Vieira da Silva e outros capatazes) se abatam mais violentamente ainda sobre os ombros dos trabalhadores, pela via das administrações das empresas. Seja com “propostas” de suspensão do A.E., ou pela imposição real do “banco de horas” (Trabalha mais, recebe menos, ou a lenga lenga de mais uma crise que “todos” temos que pagar!).

A luta é a única saída. A união das organizações sindicais é fundamental, seja qual for a forma de luta decidida pelos trabalhadores. Que seja quem trabalha a decidir como lutar é a chave do sucesso de qualquer processo reivindicativo. Responder à letra ao senhor Fernando Pinto, Mário Lino, Vieira da Silva e Sócrates implica necessariamente falar o idioma deles. E esse, está demonstrado, é linguagem numérica, mede-se em lucros e resultados, em salários de luxo e privilégios obscenos para alguns afortunados, migalhas e sacrifícios para todos os outros.

Se só percebem a linguagem dos números, que façam as contas a quanto lhes custará uma greve (cada vez mais inevitável) de todos os sectores em Agosto, no pico de actividade da aviação nacional. Talvez assim entendam que os trabalhadores são gente e não são só mais uma roda dentada da máquina de fazer milhões e comprar aviões. Aos sindicatos exige-se que não usem do argumentário da administração; que não comprem o discurso do coitadinho e que lutem com lealdade, combatividade e democracia lado a lado com os trabalhadores. Só assim se alcançarão vitórias. A indispensável justiça laboral e salarial é condição primeira e fundamental para qualquer outro tipo plano de crescimento.

Ruptura

Um não claro à energia nuclear!

É certo que a questão da energia nuclear, trazida à discussão nos últimos tempos, não faz parte da agenda política do Bloco de Esquerda.

As nossas preocupações estão voltadas para o estudo, aproveitamento e exploração das energias alternativas limpas e para a implementação do Plano de Eficiência Energética, que pode permitir uma enorme poupança na energia.

Por outro lado, importa separar claramente a questão da produção de energia eléctrica e o consumo de combustíveis fósseis, nomeadamente nos transportes.

No que se refere aos transportes é necessária a alteração do actual paradigma, que privilegia o transporte rodoviário sobre o ferroviário. Só assim será possível abrandar a dependência brutal face à gasolina e ao gasóleo.

Infelizmente, tem-se assistido a um investimento enorme na construção de auto-estradas e ao desinvestimento na rede ferroviária, excluindo, agora, a loucura de novoriquismo que é o TGV.

Mas não é possível esquecer que os grandes grupos económicos e financeiros, com testas-de-ferro como Patrick Monteiro dos Santos e com lobbys que integram as organizações patronais e que estendem os seus braços até insuspeitas personalidades da cena política portuguesa, estão de olho na implantação de centrais nucleares em Portugal. Foram eles que relançaram agora a questão.

Com a crise energética que vivemos, mais provocada pela extrema ganância da especulação financeira do que por qualquer outra razão, a falsa alternativa nuclear pode fazer caminho entre os cidadãos acossados pelo preço dos combustíveis.

Como sempre, já está em construção um discurso largamente falacioso e eivado de mentiras e “não verdades” sobre a utilização do nuclear na produção de energia eléctrica.

É indispensável responder com uma campanha que explique claramente os terríveis inconvenientes da utilização da energia nuclear, pondo em causa os seus elevados custos de construção, a dependência da tecnologia e a questão da deposição dos resíduos.

  • 1ª falácia: O nuclear permitiria a Portugal uma maior independência face ao custo do petróleo. E as centrais nucleares são “oferecidas” por quem? Ficamos dependentes de que fornecedores da tecnologia? Quanto custa o armazenamento dos resíduos para os quais não existe solução credível? Quanto custa o desmantelamento da central após o prazo de vida?
  • 2ª falácia: Hoje, a tecnologia nuclear é muitíssimo segura. Já não falando dos acidentes gigantescos ocorridos quer na antiga URSS, em Chernobyl, quer nos Estados Unidos, em Three Miles Island, só nos últimos meses ocorreram vários acidentes em França (Tricastin), na Alemanha (Ass), Espanha (Tarragona) e na Suécia (Forsmark). São acidentes demais para uma tecnologia segura.
  • 3ª falácia: Tem havido um tabu sobre o nuclear em Portugal. A memória destes senhores é muito curta porque decorreu, entre 1978 e 1984, a discussão para o Plano Energético Nacional e a questão do nuclear foi claramente rejeitada, quer pelas entidades envolvidas, quer pela população portuguesa.
  • 4ª falácia: É necessário estar em paralelo com a Espanha na produção de energia. Para além de ser de estranhar que os dirigentes patronais nunca se preocupem em estar em paralelo com a Espanha em termos de salários, convém saber que o governo do Estado Espanhol declarou estar interessado em repensar a política nuclear em todo o Estado. Mas isso não convém aos “senhoritos” radioactivos comentar.

Com algumas razões aduzidas aqui e tantas outras, quer de carácter político, quer de carácter técnico, que se opõem à utilização do nuclear para a produção de energia eléctrica, impõe-se defender alternativas respeitadoras do ambiente e ainda por explorar para a produção de energia. As eólicas ainda podem aumentar a produção, bem como a energia das marés, que está em quase completa hibernação, num país com os dias de sol que Portugal tem o aproveitamento da energia do sol é menos que residual.

Mas é no Plano de Eficiência Energética que será necessário fazer uma aposta firme, com vista a uma poupança nada negligenciável, tendo em conta que algumas das medidas a implementar possam não ser de aceitação imediata muito fácil.

Aos portugueses cabe exigir dos partidos políticos uma definição precisa nos seus programas para as próximas campanhas eleitorais sobre a sua posição face à energia nuclear.

Esquerda Nova

segunda-feira, julho 28, 2008


A DERROTA DAS MAIORIAS ABSOLUTAS


O governo governa com a maioria e não com as manifestações da Rua, diz o Sr. Primeiro Ministro. Na verdade, se o PS não tivesse a maioria, o Governo nunca teria tido a coragem de insultar os professores, nem de aprovar o novo estatuto da carreira docente, que é um insulto a quem presta tão nobre serviço à Nação.

