domingo, abril 29, 2012


Homenagem a Miguel Portas encheu o São Luiz

"Para o caso de isto correr mal", escreveu Miguel Portas ao escolher o Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa, para juntar amigos e família. O espaço foi pequeno e as portas da Sala Principal também se abriram para mais de mil pessoas assistirem às intervenções, músicas e imagens que evocaram a memória de um "sonhador incorrigível".
A sessão evocativa que Miguel Portas desejou em vida juntou cerca de mil pessoas ao longo da tarde de domingo. Com as imagens da sessão a serem projetadas numa tela do teatro, foi com a sua versão de "Traz um Amigo Também" que Mário Laginha abriu o programa desta homenagem. Os outros momentos musicais  da tarde foram interpretados por Aldina Duarte, Tito Paris, Khalil Ensemble e Xana. Rita Blanco leu algumas passagens do livro "Périplo", acompanhada da projeção de fotografias desse roteiro de Miguel Portas pelos países do sul do Mediterrâneo para o documentário com o mesmo nome.
Marisa Matias, a eurodeputada do Bloco que o acompanhou durante o mandato, fez a primeira intervenção, lembrando Miguel Portas como "um sonhador absolutamente incorrigível" para quem "a política não era outra coisa senão as pessoas". Ruben de Carvalho referiu-se à música de abertura da sessão para dizer que  trazer outro amigo "foi o que o Miguel fez toda a vida", recordando os quarenta anos de amizade e os muitos desacordos que também a foram construindo. Também António Costa lembrou a amizade antiga que mantinha com Miguel Portas e destacou a "personalidade transbordante de energia e criatividade, sempre em inevitável tensão com os limites inerentes às organizações em que militante e disciplinadamente se procurava enquadrar".
Os dirigentes bloquistas João Semedo e Francisco Louçã também intervieram na sessão, com o primeiro a destacar "o impulso da sua iniciativa solidária e generosa" que o fazia combater "sempre pelos de baixo". Louçã destacou o amor e "o romantismo de procurar os outros, de aprender com os outros" em todas as alturas da vida. "O romantismo de escolher e acreditar, arriscar e perder, arriscar e lutar", sublinhou Louçã, recordando o fundador do Bloco falecido a 24 de abril. Entre as duas intervenções, foi projetado o filme "O Miguel no Bloco", que regista algumas das intervenções mais marcantes do dirigente político e eurodeputado.
As intervenções da família couberam a Paulo Portas e aos filhos Frederico e André. "Adorávamo-nos para além de todas as diferenças, eu diria até um pouco mais, adorávamo-nos também por causa das nossas diferenças", disse Paulo Portas, numa intervenção emocionada. Os filhos de Miguel Portas, com 15 e 17 anos,  recordaram o pai como um exemplo a seguir. "Em 1999 disse a uma revista ‘sou mau pai, mas hei de ser bom'. Remediou-se", disse André Portas, despertando risos na plateia.
Esquerda.net

Entrevista

Miguel Portas na primeira pessoa

Numa entrevista publicada na VISÃO, em Julho de 2008, Miguel Portas falava de política. Mas também se expunha, falando de si e do que lhe ia na alma. Leia a VERSÃO INTEGRAL da entrevista e VEJA O VÍDEO COM FOTOS E EXCERTOS

Francisco Galope

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"O comunismo é uma grande religião"

"Gente que não soube fazer outra coisa se não da política uma carreira, é gente que jamais perceberá porque é que a política é necessária a outros e não apenas a eles próprios". Foram palavras de Miguel Portas, numa entrevista, marcada para uma tarde de sexta de maio de 2008 e que terminou já com a sala, virada a sul, a receber os últimos raios de sol do dia. Portas comemorara, dias antes, o seu 50.º aniversário, celebrado no primeiro dia daquele mês. Uma data que, aliás, lhe assentou como uma luva.O jornalista emprestado à política para uma comissão de serviço falou de política, oposição renhida que, em Bruxelas, fazia a uma Europa fortaleza que transformou o Mediterrâneo, o seu Mediterrâneo num muro intransponível e num imenso cemitério. Contou a história da boleia que apanhou para França e refletiu sobre religião, sobre o marxismo e sobre a vida em geral. Eis o registo de uma conversa que deixou saudades.
A "Directiva do Retorno", relativa a imigrantes ilegais, é uma vergonha para a Europa do século XXI, como diz Gaspar Llamazares, da Esquerda Unida espanhola?
Sem dúvida. Que outra classificação é possível, quando ela permite a detenção de pessoas, maiores ou menores de idade, até 18 meses, sem que tenham cometido qualquer crime, que não o de lutarem pela vida?