Já foi votada no Parlamente por três vezes a suspensão do novo estatuto da carreira docente e das três vezes o PS votou contra a suspensão. As maiorias só favorecem os poderosos, os que trabalham e que produzem riqueza ou prestam serviços saem sempre a perder. É fácil para quem tem vencimentos chorudos vir à televisão pedir para que apertemos o cinto (não é assim, sr. Vitor Constâncio?).

Colegas, chegou o momento de ajustar contas com o PS. Se este partido tivesse menos 1% dos votos expressos nas últimas eleições, não teria a maioria absoluta e nunca teria tido a coragem de promover esta enorme afronta aos professores. Somos 150.000, o equivalente a 3% dos votos nacionais expressos. Se nas próximas eleições, que são dentro de um ano, todos os professores votarem em massa em qualquer partido excepto no PS, este partido nunca mais volta a ter a maioria absoluta e será a oportunidade soberana de devolver ao Sr. Sócrates as amêndoas amargas que ofereceu aos professores. Aliás, o próprio já deu a entender que nem "se chega à frente" se as sondagens não lhe assegurarem o almejado "cheque em branco".

Colegas, quem foi capaz de ir do Minho, Trás-os-Montes, Algarve, Madeira e Açores a Lisboa, também consegue nas próximas legislativas dirigir-se à sua assembleia de voto e votar a derrota do PS. Em Portugal há partidos para todos os gostos, quer à direita quer à esquerda
do PS, é só escolher, maiorias absolutas nunca mais. Os professores, para além de terem a capacidade de retirarem a maioria ao PS,

têm a capacidade de o derrotar, basta para isso que os professores convençam metade dos maridos ou mulheres, metade dos seus filhos maiores, metade dos seus pais e um vizinho a não votar PS, e já são mais de 500.000, foram os votos que o PS teve a mais que a oposição.

Os professores estão pela primeira vez unidos, esta união é para continuar, e têm uma ferramenta poderosa ao seu alcance, a Internet, que nos põe em
contacto permanente uns com os outros.

Senão vejamos, esta mensagem vai ser enviada a cinco colegas. Se cada um
dos colegas enviar a mais cinco dá 25. Se estes enviarem a mais cinco dá 125.

Se estes enviarem a mais cinco dá 625. Se estes enviarem a mais cinco dá 3.125.
Se estes enviarem a mais cinco dá 15.625. Se estes enviarem a mais cinco
dá 78.125. se este enviarem a mais cinco dá 390.625, isto é, o dobro dos
professores que há em Portugal.

À sétima vez que esta mensagem for reenviada todos os colegas ficarão a saber a informação que ela contém.

Começou oficialmente a campanha eleitoral dos professores contra o PS:


'VOTA À DIREITA OU À ESQUERDA! NÃO VOTES PS!

Reencaminhem para atingir os 150 000 mil professores e educadores.

Mail que anda a correr pelo país.

O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Pier Francesco Zarcone

CRISE NA REPÚBLICA


A república parlamentar portuguesa constituiu-se sem a existência duma verdadeira consciência republicana a nível quer de massas, quer de élites políticas. A sua Constituição foi aprovada por uma Assembleia Constituinte essencialmente burguesa (funcionários públicos - civis e militares - proprietários de terras, expoentes das profissões liberais), e naturalmente teve um carácter só liberal/democrático, deu à República uma estrutura política e social destinada inevitavelmente a se chocar com as exigências dos trabalhadores. Por isto, a república foi desde o início afectada por uma fraqueza perniciosa: o tratamento radical cedo ou tarde era inevitável, e foi de direita extrema.

O texto constitucional era expressão do programa político duma burguesia de espírito jacobino e livre-pensador, revolucionária somente por comparação ao regime institucional precedente; uma burguesia no total inadequada para as exigências dum país afligido por problemas sociais e económicos gravíssimos. Desatendida ficou a voz de Afonso Costa que tinha solicitado a inclusão de elementos socialistas no programa republicano.

A natureza da classe dirigente republicana contrariou aqueles componentes que tinham uma vontade de resgate social como classe; e naturalmente, pelo seu forte anti clericalismo, descontentou as massas camponesas controladas pelo clero católico, fechadas numa dimensão mental digna do período mais tenebroso da Idade Média., vítimas dum cristianismo feito de medo, ignorância e superstição.

O débil e inadequado edifício republicano foi atormentado quer por lutas sociais violentas, quer por revoltas militares frequentes, com a agravante duma instabilidade governativa endémica. Houve um clima de violência difusa, que se acentuou durante o pós-guerra de 14-18. Neste período, também em Portugal se gerou uma crise económica profunda, agravando as condições de vida dos trabalhadores, já difíceis, e golpeando esta vez a classe média. A intervenção do exército foi naturalmente apoiada pelo patronado. Devem-se lembrar as intentonas militares de Sinel de Cordes e Filomeno da Câmara em Abril de 1925, de Mendes Cabeçadas em Julho do mesmo ano, de Justiniano Esteves, Martins Júnior e Lacerda de Almeida em Janeiro de 1926.

A desorganização geral do Estado, o aumento dos preços, a falta de alimentos, o desemprego, as greves e as violências, faziam ver que a República continha no seu interior um abismo que se tornava cada vez maior, ameaçando engolir tudo. E como é próprio das classes médias, esta situação caótica robusteceu a sua tendência a favor duma solução autoritária para os problemas do país.

O proletariado organizado na UON primeiro, e pela CGT depois, estava disposto a sair à rua, de armas nas mãos, contra as ameaças das direitas políticas, mas trazia consigo reivindicações que a burguesia não podia satisfazer de maneira nenhuma.

A classe dirigente da I República portuguesa - como depois aconteceu à da II República espanhola - acabou por ficar sitiada entre uma direita extrema reaccionária e uma esquerda revolucionária. Quer a direita, quer a esquerda tinham à disposição os maiores media da época: A Batalha, o grande diário anarco-sindicalista que chegou a ser o terceiro jornal do país, para a esquerda; o Diário de Notícias e o Século para a direita.

Sintoma da gravidade da situação para a república burguesa foi, por exemplo, uma taxa enorme abstenções nas eleições de 1921 (79%), fenómeno que em 1925 se repetiu (80%). E isto, para a um número de eleitores recenseados que - pela legislação daquela altura - era de cerca de 500.000. Considere-se, depois, que os partidos essencialmente exprimiam os interesses das classes urbanas, de modo que aos camponeses faltava uma representação política dentro do sistema institucional.

Os militares não se deixavam ficar de fora(Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana), exerciam uma força notável para com os partidos políticos e dentro deles; força que depois de 1925 foi utilizada para subverter pesadamente a própria República.

O ciclo vital da República até ao golpe de 1926 pode ser articulado, esquematicamente, em duas fases: antes e após a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial. Na segunda fase os germes da crise foram fatais.

Assim como noutros países a guerra mundial em Portugal favoreceu a realização de lucros enormes por algumas pessoas, sobretudo através de especulações favorecidas pela inflação galopante (inferior somente à da Alemanha e da Áustria): alvos dela foram também sectores das classes médias que tinham rendimentos fixos. O açambarcamento privado de moedas metálicas, o alto nível de emissão de papel-moeda e o déficit crescente da balança comercial, foram todos eles factores que causaram uma depreciação outro tanto elevada do escudo português.

Como sempre acontece, o preço dos lucros enormes ganhos pelos velhos e novos ricos foi pago pelo proletariado, urbano e camponês, e pelos titulares de rendimentos fixos. A situação política foi a caixa de ressonância duma crise económica e financeira progressiva e acelerada: caos governativo (num período de 16 anos Portugal teve 16 Presidentes da República e 45 governos), fragmentação dos partidos políticos, acção dos lobbies para com eles, tentações golpistas crescentes nas Forças Armadas, estrutura económica e produtiva do país muito atrasada, estratificações sociais injustificáveis.

Em Dezembro de 1917, durante a guerra, um golpe pôs no poder um militar, Sidónio Pais (chamado "o Presidente-Rei), que destituiu o Presidente eleito, Bernardino Machado Guimarães, dissolveu o Parlamento, instaurou uma ditadura pessoal e assumiu interinamente a Presidência da República. Para este cargo foi eleito de seguida por sufrágio universal a 28 de Abril de 1918. A 14 de Dezembro do mesmo ano foi assassinado em Lisboa, na estação do Rossio.

A ditadura de Sidónio Pais deixou marcas duradouras na vida política de Portugal, criando uma mentalidade difusa e uma espécie de antecâmara daquela que foi a mais longa ditadura de Europa (1926-1974). Contra os seus opositores Sidónio Pais desencadeou o terrorismo de Estado e o movimento operário foi reprimido brutalmente.

O poder pessoal do sidonismo (o chefe visto como "mandatário da Nação") imprimiu uma resoluta direcção autoritária e anti-parlamentar à história da república, estimulando conspirações e subversões da direita extrema monárquica e dos militares apoiantes dela. Tais conspirações não acabaram quando Portugal voltou ao parlamentarismo (em Maio de 1919 realizaram-se as novas eleições políticas).

Este ano começou mal para a República, com as revoltas monárquicas de Paiva Couceiro no Porto e de Aires d'Ornelas em Lisboa, ambas fracassadas por causa da contra-reacção armada das massas populares urbanas que combateram corajosamente contra os monárquicos. De modo que a 13 de Fevereiro tudo estava já acabado.

Mas se a direita monárquica caiu no descrédito, nem por isso os perigos autoritários desapareceram. Todo o período do pós-guerra foi caracterizado por uma instabilidade política extrema (só em 1920 Portugal teve 7 governos!), um caos administrativo permanente, outras tentativas de golpes militares, atentados, inflação, greves, lutas sociais violentas.

Junte-se a isso a perigosidade da fortemente corporativa GNR, reforçada nos efectivos e no material bélico, que actuava como força de repressão anti-monárquica e anti-operária, mas também pouco fiel ao governo da República. A força de pressão da GNR para com o mundo da política foi enorme, influenciando decisões e chegando a fazer nomear chefe do governo o seu Chefe de Estado-Maior, Liberato Pinto. O governo que lhe sucedeu, chefiado por Bernardino Machado, acusou Pinto de concussão e a GNR (cujo poder, nas intenções de Machado, devia ficar debilitado pelo escândalo) deu um golpe que causou a queda do governo. De qualquer maneira o tribunal militar condenou igualmente Liberato Pinto.

A GNR organizou uma nova conspiração anti-governativa, originando uma instabilidade ulterior, que desembocou na chamada "noite sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, quando vários fundadores da República foram assassinados (10). O clima de confusão e violência política em Portugal chegou ao grau máximo.

O governo de António Maria da Silva reduziu a GNR ao nível de força armada rural, mas fez do exército a única realidade capaz de intervir com as armas na política, e abriu o caminho ao ataque armado das direita por meio dos militares.

(10) Veja-se a revista História, n.39/2001.

(Continua)

domingo, julho 27, 2008

Novo Código do Trabalho

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"Grande corrupção de Estado está a crescer", diz Cravinho

João Cravinho denuncia
Em entrevista ao Diga Lá, Excelência, do Público e da Rádio Renascença, João Cravinho considera que a grande corrupção está a aumentar e atinge "áreas de funcionamento do Estado, que afectam a ética pública". Para o ex-deputado socialista, autor de um pacote legislativo contra a corrupção que foi rejeitado pela sua própria bancada parlamentar, existem "factos anómalos" na legislação aprovada, que "inesperadamente" fecha os olhos às irregularidades relacionadas com contas bancárias, activos financeiros e off shores.
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Esquerda.net

FRANCISCO LOUÇÃ NO ALGARVE

Realizou-se no dia 25 de Julho, em Armação de Pêra, o primeiro dos quatro comícios que o Bloco de Esquerda vai levar a efeito este verão no Algarve. Na magnífica Fortaleza desta localidade e numa noite cálida estiveram cerca de mil pessoas que não arredaram pé para ouvir Francisco Louçã e também Carlos Cabrita.