Vem aí a Europa-fortaleza?
Ela tem sido isso. Essa uma das razões porque há tantos indocumentados. O mediterrâneo foi transformado num imenso muro e num cemitério. Esta directiva prevê o reforço dos 197 centros de detenção que já existem. Classificam-nos de "especializados". Conheço alguns e posso afirmar que são melhores as prisões. Na ilha de Lampedusa, nem água potável tem. Não é século XXI, é século XIX...
Prometer fronteiras abertas a toda a gente, como acusa o líder do CDS-PP, seria uma alternativa de esquerda?
Antes de agitar fantasmas, a direita deveria saber que o direito à mobilidade está na Declaração Universal dos Direitos do Homem, subscrita por todos os Estados. Também não lhe ficaria mal reconhecer que esta é a posição das igrejas cristãs. Porque há de ser livre a circulação de capital e mercadorias e não a das pessoas? De qualquer modo, a acusação não tem sentido. A Europa precisa de muitos mais imigrantes e sabe-o. O que faz é seleção. És árabe, preto e de África, não queremos. És alto, louro e licenciado, vem daí. O movimento de entradas e saídas pode e deve ser regulado, mas na base do reconhecimento do direito à mobilidade. Se, em vez de uma política de seleção e expulsão, tivéssemos uma que gerisse fluxos nas duas direções, assente em fortes políticas de cooperação e desenvolvimento, estaríamos bem melhor. E os imigrantes, também. Muitos poderiam, até, ficar nas suas terras, que ninguém parte se não precisa.    
O Bloco está preparado para governar?
O Bloco está preparado para se afirmar como alternativa de governo aos governos que temos tido e em particular a este último. Parafraseando Honório Novo, como as coisas estão, temos mesmo que nos preparar para um dia governarmos. As pessoas já conhecem os resultados daqueles que pensam estarem "preparados para governar". Venham, portanto, os que não estão, que nada se perde e algo se ganha...
E a relação do Bloco com o PCP. Pode haver convergência à esquerda?
O Bloco e PC convergem nas críticas à política que existe, mas têm mais dificuldade em convergir sobre as políticas que respondem à crise. Por exemplo, continuam a existir opiniões muito diferentes sobre a forma de Portugal estar na Europa, sobre a própria Europa e diferenças de prática que não sendo inultrapassáveis, são substantivas. Isso levará o seu tempo e não se resolve com passos de mágica. Espero que se resolva, um dia. Não se trata de operar cozeduras artificiais que depois não têm consistência.  
Saiu há 17 anos do PCP [esta entrevista foi conduzida em Maio de 2008], quase tantos quantos militou nele, por causa de divergências...
Sempre fui do Partido Comunista Português, apesar da União Soviética e não por causa da União Soviética. Era uma pessoa muito crítica do socialismo real e das experiências do socialismo de Leste. Sempre foram conhecidas as minhas opiniões sobre a invasão da Checoslováquia, por exemplo. No PC, como provavelmente no Bloco, nunca fui o que se pudesse chamar um militante ortodoxo, embora tivesse tido os meus períodos de ortodoxia. Dentro do PC, sempre defendi o que achei que devia defender e nunca ninguém me calou o bico por causa disso. Mas também, verdade seja dita, numa me ligaram mais por causa disso.
O que aconteceu?
Quando começaram os movimentos críticos do PC, estive nesses movimentos, para tentar renovar ou refundar o comunismo. E houve um certo momento, que coincidiu com o golpe de Moscovo [1991], onde a posição tomada que a direção do PC toma estava para lá de tudo o que me parecia razoável. Depois, o comité central decidiu expulsar os quatro que estiveram na mesa [de uma assembleia de críticos, entre eles Barros Moura] e não os que estavam na plateia. Isso suou-me como um dobre de finados, não só por causa da lógica de irradiação subjacente, mas, principalmente, pela tentativa de separar os que estavam na mesa dos outros, como se estes tivessem ido ao engano. Com 18 anos de militância, achei que chegara o momento de escrever uma carta de adeus a dizer: "até à próxima curva". E cá estamos nas próximas curvas...
Ainda é comunista?
Sou comunista no sentido de que continuo a pensar que é possível ao homem, construir uma sociedade de abundância em que o Estado seja dispensável e em que a sociedade seja capaz de se organizar e de se auto-administrar, distribuindo essa abundância de forma igualitária para que cada um possa seguir os seus caminhos ao longo da vida sem atropelar o próximo. É essa a ideia de que é possível um outro mundo assente, não na propriedade, na posse ou no que se tem, mas no que se pode ser, que preside ao comunismo e, também, ao anarquismo, bem como a todas as utopias passadas. Podemos ir a Thomas More, Campanela e boa parte do cristianismo primitivo. E muito antiga. Ela teve no século XIX e no século XX uma expressão e um nome. E terá, no futuro, outros nomes.
Nos dias de hoje há, portanto, lugar para as utopias.
Preciso dessa dimensão utópica, para que as propostas que tenho para os nossos dias não sejam apenas propostas para melhorar o que tenho hoje. Mas que sejam propostas que possam mudar o sentido da política e levar as pessoas a participarem na construção de valores que possam ajudar a construir uma sociedade assente em valores diferentes dos atuais. O nome que damos a essa sociedade preocupa-me pouco. Não é nada que me tire o sono. Não penso é que as utopias justifiquem o que se fez em nome delas. Aprendi-o com a minha própria construção crítica no comunismo e no marxismo. Penso que o modo como atuamos hoje define muito mais o onde chegamos e o que somos do que o "amanhã que lá canta".