Iniciou a sessão o camarada David Lamy, de Armação de Pêra, que apresentou os dois oradores seguintes: Carlos Cabrita da concelhia de Silves e do secretariado Regional do BE e o deputado Francisco Louçã.

Carlos Cabrita começou por chamar a atenção para a crise económica regional (com sério risco de agravamento) motivada pela excessiva dependência das actividades turística e imobiliária. Deu como exemplo, o mercado local de produtores agrícolas de Armação onde se podem encontrar bons produtos e frescos, bastante procurado pelos consumidores mas que funciona em condições rudimentares e sem apoios para a sua preservação e melhoria. Também a comunidade piscatória local não está melhor e pode extinguir-se a breve prazo e os sectores tradicionais carecem de mais apoio para que as actividades se diversifiquem.

As autarquias não apoiam ou apoiam muito timidamente outras actividades, mas apoiam a imobiliária e o turismo. Favorecem alterações de PDM e usam outros expedientes para contornar a legislação existente em prol de mais construção. O Governo favorece preferencialmente esta actividade, nomeadamente com os chamados PIN. As 24 000 camas previstas no PROT que agora entrou em vigor, serão atingidas rapidamente, com estes expedientes. A região precisa é de uma MORATÓRIA a mais camas turísticas para a própria sobrevivência económica do sector na região e para a preservação do ambiente e da paisagem.

Frisou ainda que Silves, por exemplo, tem actualmente 40% das suas receitas camarárias, directa ou indirectamente dependentes da actividade imobiliária (IMI, IMT, taxas e licenças). O Governo Sócrates que prometeu acabar com estas dependências autárquicas nada mudou, com a recente alteração à lei das finanças locais.

Para terminar, Carlos Cabrita denunciou o laxismo da administração local e central que fazem com que o Plano de Pormenor de Armação de Pêra ainda não esteja em vigor. Este foi iniciado em 1999, após a visita do ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, à Vila de Armação de Pêra em que chamou à atenção para o caos urbanístico existente. Em 2002 tinha a sua parte técnica concluída. Daí para cá marca passo nos corredores da administração vá lá saber-se porquê? Que interesses fazem com que isto ocorra ou que peias burocráticas o permitem?

Francisco Louçã na sua intervenção focou aspectos da realidade política do Algarve e da política nacional. Referiu-se à difícil situação que as famílias, que os cidadãos, que os trabalhadores atravessam na região e por todo o país. Focou os pescadores e os trabalhadores agrícolas que trabalharam toda uma vida inteira e que hoje dispõem de pensões de miséria. Aqueles no momento em que mais precisam são precisamente os mais mal tratados, como por exemplo nos cuidados de saúde, dando como exemplo o caos que se passa nas urgências do Hospital de Faro – quando visitou o Hospital constatou a existência de dezenas de doentes, aqueles que mais precisam, deitados em macas espalhadas pelos corredores do Hospital. Tudo isto tem a ver com a degradação do Serviço Nacional de Saúde da responsabilidade dos governos de direita PSD/PP e prosseguida e até agravada pelo governo Sócrates/PS.

Louçã falou da existência de dois países diferentes – de um lado o país do trabalho, do labor, da responsabilidade, da justiça e do respeito (deu como exemplo a manifestação nacional de 100 mil professores que exigiam a palavra “respeito”) e que é a maioria deste país. Do outro lado temos o país da facilidade, da pouca vergonha, do abuso, da mentira, daqueles que fazem negócios fáceis, como o que se passa no BCP e do Relatório do SNS relativo à gestão dos Hospitais Empresas e que havia administradores a ganhar 300 mil euros por mês, durante 14 meses imagine-se, fora os prémios e outras regalias. Um desses administradores chegou mesmo a duplicar os vencimentos ao nomear-se assessor dele próprio – tudo com a conivência dos governos do país.

Louçã concluiu que é possível vencer o abuso, a injustiça, o mundo da facilidade. É isso que o Bloco de Esquerda, uma força popular e socialista procura fazer – engrossando a corrente popular por este país fora e criar uma política alternativa com eleitores de outros partidos, nomeadamente com muitos milhares de pessoas que já votaram no Partido Socialista e que hoje não se revêem nas políticas deste partido.

Obama, a desilusão da continuidade

Barack Obama veio à Europa fazer algumas definições importantes. Antes dos conteúdos políticos importa referenciar que Obama começou pela Alemanha para sinalizar este país como o vice-presidente do conselho de administração do império global. E aí promoveu um comício gigantesco. Esse comício mostra uma inflexão nas recepções a Bush – não houve manifs de protesto, mas de apoio. O que explica que há uma expectativa nas massas sobre quem se prevê venha a ser o novo chefe do império.
Depois Obama foi à França e à Inglaterra, em visitas secundárias. Estão marcados os lugares destes países, eles serão os secretários do conselho de administração. Em Inglaterra Obama reuniu não só com o caduco poder mas também com aquele que será o futuro chefe. Mais uma mensagem.
No nosso entender os conteúdos são significativos:
1. Obama mantém a pressão sobre o Irão e, portanto, poderá estar a manter o alvo da próxima guerra pois reafirma o perigo da “proliferação nuclear”.
2. Obama renova apoio a Israel e sinaliza a política de continuidade da administração americana e de continuação de cedência ao poderoso e mafioso lóbi israelita.
3. Obama reafirma a necessidade do reforço da presença no Afeganistão; reafirma a importância da política da guerra.
4. Obama identifica o terrorismo como a grande ameaça; está mantida a essência do argumento 1º sobre a guerra infinita. Mais, Obama quer maior mobilização europeia.
5. Obama quer diminuir as barreiras comerciais; esperam-se novas pressões para que os países mais pobres cedam às exigências das multinacionais para que o mercado global se complete plenamente sem mais dificuldades.
6. Por fim o futuro inquilino da Casa Branca também fala nas alterações climáticas para dar um cheirinho de esquerda.
Aqueles que, em Portugal, cedo começaram a tecer loas a Obama talvez estejam já um pouco arrependidos.
Ideal Comunista

Cartoons contra a Directiva da Vergonha




veja mais em Humor Gráfico
In Ideal Comunista

Imagens da nação. Carago!











In Ideal Comunista

Sócrates, O Filósofo

O Filósofo

Recebi por mail este texto e não resisti a fazer um boneco para o ilustrar.

«O EUROSTAT concluiu, através de um inquérito a mais de 100 milhões de cidadãos europeus, que os portugueses eram mais entendidos em filosofia e por uma larga distância. Noventa por cento dos portugueses afirmam conhecer Sócrates e a sua obra e, destes 90%, mais de metade diz que Sócrates influenciou directamente a sua vida.

Há ainda quem no inquérito manifeste opiniões apaixonadas (do tipo “Esse gajo é um filho da puta”, ou “Eu quero que esse cabrão vá levar na peida” ou ainda “há quem diga que o gajo abafa a palhinha”), o que levou o EUROSTAT a afirmar em nota de rodapé que “ Os portugueses, além de mostrarem uma cultura acima da média europeia, revelam um alto sentido critico/interventivo nas questões da filosofia".»
Wehavekaosinthegarden

“É o petróleo, estúpido” por Noam Chomsky

Noam Chomsky no Fórum Social Mundial - 2003
O acordo que se perfila entre o ministério iraquiano do petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas quanto aos motivos da invasão e da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Estas questões deviam ser levantadas pelos candidatos às eleições presidenciais e discutidas seriamente nos Estados Unidos, assim como no Iraque ocupado...
Publicado em Khaleej Times a 8 de Julho de 2008, disponível em chomsky.info.
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Esquerda.net

sábado, julho 26, 2008

O ANARQUISMO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Pier Francesco Zarcone

OS ANARQUISTAS ORGANIZAM-SE. A FAI


O processo de organização entre os vários grupos anarquistas portugueses desenvolveu-se devagar. A primeira e séria tentativa de realizar uma estrutura federal teve lugar em 1902, quando foi criada a Federação Socialista Livre, que coligou a acção de grupos de Lisboa, Almada, Setúbal, Algarve, Covilhã, Funchal, etc. Sucessivamente no Porto nasceu em 1907 uma estrutura federativa local que desde 1911 atribuiu-se o nome de Federação Anarquista da Região do Norte (FARN), activa até 1914. Em Lisboa, após várias tentativas, constituiu-se em 1911 a Federação Anarquista da Região Sul (FARS). E nasceram também a União Anarquista Algarvia (UAA) e a Aliança Anarquista de Coimbra (AAC), politicamente importantes, mas que tiveram una vida breve porque golpeadas por uma vaga repressiva.

O movimento anarquista português assumiu em pouco tempo um carácter comunista libertário, arraigando-se decididamente na luta de classes e as suas ideias difundiram-se no meio operário e em parte camponês mais rapidamente do que as ideias republicanas e socialistas. Relevância escassa tiveram, pelo contrário, as tendências individualistas. O influxo maior veio especialmente por Bakunin, Proudhon, Kropotkin, Malatesta, Tolstoj.

E nas lutas do proletariado, um papel de relevo foi desempenhado pelos anarco-sindicalistas, os quais sempre se opuseram ao parlamentarismo burguês, propugnando a greve geral expropriadora e insurreccional (por isso implicando as acções armadas) e o comunismo libertário como organização da sociedade futura.

Além de operários, camponeses e intelectuais, a propaganda anarquista não podia deixar indiferente a juventude estudantil, sobretudo a universitária, influindo sobre a inteligência e o sentimento. O centro estudantil com mais vitalidade formou-se na Universidade de Coimbra nos anos 1910-11, em particular, na Faculdade de Direito. A seguir, muitos separaram-se do anarquismo, mas muitos outros mantiveram as posições libertárias, enfrentando corajosamente as dificuldades e perseguições dos anos sucessivos (republicanas e fascistas), alguns pagando essa fidelidade com a vida.

Naturalmente, o processo de organização dos anarquistas portugueses ressentiu-se dos acontecimentos quer interiores quer exteriores, a começar pela revolução mexicana (entre os revolucionários anarquistas mexicanos lembram-se Ricardo Flores Magón, Práxedis Guerrero e Librado Rivera).

No início de 1914, aproveitando a detenção da maioria dos militantes anarco-sindicalistas, a Federação Operária de Lisboa (de tendência reformista) tentou organizar um congresso de nível nacional. A manobra não teve êxito porque, caído o governo, muitos prisioneiros foram libertados. O congresso teve lugar em Março de 1914, e acabou por levar à aprovação dos estatutos da União Operária Nacional (UON) que começou a obrar em Lisboa e Porto, com una clara predominância dos anarquistas.

Na altura da Primeira Guerra Mundial os anarquistas lusitanos, na maioria, declaram-se publicamente contra o conflito, e alguns deles - depois da decisão do governo português de participar na guerra junto aos Aliados (isto para evitar que a Grã Bretanha, aproveitando a neutralidade portuguesa, pusesse as mãos nas colónias africanas de Portugal) escolheram a deserção. Delegados da UON em Abril/Maio de 1915 participaram no I° Congresso Mundial contra a Guerra organizado em El Ferrol (Galiza) pelo Ateneo Sindicalista (9) desta cidade galega.

Contudo, não faltaram os anarquistas que escolheram uma posição favorável aos Aliados, como os colaboradores do jornal Germinal, Emílio Costa, Bernardino Sol, Augusto Machado, etc.

Em Setembro de 1919, em lugar da UON foi constituída a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) que abrangia uniões locais e federações de sindicatos. Como secretário-geral do Comité Confederal foi eleito o anarquista Manuel Joaquim de Sousa, coadjuvado por Miguel Garcia e José Carvalhal.

Os princípios e objectivos fundamentais da CGT eram:

  • a organização federativa autónoma dos trabalhadores,
  • a luta, fora de qualquer escola política ou doutrina religiosa, pela eliminação do sistema do salário e do patronado,
  • a colectivização dos instrumentos de produção,
  • as relações solidárias com todas as centrais dos trabalhadores do mundo,
  • a eliminação do capitalismo.