Isso soa um bocado reformista...
A polémica sobre reforma e revolução está em larga medida ultrapassada. Não conheço, hoje, nenhum revolucionário que não lute por boas reformas. Estamos numa situação de tal regressão imposta pelo triunfo das políticas neo-liberais em que as reformas pelas quais a social-democracia se bateu no princípio do século XX - em matéria de trabalho, Estado social e direitos etc. - adquirem quase que uma dimensão revolucionária. Portanto, infletir o sentido da política é dizer que é possível um Estado capaz de redistribuir a riqueza e não a pobreza. É dizer que possível reinventar o valor do trabalho e dar-lhe dignidade. É sustentar que é possível uma sociedade onde a coesão da comunidade consegue coexistir com a liberdade de escolha individual.
Isto é um programa socialista! E como se luta por um programa socialista?
Com todos os instrumentos que temos ao dispor num contexto concreto e preciso. As manifestações, por exemplo. Queremos liberdades, exercemo-las; queremos organização comunitária, procuramos organizar comunidades (sejam de trabalhadores, de estudantes, de habitantes); queremos mudar a política, batemo-nos nas eleições para fazer crescer essas ideias. O que é que não tem sentido é pegar em armas. Mas nem sempre foi comunista. Já foi católico.
Aos 12 anos fugiu de casa para ir à missa...
Não fugi de casa. Digamos que decidi ficar em casa porque queria ir à missa. Era um miúdo bastante católico e gostava particularmente das missas da Igreja de Santa Isabel, que, na altura, tinham música e canto. E, portanto, resolvi ir à missa sem autorização da minha mãe que me tinha deixado em casa. Bastante mais sensata que eu, achava que se eu quisesse ir à missa, iria depois de ela voltar da praia.
E deixou um recado à mãe... Deixei um bilhetinho. Não será dos bilhetes que mais me orgulho ao longo da vida. Mas lá que lho deixei, deixei.
E o que dizia? Que entre a minha mãe e Deus, escolhia Deus. Enfim, muitas vezes os filhos dizem às mães coisas que não devem e essa foi seguramente uma delas [Risos].
E, pouco depois, quando desperta para a política, decide sair do colégio São João de Brito, dos jesuítas?
Sim. Essa saída prende-se já com o nível de politização em que eu estava.
E isso foi com que idade?
Foi na passagem do ensino preparatório para o liceu. Teria uns 12 anos. Disse à minha mãe, que era com quem eu vivia na altura, que queria ir para o Passos Manuel, um liceu público e um dos poucos que não era de meninos ricos. As pessoas hoje já não se lembram, mas, na altura, o ensino secundário ainda bastante elitista. A esmagadora maioria dos miúdos com a minha idade não passava da primária ou do preparatório.
E, depois, foi expulso do Passos Manuel...
Fui suspenso primeiro, porque tinha de ser. A professora não podia fazer outra coisa. Não havia alternativa.
Como é que isso aconteceu?
A professora de Português achou por bem que a turma podia ter o seu jornal de parede. E esses jornais de parede, tinham coisas interessantes e coisas menos interessantes. Dependia do que os alunos queriam escrever. E eu terei escrito uma redação sobre o 1º. de Maio, que a professora não podia ter deixado passar. E eu fui indelicado com ela - e, agora, estou a ser parcimonioso com o que lhe terei dito. Portanto, ela teve de fazer a participação e apanhei uma suspensão de dois dias. Muitos anos depois, já no Bloco de Esquerda, vim a encontrá-la numa sessão, em Oeiras, em que ela me quis dar um abraço. Nem do meu lado nem do dela ficou qualquer sentimento de injustiça. À custa de dois dias de suspensão, comprovei que o fascismo não permitia a liberdade de expressão. Fui, de facto, aconselhado a mudar de liceu no ano seguinte.  
Para onde foi a seguir?
Para o Pedro Nunes, que apesar de ser perto de casa, era um liceu de estatuto social mais elevado. Aí apanhei um mau a comportamento e mais uma suspensão. O mau veio na sequência de uma greve de silêncio que eu e outro colega tínhamos dinamizado na turma contra dois professores. Ambos apanhámos mau. Ele foi imediatamente expulso.
E o Miguel não foi?
Não. A minha mãe resolveu exercer alguma influência sobre o reitor. Coisa, que aliás, deu alguma irritação minha. Tive uma dificuldade enorme em aceitar essa atitude da minha mãe. Depois apanhei mais uma suspensão, mas essa sem qualquer tipo de justificação. E acabei por voltar ao Passos Manuel, onde sou apanhado no 25 de Abril. Nunca tive chumbos mas tive de andar a mudar de Liceu em Liceu.  
E leituras nessa época? Lia o que os outros miúdos liam, aventuras e essas coisas?
Suspeito que me pus a ler Marx, quando devia andar a ler a Enid Blyton [Risos]. Desde muito cedo me meti em leituras - que, para ser inteiramente franco, não estaria em idade de poder compreender plenamente. Essas leituras começam à volta dos temas da fé.Lembro-me perfeitamente de ter lido, com uns 12 anos, o Porque não sou Cristão do Bertrand Russel, por exemplo. Depois faço um conjunto bastante alargado de leituras marxistas. Isso tinha a ver com a necessidade que eu sentia de tentar perceber o mundo, a mim mesmo e a mutação pela qual estava a passar: do catolicismo para o cristianismo e deste para o marxismo.