O órgão de imprensa da CGT foi desde logo o famoso jornal A Batalha, mas a relações entre a confederação e o jornal não foram sempre fáceis, porque A Batalha por vezes adoptou atitudes consideradas "reformistas".

Em Maio de 1923, na Primeira Conferência Anarquista da Região Portuguesa, que teve lugar em Alenquer com a participação de 45 delegados das várias regiões do país, foi constituída a União Anarquista Portuguesa (UAP). Eram tarefas da UAP trabalhar pela reunião dos grupos anarquistas e dar impulso à actividade de organização, propaganda e acção libertária em Portugal, ficando firme a autonomia de cada grupo aderente. Um comité de 5 membros cuidava das relações, da informação, dos inquéritos e das publicações da UAP (boletins, manifestos, etc.).

A UAP estava estruturada em três federações regionais (Norte, Centro e Sul) e foi a mais integrada e coerente organização anarquista de Portugal - apesar de não englobar a totalidade do movimento anarquista - chegando a federar até 40 grupos de militantes, e foi sujeito activo na fundação da Federação Anarquista Ibérica. A sua actividade acabou em 1927, sob a ditadura.

Após uma primeira fase de indiferença e cepticismo do meio libertário, a UAP fortaleceu-se, desenvolvendo uma acção muito intensa de organização e propaganda; entrou numa estreita ligação com as organizações operárias e a actividade sindical constituiu uma esfera fundamental para todos os seus grupos e federações que - através dos militantes sindicalistas - exerceram um influxo potente em favor da acção directa com alvos revolucionários.

Além disso, a UAP teve uma influência considerável entre os intelectuais e alguns membros da classe média pelo nível da sua acção de difusão das ideias anarquistas: conferências culturais e científicas, comícios, etc. Dentro da União formaram-se (ou aderiram a UAP) também grupos exclusivamente de camponeses, ou mineiros, ou mulheres

Em 1923 em Évora teve lugar a Conferência das Organizações Operárias de Espanha e Portugal: estavam presentes, na qualidade de representantes da espanhola CNT, Ácrato Lluhl, Manuel Pérez e Sebastián Clara; e como representantes da CGT José de Silva Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa. Afirma Edgar Rodrigues que aquele acontecimento foi de importância fundamental para o anarquismo peninsular, porque do encontro nasceu o impulso de facto (se bem que não de jure) para a criação duma federação ibérica.

Em concreto, parece que Manuel de Sousa, apoiado por Pérez, propôs a formação duma entidade que unisse os anarquistas da península. Por outra parte, na sua célebre Historia de la FAI o espanhol Juan Gómez Casas ignora no total esta reunião.

Com certeza pode-se dizer que em Évora se falou dos problemas logísticos ligados à constituição dum comité sindical peninsular entre CNT e CGT, na óptica duma confederação sindical ibérica. Mas quer em Espanha quer em Portugal tudo se precipitou: em Maio de 1924 a ditadura militar de Primo de Rivera ilegalizou a CNT, dando um golpe terminal ao projecto de confederação entre as duas entidades anarco-sindicalistas.

Depois, a esperança residual foi cancelada pelo golpe militar em Portugal que mudou cabalmente a situação da CGT, declarada fora-da-lei no ano seguinte. Militantes dos dois países foram forçados ao exílio na Europa ou América Latina.

Melhor êxito teve o projecto paralelo que se movia no sentido duma federação entre as entidades anarquistas nacionais da península: este processo começou realmente em 1923, quando espanhóis e portugueses estavam dotados das suas próprias organizações nacionais: o Comité Nacional de Relaciones Anarquistas e a UAP. Em Abril de 1925 teve lugar em Barcelona o congresso clandestino dos anarquistas espanhóis, onde o representante português da UAP apresentou o pedido formal de criar uma federação anarquista ibérica. O congresso decidiu a formação duma comissão mista hispano/portuguesa com a tarefa de avaliar a possibilidade de realização da proposta.

Por causa da repressão do governo de Primo de Rivera, o Comité de Relaciones Anarquistas deslocou-se a França, onde, em Maio de 1926, em Marselha, decorreu o congresso da federação local dos anarquistas de língua espanhola, com a presença também de representantes da AIT, da Unione Sindacale Italiana-USI (Armando Borghi) e da CGT (Manuel de Sousa).

Naquela ocasião foram aprovadas: a) a constituição da Federação Anarquista Ibérica; b) a implantação transitória da sede do Comité de Coordenação da FAI em Lisboa, por causa das condições adversas para os anarquistas em Espanha; c) a atribuição ao Comité da tarefa de convocar - quando possível - um Congresso Ibérico.

O golpe de estado militar do 28 de Maio de 1926 em Portugal - que deu início ao processo político do qual nasceu a longa ditadura de Salazar - entre outras coisas anulou também o Congresso Anarquista de Lisboa, que se realizou em Valência a 25 de Julho de 1927, data de fundação da FAI geralmente aceite. Neste congresso entre os delegados portugueses participava Francisco Quintal, do Comité da UAP e director do periódico O Anarquista. Para o Secretariado do Comité Peninsular da FAI foi nomeado Germinal de Sousa (filho de Manuel), com os espanhóis Ruiz e Jiménez.

Edgar Rodrigues julga que o "silêncio" sobre a origem não apenas espanhola da FAI - entidade que os anarquistas de Espanha se inclinam a considerar "coisa deles" - pode ser atribuída a um conjunto de causas, como a obra de destruição da memória histórica e política desenvolvida por 48 anos de ditadura clerical/fascista em Portugal; a característica "atitude" espanhola relativa aos acontecimentos da revolução de 1936, os quais deram uma imagem em aparência só espanhola à FAI.

Na realidade, anarquistas portugueses participaram nas actividades da FAI (como nos plenários nacionais em 1933 e 1936) e - até quando foi possível - constituíram grupos libertários em Espanha, com participação, por exemplo, de Vivaldo Fagundes e José Rodrigues Reboredo.

* * *

Em Portugal nesse tempo, também os comunistas bolchevistas se organizavam. O anúncio da revolução russa foi recebido com muito entusiasmo pelos trabalhadores portugueses, sobretudo nos primeiros dois anos, ou seja até a começarem a chegar notícias sobre repressões sangrentas dos bolchevistas contra anarquistas e revolucionários. Em Portugal, muitos abriram os olhos, mas outros não, como afinal aconteceu noutros países europeus. Assim produziu-se uma fractura também entre os trabalhadores portugueses, pela acção dos bolchevistas locais.

Em 1919 foi publicado o periódico Bandeira Vermelha, dirigido pelo pseudo anarquista Manuel Ribeiro, e foi constituída a Federação Maximalista Portuguesa (FMP), caracterizada por uma ideologia que misturava bolchevismo, anarquismo e sindicalismo revolucionário: a sua função era preparar as bases operativas para a criação dum partido comunista em Portugal.

A FMP foi dissolvida em Dezembro de 1920, e a 6 de Março de 1921 em Lisboa constituiu-se o Partido Comunista Português (PCP). Como se vê, este partido não nasceu duma cisão no Partido Socialista (o caso mais comum na Europa), porém pela iniciativa de ex anarquistas e sindicalistas revolucionários.

O PCP tratou logo de encontrar saídas para o problema da sua penetração no interior do proletariado português organizado: o que devia pô-lo em contraposição clara e imediata com os anarquistas, particularmente dentro da CGT. Isto foi manifestado claramente por Jules Droz, delegado da III Internacional moscovita, que no seu relatório a Moscovo sobre Portugal escreveu:

"Em relação à CGT, o trabalho no seio da mesma a favor da Internacional Sindical Vermelha é feito pela minoria sindical que mantém as melhores relações com o partido e que concluiu com ele um pacto pelo qual o partido deixa à minoria sindical o cuidado de conduzir a acção no seio da CGT. Mas o partido impõe aos seus membros a obrigação de aderirem à minoria sindical. Reserva-se o direito de formar em todos os sindicatos os seus núcleos comunistas que apoiarão a acção da minoria e farão propaganda comunista. O partido é o braço direito da minoria sindical e a sua acção é muito importante para a conquista da CGT".

Em teoria, o objectivo a atingir não parecia simples - no início dos anos 20 os comunistas tinham 50 militantes em Lisboa e 20 no Porto, enquanto os aderentes à CGT eram pelo menos 100.000 no país - mas não impossível.

Em 1921 a CGT rejeitou a proposta de adesão à Internacional dos Sindicatos Vermelhos de Moscovo, apesar das pressões e manobras da minoria bolchevista dentro da Confederação. Contudo, no meio dos trabalhadores portugueses a falta de informações amplas sobre a situação real da Rússia sob domínio bolchevista tinha criado uma confusão de ideias e de posições que o PCP pôde explorar para seu benefício.

O mito da revolução russa (o qual ao longo dum século temos conhecido os resultados devastadores entre os trabalhadores, europeus e não apenas) fez com que alguns passaram do anarquismo para o PCP pelo estímulo dum entusiasmo digno de melhor causa; mas outros fizeram-no sem pensar muito, por curiosidade ou empurrados por amigos e camaradas; outros ainda por rancores ou exigências de afirmação pessoal.

Em 1924 os sindicatos do PCP renovaram, por meio dum referendo, um esforço grosseiro a favor da adesão à Internacional dos Sindicatos Vermelhos, mas o resultado foi totalmente negativo para os bolchevistas: 104 sindicatos pronunciaram-se para o não e só 6 foram favoráveis à adesão.

Em Setembro de 1925 o Congresso de Santarém da CGT confirmou a adesão, ao contrário, à anarco-sindicalista Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). A CGT ainda resistia bem, mas a sucessiva crise da República acabou por abrir o caminho à expansão do PCP no seio do proletariado português, e por derrubar a hegemonia da CGT.

(9) Em nome da UON participaram: Mário Nogueira, Manuel Joaquim de Sousa, Serafim Cardoso Lucena, António Alves Pereira, Ernesto da Costa Cardoso; e Aurélio Quintanilha em nome das Juventudes Sindicalistas.

(Continua)

“O comunismo é uma religião laica”

A 10 de Julho, a Visão publicou uma entrevista que o jornalista Francisco Galope me fizera algum tempo antes. Por razões de espaço só uma parte saiu em papel, tendo a versão integral ficado no site da revista. Aborda temas de política nacional e europeia e também algumas histórias de vida, que são consequência desta publicação ter tido acesso a umas palavras que dirigi a pessoas amigas por altura do meu 50º aniversário. Para quem se quiser entreter, aqui vai ela:

A “Directiva do Retorno”, relativa a imigrantes ilegais, é uma vergonha para a Europa do século XXI, como diz Gaspar Llamazares, da Esquerda Unida espanhola?
Sem dúvida. Que outra classificação é possível, quando ela permite a detenção de pessoas, maiores ou menores de idade, até 18 meses, sem que tenham cometido qualquer crime, que não o de lutarem pela vida?

Vem aí a Europa-fortaleza?
Ela tem sido isso. Essa uma das razões porque há tantos indocumentados. O mediterrâneo foi transformado num imenso muro e num cemitério. Esta directiva prevê o reforço dos 197 centros de detenção que já existem. Classificam-nos de “especializados”. Conheço alguns e posso afirmar que são melhores as prisões. Na ilha de Lampedusa, nem água potável tem. Não é século XXI, é século XIX…

Prometer fronteiras abertas a toda a gente (como acusa o líder do CDS-PP) seria uma alternativa de esquerda?
Antes de agitar fantasmas, a direita deveria saber que o direito à mobilidade consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, subscrita por todos os Estados. Também não lhe ficaria mal reconhecer que esta é a posição das igrejas cristãs. Porque há-de ser livre a circulação de capital e mercadorias e não a das pessoas?
De qualquer modo, a acusação não tem sentido. A Europa precisa de muitos mais imigrantes e sabe-o. O que faz é selecção. És árabe, preto e de África, não queremos. És alto, louro e licenciado, vem daí. O movimento de entradas e saídas pode e deve ser regulado, mas na base do reconhecimento do direito à mobilidade. Se em vez de uma política de selecção e expulsão, tivéssemos uma que gerisse fluxos nas duas direcções, assente em fortes políticas de cooperação e desenvolvimento, estaríamos bem melhor. E os imigrantes, também. Muitos poderiam, até, ficar nas suas terras, que ninguém parte se não precisa.