E essa transição foi natural?
Foi uma transição regrada pela dupla vontade de perceber as coisas e uma busca de verdade e de coerência pela qual passaram muitas pessoas. Muitos vieram ao marxismo a partir de crises de fé ou convicção de natureza religiosa. Tive uma relação com o comunismo que foi, durante muitos anos, marcada por aquilo a que se poderia chamar a fé.
Aos 15 anos começou a militar na União de Estudantes Comunistas (UEC) e esse activismo levou-o a ser preso pela Pide.
Foi uma detenção - não gosto de aplicar a palavra prisão. Em dezembro de 1973, estávamos 150 estudantes do ensino secundário reunidos numa assembleia de estudantes na Faculdade de Medicina, no Hospital de Santa Maria, na sala 7 de Maio. O hospital foi cercado pela polícia e fomos todos dentro. Primeiro para a António Maria Cardoso, depois para o governo civil. Os mais velhos, que já tinham idade, ainda foram dar com os costados uma ou duas semanas a Caxias. Essa detenção teve, apesar de tudo, vários significados.
Quais?
No dia seguinte, por exemplo, os estudantes do padre António Vieira fizeram a sua primeira manifestação de rua, em solidariedade com os detidos. Ao mesmo tempo, a detenção irritou franjas e setores do próprio regime. Alguns dos detidos eram oriundos de boas famílias e essas famílias não gostaram de ver os filhos detidos e, principalmente, de os verem chegar a casa de cabelo rapado [a polícia rapou o cabelo aos rapazes]. Tal como não gostaram de ver as filhas metidas em celas com detidas de delito comum. E, portanto, equiparadas a prostitutas ou ladras. Na altura, isso foi complicado para o próprio regime. Mas era o regime já no seu estertor.
Depois foi viver com o pai. A dada altura, diz que ele lhe pagou, mais do que os estudos, a militância - uma espécie de "imposto revolucionário".
Foi outra graça com uma parte substantiva de verdade. Pertenço a uma geração que, estando ainda nos liceus, dividia o seu tempo entre o que tinha de ser - o estudo (estava obrigado a passar de ano) - e o que era uma vida de ativista associativo e estudantil bastante intensa. Frequentei a universidade ao mesmo tempo que trabalhava, pelo menos parte do tempo (a outra parte foi a fazer a tropa). Mas a verdade é que o meu pai acabou por financiar, de uma maneira ou de outra, alguma da minha atividade militante. E, quando perdi um ano, ele aí disse que eu estava a exagerar. E tinha toda a razão. Entretanto, meteu-se a tropa e demorei "dois planos quinquenais" a tirar o curso de economia [que terminou em 1986], entre estudos, trabalho e, também, vida de dirigente associativo.
O interesse precoce pela política teve a ver com as tais missas?
Indiretamente. Era miúdo e sempre gostei muito de História. Tinha uma família que, para todos os efeitos, era uma família de oposição. Dentro de casa falava-se e criticava-se abertamente o regime e falava-se dos assuntos da vida de uma maneira mais aberta do que, seguramente, na maioria das casas. E também porque, muito novo, comecei a ter atividades do tipo associativo... amigo puxa amigo, amigos puxam ideias e ideias puxam ideias...
Como é que o avô paterno, que foi chefe da União Nacional [UN, partido único salazarista] em Évora, viu isso?
Creio que o problema dele não era com os netos [Risos]. O meu avô sabia perfeitamente que os filhos eram da oposição. Todos eles, aliás. Não me lembro de ter tido choques com o meu avô a propósito disso, mesmo nos períodos mais quentes.
Nos últimos tempos tem aflorado a questões religiosas com alguma regularidade. Isso tem a ver com as idas frequentes à Terra Santa? Há aí alguma redescoberta da religiosidade?
Quando faço a rutura com a religião, deixo de me preocupar com ela. Era um materialista, e ainda hoje o sou. E tinha arquivado, digamos assim, a religião nas gavetas do esquecimento. É, muito mais tarde, quando começo a fazer documentários para televisão, em particular quando vou parar ao Iémen e à Etiópia, em finais dos anos 90, que me confronto com a força do fenómeno religioso na vida das pessoas, numa escala completamente diferente da que pode existir num meio conservador no interior de Portugal. Nessa altura tive de começar a ler não tanto sobre o cristianismo, mas sobre o Islão - um mundo que me era completamente estranho. A religião entrou nesta vontade de conhecer o mundo islâmico. E, desde então, nunca mais deixei de ler e de refletir sobre o fenómeno religioso. Acho que é a mais espantosa invenção humana.
E porquê?
Porque podemos discutir até ao fim da vida se Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E creio que nunca encontraremos outra resposta que não a que decorre da fé íntima de cada um. Agora há uma coisa em que um religioso e um não religioso se podem pôr inteiramente de acordo. 
É ateu?
Sou ateu, mas não me ocorre fazer campanha para retirar a fé às pessoas. Sou-o no sentido de não precisar da figura de Deus para procurar ser reto ou acertado na vida que levo. Se precisasse, provavelmente, teria uma fé. As pessoas com religião relacionam-se com Deus das mais variadas formas. No fundo, sentem que precisam dessa transcendência - ou desse além - para se compreenderam a si e na sua relação com os outros.
Quando transita do cristianismo para o comunismo, sente que houve a substituição de uma coisa por outra?