Como solução para o imbróglio criado pelo “Não” irlandês, propôs que se dê ao próximo PE poderes de natureza constituinte para esboçar um novo tratado. Pode especificar?
Candidatei-me defendendo, em alternativa ao Tratado Constitucional, um processo constituinte democrático. Recuso as catalogações fáceis. Sou favorável a pôr em comum a solução de problemas comuns, desde que as decisões sejam transparentes e fiscalizáveis e não exista Directório. O Directório é a gangrena que corrói a Europa. Defendo que, ante o impasse, é inaceitável obrigar os irlandeses a novo referendo ou reencarnar o antigo Tratado Constitucional num terceiro texto negociado como os anteriores. Só pode acabar mal. Defendo que o Conselho delegue no novo Parlamento Europeu - as eleições são já amanhã - a iniciativa de propor uma saída para a crise. Os Estados não perdem as suas prerrogativas na decisão final. Mas, por uma vez, obrigam-se a ouvir, já que este caminho devolve a palavra aos cidadãos através do voto. Transformaria as próximas eleições europeias no primeiro grande debate popular e transnacional sobre o nosso futuro colectivo. É realizável. Para isto, não é preciso nenhum novo tratado.

Também isso pode acabar mal…
Pois pode. Mas de toda a discussão afastar-se-ia a suspeita de falta de transparência e democracia, que está a envenenar a relação dos europeus com a União, tanto como as políticas que esta promove… Pior não acaba de certeza

Tem-se falado muito das eleições de 2009 e possíveis constelações de Governo. O Bloco está preparado para governar?
O Bloco está preparado para se afirmar como alternativa de governo aos governos que temos tido e em particular a este último. Parafraseando Honório Novo, como as coisas estão, temos mesmo que nos preparar para um dia governarmos. As pessoas já conhecem os resultados daqueles que pensam estarem “preparados para governar”. Venham, portanto, os que não estão, que nada se perde e algo se ganha…

O que é que Sócrates teria de aceitar para o Bloco viabilizar ou integrar um Governo minoritário do PS?
O Bloco não integrará nem apoiará nenhum governo Sócrates. Que fique claro e não restem dúvidas. É na oposição que construímos a alternativa de projecto para o país e para uma refundação democrática da Europa. Dito isto, é vital pôr uma pedra na maioria absoluta. Sócrates terá de escolher entre a reconstituição formal do bloco central e a negociação, política a política, com o que se encontra à sua esquerda. À luz do que tem feito, a primeira hipótese é mais provável do que a outra. Ou seja, quem votar PS arrisca-se a votar, também, PSD… Mas isso também dependerá de como crescerem as forças à sua esquerda. Veremos.

O Bloco tem procurado convergência com sectores da esquerda do PS. Houve aquele comício com o Manuel Alegre…
O comício foi, e é, um sinal importante no sentido de que muita gente de esquerda e muita gente independente de esquerda sente que é necessário aumentar a capacidade de resposta à esquerda do PS e que essa capacidade exige a multiplicação de espaços de diálogo. Não estamos na situação alemã em que foi possível formar um partido de esquerda plural e de ruptura com as práticas liberais da actual social-democracia. Oskar Lafontaine e Manuel Alegre não são a mesma coisa - com isto não estou a fazer qualquer valoração das personagens. Em Portugal não estamos nessa fase. Mas já estamos numa em que é possível juntar no mesmo acto público gente que pensa de maneiras muito diferentes, mas que é capaz de convergir sobre a necesssidade de dar esperança e força às pessoas e à sua capacidade de resistência. E isso é, obviamente, muito importante.

E em relação ao PCP? O Bloco e o PC juntos já somam, juntos, mais de 20% das intenções de voto. Não pode haver aí convergência à esquerda?
O Bloco e PC convergem nas críticas à política que existe, mas têm mais dificuldade em convergir sobre as políticas que respondem à crise. Por exemplo, continuam a existir opiniões muito diferentes sobre a forma de Portugal estar na Europa, sobre a própria Europa e diferenças de prática que, não sendo inultrapassáveis, são substantivas. Isso levará o seu tempo e não se resolve com passos de mágica. Espero que se resolva, um dia. Não se trata de operar cozeduras artificiais que depois não têm consistência.

Saiu há 17 anos do PCP, quase tantos quantos militou nele, por causa de divergências…
Fui do PCP apesar da União Soviética e não por causa da União Soviética. Era muito crítico do “socialismo real”, das experiências do socialismo de Leste. Sempre foram conhecidas as minhas opiniões sobre a invasão da Checoslováquia, por exemplo. No PC, como provavelmente no Bloco, nunca fui o que se pudesse chamar um militante ortodoxo, embora tivesse tido os meus períodos de ortodoxia. No PC, sempre defendi o que achei dever dizer e nunca ninguém me calou o bico por isso. Mas também, verdade seja dita, nunca me ligaram mais por causa disso…

O que aconteceu?
Quando começaram os movimentos críticos do PC, estive neles para renovar ou refundar o comunismo. E houve um certo momento, que coincidiu com o golpe de Moscovo [1991], onde a posição tomada pela direcção do partido estava para lá de tudo o que me parecia razoável. Na sequência, o comité central decidiu expulsar os quatro que estiveram na mesa [de uma assembleia de críticos, entre eles Barros Moura] e não os que estavam na plateia. Foi como um dobre de finados, não só por causa da lógica de irradiação subjacente, mas, principalmente, pela tentativa de separar os que estavam na mesa dos outros, como se estes tivessem ido ao engano. Com 18 anos de militância, achei que chegara o momento de escrever uma carta de adeus a dizer: “até à próxima curva”. E cá estamos nas próximas curvas…

Ainda é comunista?
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In Sem Muros