Há uma certa dimensão de substituição. E ainda hoje estou convencido que o comunismo é uma grande religião laica.
Como assim?
O comunismo é uma realidade social e cultural muito marcante do século XX, em muitos países, porque não é só um fenómeno político. Há uma dimensão de crença que se mistura com esperança. Mas o que é crença nuns, é esperança noutros e mistura-se com o que a religião foi, ao longo do tempo: uma estrutura hierárquica com um conjunto de ritos e práticas que consagram a própria doutrinas. Olhe para a festa do Avante. Tem características de encontro entre o mundo rural e o mundo urbano que não têm apenas a ver com a tradição do comunismo, mas com tradições agrárias muito mais antigas e com ritos de encontro que não se explicam pela política. Explicam-se por fatores de natureza antropológica que cavam muito fundo nas sociedades humanas. Não foi só o cristianismo que transformou os deuses pagãos em Santos. O comunismo também tem os seus padres, os seus papas. Até os seus Santos. O Marx, o Lenine, o Engels que são se não santos? Do que é que o comunismo é filho se não das grandes tradições do monoteísmo, das mundividências e das grandes esperanças. O comunismo é um produto moderno de uma história muito antiga, da história da luta contra as injustiças.
Pega-se com o seu irmão Paulo nos encontros de família, por exemplo? Discutem política?
Falamos de política quando nos encontramos, o que não acontece assim, tantas vezes. Apesar de tudo, isto é uma família menos "anormal" do que parece. Quando nos encontramos falamos de várias coisas, podemos falar ocasionalmente de política. Evidentemente não procuramos convencer um ao outro. Não faço proselitismo com o meu irmão. E ele também não faz comigo. Não o procuro convencer do erro das suas ideias [Risos], como ele não faz o mesmo comigo. Não vale a pena.
Os seus filhos são de esquerda ou de direita se é que já descobriram?
Um dia descobrirão o que são. Desde que não queiram ter sucesso à custa do vizinho ou saltando por cima dele ou esmagando-o, serão o que muito bem entenderem. Essa é a última das minhas preocupações. Nessa matéria não estou nada preocupado com eles. Com o serem tipos decentes estou, mas nisso as coisas estão bem encaminhadas. [Risos]
Isso apesar de não se considerar a si próprio um grande pai...
Nunca fui. Com este tipo de vida como é que se pode ser um grande pai? Não é fácil. O Bloco tem 10 anos. E os meus filhos têm 12 e 14. Para os seus principais dirigentes, o Bloco tem representado inevitavelmente um enorme consumo do tempo útil de vida. Hoje representamos uma garantia de esperança que temos a obrigação de não hipotecar. É evidente que isto teve sempre algum preço familiar. Mas eles gostam muito de mim, o que apesar de tudo é gratificante [Risos].
Prometeu-lhes que iria deixar de fumar...
Chegará o dia. Chegará o dia... mas não o anuncio. Só os primeiros-ministros é que parecem gostar de anunciar essas coisas [Risos] Havia promessas mais importantes para cumprir. Já deixei de fumar duas vezes. Há terceira será de vez... Mas o seu maior vício é viajar.
Quando é que começou?
Muito novo. Creio que tinha uns 16 ou 17 anos quando fiz a minha primeira viagem para França. À boleia. Aliás, num carro funerário. [Risos]
Conte lá.
[Risos] Lembro-me perfeitamente: naquele tempo andava-se à boleia. Tinha ficado em Coimbra e daí fui para Vilar Formoso. E aí tinha de tentar apanhar uma boleia que me permitisse chegar diretamente a França, porque, em Espanha, sempre foi muito difícil apanhar boleias. Cheguei a Vilar Formoso, já relativamente atrasado - aí pelas duas da tarde. E só com muita sorte conseguira arranjar boleia até França. Já estava desesperado, porque em Vilar Formoso não havia nada a não ser a fronteira. Teria de voltar para trás para começar no dia seguinte. Eis que me aparece um carro funerário de uma empresa que, por causa dos trabalhadores portugueses que morriam na construção civil em França, fazia um vai-vem Norte de Portugal-Paris, três vezes por semana. Portanto, fui com um gato pingado. Lembro-me de ter feito Vilar Formoso-Paris em 18 horas - o que para a altura era sempre com o pé no acelerador e com um caixão vazio, porque a viagem era de cá para lá, o que mesmo assim não me tranquilizava muito. Mas, enfim, lá se fez a viagem. De resto viajei sempre bastante, ou à boleia ou de Interrail. Depois disso nunca mais parei.
Diz ser um jornalista em comissão de serviço na política?
Não tenciono estar na política a tempo inteiro toda a vida. Tenciono fazer outras coisas tão ou mais importantes do que estas, desde que igualmente úteis às pessoas. De facto, para mim, a política é uma comissão de serviço. Das coisas que mais me faz confusão é aparecerem-me pessoas a perguntar como é que podem fazer carreira política. É uma pergunta tão extraordinária que tenho dificuldade de encontrar uma resposta. Depois vemos de que massa são feitas a maioria dos políticos que aí temos - os que mandam dentro da alternância - e nunca fizeram outra coisa a não ser política. Isso é simplesmente pavoroso. Gente que não soube fazer outra coisa se não da política uma carreira, é gente que jamais perceberá porque é que a política é necessária a outros e não apenas a eles próprios. Isso faz-me espécie, como diria o outro.

Ler mais: http://visao.sapo.pt/miguel-portas-na-primeira-pessoa=f519860#ixzz1tNanO5jA

Sentida homenagem a Miguel Portas

Várias centenas de pessoas formaram uma fila com mais de 200 metros à porta do Palácio Galveias, em Lisboa, para homenagear o eurodeputado Miguel Portas. No domingo terá lugar a sessão evocativa no Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz, com início às 14h30.
Francisco Louçã cumprimenta Helena Sacadura Cabral durante as cerimónias fúnebres do eurodeputado Miguel Portas – Foto de Miguel A. Lopes/Lusa
Neste sábado, entre as 15 e as 19 horas, realizou-se o velório do eurodeputado Miguel Portas, no Palácio Galveias, em Lisboa.
Junto à urna, recebiam as condolências os pais do eurodeputado, Helena Sacadura Cabral e Nuno Portas, e os dirigentes do Bloco de Esquerda Francisco Louçã, Luís Fazenda, João Semedo, José Manuel Pureza e Marisa Matias.
Os três ex-presidentes da República (Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes) e o atual primeiro ministro associaram-se à homenagem, comparecendo no velório, assim como muitas outras personalidades da cultura e de vários quadrantes políticos.
Segundo a agência Lusa, o presidente da associação 25 de Abril e um dos militares que fez a revolução, Vasco Lourenço, disse ter ido despedir-se de “um amigo e democrata”, cuja morte deixa “Portugal e o [espírito do] 25 de abril mais pobres”.
Esquerda.net

sábado, abril 28, 2012

A política ou a vida, por Miguel Portas

Na rua, em 1999.
A 15 de Maio conheci o Tibúrcio. Ele cometeu um dos crimes mais odiosos que conheço – violou uma rapariga. Por causa disso apanhou sete anos. Faltam-lhe agora dois para sair. O Tibúrcio é angolano e tem, aliás, ordem de expulsão do país quando expirar a pena. Conheci-o na penitenciária de Coimbra, uma cadeia antiga onde as alas dos reclusos convergem num hexágono central. Ele foi um dos que me chamou por trás das grades. Naquela prisão, onde moram algumas das penas mais pesadas do país, a juventude e os cabelos rasta daquele detido eram singulares. Mais rara é, contudo, a sua história. O Tibúrcio é seropositivo, tem os dias contados. A meio da pena solicitou ao Tribunal autorização para ir morrer na sua terra. A direcção da penitenciária atestou o comportamento exemplar do detido e sustentou o pedido. Mas um Juiz indeferiu. Com cinco anos de grades, o prisioneiro continua a pensar que tem direito a escolher o lugar dos seus últimos dias. Quer morrer junto da família. O obstáculo é um «justiceiro» Num país com pena de morte, aquele juiz negaria ao condenado até o direito a um último cigarro. Este caso podia ter-me surgido no desempenho da profissão de jornalista. Mas foi como candidato às Europeias que me confronteí com ele. É diferente? É e não é. Como jornalista teria denunciado o caso e arriscaria mesmo um comentário sobre a Justiça que temos, tantas vezes desumana, exactamente porque feita por homens e mulheres concretos. Como político denunciei a situação à saída da Penitenciária, ou seja, cumpri o meu papel para os jornalistas... Mas a história ficou-me atravessada. Apeteceu-me abrir desalmadamente a voz contra as polémicas institucionais à volta da Justiça, as que enchem as cabeças de advogados, Ministério Público e juízes. Como elas são risíveis em face dos dramas humanos! Depois contive-me, porque a demagogia espreitava por detrás da verdade anterior.
O que ficou da desgraçada infelicidade do Tibúrcio? A convicção reforçada de que a vida e a política divergem a cada dia que passa, que as polémicas à volta dos poderes deixaram de ter como alvo os problemas reais e se concentram sobre o próprio exercício desses poderes. A política que existe e' autista, alimenta-se de si mesma. É possível fizer diferente?
É essa a aposta que gostaria de ver no Bloco de Esquerda. Mas é verdade que a política que vem ainda sabe pouco como fazer e, mais difícil ainda, só o poderá descobrir experimentando.
Cheguei à praia da Leirosa, perto da Figueira da Foz, pelas quatro da tarde, no exacto dia em que a greve dos pescadores do arrasto fazia 60 dias. No dia anterior Pacheco Pereira havia saboreado o cheiro a maresia, algures para Matosinhos e o meu irmão ainda não tinha tido a peregrina ideia de dizer que, além de lavrador, também era pescador...
Eu ia para um pequeno encontro com duas dezenas de grevistas. Afinal, no armazém que servia também de pequeno bar da aldeia, estavam uns 50. Falei pouco. Falo sempre pouco quando quero ouvir. Eles é que falaram. Falaram e exaltaram-se e enraiveceram-se. Explicaram que quando não saem para o mar o seu salário é de 25 contos e qualquer coisa, que a sua margem sobre o pescado não e' revista vai para 30 anos e, principalmente, que os armadores haviam tido a desfaçatez de lhes oferecer os aumentos exigidos à custa da redução dos descontos patronais para a segurança social. Isto já eu sabia. Não sabia era de outras coisas bem mais importantes. Aqueles homens, rudes por defeito e feitio, tinham uma «password» obrigatória - não queremos ser portugueses de segunda. Senti naquela tarde que a greve já não era por aumentos salariais. Era uma greve pela dignidade. Foi na Leirosa que pela segunda vez alguém me forçava a regressar à vida como princípio e fim de qualquer nova política. Por dignidade aquela gente aguentava-se há 60 dias sem paga ou trabalho, fiando-se uns aos outros. A greve do arrasto foi a realidade mais dura com que me confrontei na campanha eleitoral. No final do encontro, discutiu-se a atitude de um pescador presente: deveria ele embarcar num barco que o mestre garantia ir apenas da Leirosa até Aveiro, quando a intenção real do armador era fazê-lo sair de um lugar onde a greve decorria a 100 por cento, para um porto muito maior, onde já haviam «furado» quatro embarcações? O homem não sabia onde se meter. Queria embarcar e não queria trair.
Aquela greve confrontou as pessoas com os seus limites e, diga-se em abono da verdade, os piquetes de greve foram tudo menos mansos.
No final do século XX, aquela foi uma greve do século XIX. A questão está em saber se a queremos para o século XXI. Se o Estado pode ficar impávido ante um conflito que opõe pescadores sem saída a armadores bárbaros, alegremente financiados pela União Europeia para abates de frota e reconversão das sobras, e dotados, por isso, de um poder de resistência à greve muito superior aos de baixo. Nunca mais deixei de falar naqueles pescadores. Mas, para o público do Bloco de Esquerda, devo ter falado de modo bem estranho. Muitos «bloquistas» são gente de forte formação ideológica, pessoas que vibram com o facto de os pescadores estarem a levar por diante a mais longa greve dos últimos 20 anos em Portugal. Imaginem, por isso, intervenções onde eu explicava que aqueles homens apenas pretendiam regressar ao trabalho mas de cabeça erguida, sem terem sido vergados. Quem entendia? Os que sabem na pele quanto custa uma greve e os que sabem que as grandes lutas se fazem com pessoas normais e não com heróis. O futuro de uma nova política à esquerda tem tudo a ver com o regresso às fundações do humanismo. É por aqui, e não tanto pela imposição de representações deformadas da realidade, que a esquerda que vem de longe poderá ir para longe.
À entrada do primeiro hangar, o das prensas, deram-nos óculos e auriculares. O responsável de produção ia explicando o que os nossos olhos viam. Enormes sistemas robotizados, insonorizados, transformavam as chapas em chassis; tectos, «capots» e portas ao toque de botão de um ou outro operário. Depois, cada peça era passada à primeira linha de montagem. Sob carris, outros robots juntam-nas e perfuram-nas A imagem que vem à memória é a dos filmes de ficção científica de James Cameron. Nos hangares, o chão está impecavelmente limpo, praticamente não se vêem sobresselentes e os operários trabalham em grupo. Basicamente, eles preparam as coisas para que as máquinas trabalhem sem descanso. No último dos hangares, tudo se complica.
A mesma carroçaria dá para quatro marcas de automóvel e aí para umas trinta variantes, da cor ao tipo de motor, ao airbag, aos estofos ou ao ar condicionado. A cadência acelera porque cada veículo, que continua sob Carris, já não pára até estar pronto. Ali, cada grupo de perários tem a sua sala de reuniões a dois ou três metros do local onde trabalha e quando alguém precisa de WC é ele, sob a forma de cabine, que desce do tecto ao seu encontro. A fábrica cospe uma nova viatura de 90 em 90 segundos. Candidato que se preze tem de visitar a Auto-Europa, a fábrica modelo da nossa modernidade, que pesa 2,8% no PIB nacional e gera 12% das exportações. Aqueles 4 mil trabalhadores, do porteiro ao director fardados por igual, valem o seu peso em ouro. Confesso que o meu interesse na visita era um pouco egoísta. Queria ver o pós-fordismo ao vivo. Seria muito diferente do Chaplin dos Tempos Modernos, saindo da fábrica ainda aparafusando porcas imaginárias? É e não é. É, porque o trabalho mais duro é feito agora por robots. É, porque a segurança e a higiene são incomparavelmente maiores. E é, porque o trabalho na cadeia de montagem já não dispensa a inteligência, é o próprio grupo que estabelece em cada momento as funções de cada operário. E não e'. Afinal, o salário que antes pagava apenas a força de braços, paga hoje, pelo mesmo preço, o braço e a cabeça. E conquistas tão importantes para as famílias, como o descanso ao sábado e ao domingo, podem hoje ser postos em causa pela produção «just in time». Ali trabalha-se em «flextime». O almoço com a Comissão de Trabalhadores (CT) foi muito instrutivo. Os operários têm, em média, 23 anos. O seu universo mental não tem nada a ver com amigos que tenho, por exemplo, numa Setenave. Da Auto-Europa saem 30 trabalhadores por mês. Devido às cadências, seguramente. Mas também porque entre os mais novos o horizonte de vida não se esgota na fábrica. Alguns saem para comprar uma boa cilindrada depois de alguns meses de poupança. Heresias? Não sei. Apenas sei que o panfleto do Bloco de Esquerda sobre trabalho, que tão bem funcionou em fábricas de contratados a prazo, não podia ali ser distribuído. Na fábrica do próximo século ele é tão inútil como entre os tele-trabalhadores, e estes já são mais de 100 mil no nosso país.
Uma vez mais, o que está em causa é o regresso à realidade. Classes operárias há muitas. Há a dos pescadores do arrasto que, apesar da coragem de60 dias de greve, pensavam boicotar as eleições para furar o bloqueio informativo; há a da TAP ou a dos estaleiros de Viana, com CT de meia idade, e onde o diálogo é utilitário, centrado no que se pode, em escala europeia, fazer pelas empresas; e houve a CT da Auto-Europa com um forte peso de jovens, onde, pasme-se, eles quiseram saber do que nós pensávamos sobre os assuntos da vida. Onde mora afinal, o futuro? E, enquanto ele não chega, como renovar o arco da aliança do Trabalho? Estas perguntas não têm resposta numa campanha. Mas uma campanha pode revelar muito para lá do que são os holofotes e os cenários do espectáculo da política.
A decisão tinha todas as condições para ser difícil no interior do Bloco. Existia, é certo, uma posição comum sobre a política de combate à droga, que incluía a despenalização de todos os consumos. Mas uma coisa é o texto e o discurso, outra a passagem à acção. Depois, em termos de comunicação, era enorme o risco de uma interpretação superficial. Afinal, a decisão foi pacífica. Na noite seguinte iríamos para o Bairro Alto distribuir o panfleto sobre a despenalização e mortalhas com a inscrição «é proibido proibir». Engoli em seco e até pensei com os meus botões, «se o meu irmão já é conhecido como o Paulinho das feiras, eu ainda acabo como o Miguelinho das mortalhas»... mas adiante. A recepção foi excelente. Claro que houve quem perguntasse «então e o produto?», mas para essa já eu tinha um «não sustento vícios», como resposta de algibeira. A operação repetir-se-ia, ainda com maior sucesso, na Ribeira do Porto e nem foram precisas mortalhas. O tan-tan da noite funcionava às mil maravilhas. A noite passou a ser para o Bloco de Esquerda o que são para outros partidos as feiras e os mercados. Mesmo entre bloquistas houve reacções de desagrado. Havia que transpor uma acção polémica para um novo discurso sobre a toxicodependência. Durante a última semana dediquei parte substancial das intervenções ao tema. Foi o tempo mais bem empregue da campanha. As plateias do Bloco eram muito heterogéneas. Mais de metade das pessoas estavam na dúvida, queriam ouvir para formarem o seu julgamento. Cheguei a apanhar hesitantes, acreditem, entre o PP e o Bloco (no género «quero saber qual a convicção que me convém mais») ou entre o Bloco e o PSD (os não populistas). Sempre que falei de droga não o fiz, por exemplo, para activistas do PSR, mas para pessoas de extractos sociais e graus de abertura cultural muito variados. Ataquei a questão social que se esconde por detrás das políticas de combate à toxicodependência. Expliquei a vantagem da separação de mercados entre drogas leves e duras e passei à questão da heroína de modo simples. Um heroinómano pode ser filho de gente pobre, rica ou remediada. Ele precisa diariamente de cinco a seis contos, quando não de 10 ou 11, para comprar o produto que o oprime. Se não tem emprego, primeiro vai às pratas da casa e quando estas acabam - e numa família pobre acabam rápido - passa ao esticão e depois ao roubo ou ao assalto. O Governo descriminalizou mas não tocou no quotidiano das famílias. E o toxicodependente continuará a acabar na prisão, não por se drogar, mas por crimes contra a propriedade... Critiquei depois a política de tratamento. Os programas de metadona são necessários para prevenir riscos, mas não curam. Tratamento, só conheço o que é livre de drogas, seja em acompanhamento ambulatório, seja em comunidade terapêutica. Mas o Estado tem apenas 34 camas em duas comunidades terapêuticas. Para lá delas, financia 750 camas privadas ao preço que lhe custam as suas próprias camas... Por cima desse financiamento, qualquer família com um toxicodependente que se queira recuperar gasta 100, 120 ou 150 contos mensais. Filho ou filha de pobre não tem como. Não houve quem não compreendesse. E concluía, generalizando só precisamos de políticas igualitárias para que cada um não seja privado da sua liberdade por falta de meios. A haver chave para uma nova política ela é, decididamente, a do regresso à vida.
No sábado anterior ao voto não pensei em política. No domingo sim. Estive com o meu irmão. Como podem imaginar, a campanha que ele fez encontra-se nos antípodas do que eu penso que deve ser a política. Mas como ele se bateu! Creio mesmo que só não foi buscar votos às vaquinhas e às ovelhas porque não se tinham recenseado a tempo... E pensei um pouco na opção que fizera três meses antes. Durante 100 dias vi os meus filhos muito pouco e não namorei nada a mulher com quem vivo. Percebi porque há tão poucas mulheres na política. Nesta sociedade elas teriam de fazer campanhas com os filhos e foi por isso que no último dia levei o mais novo a votar comigo. Como sinal. Mas nada disto toca o dilema pessoal. O divórcio entre vida e política não é apenas público, começa no domínio privado. Dar o rosto tem um preço em desumanidade. Não duvidem que ela marca os políticos que temos, sem excepção. Porque o fiz, apesar do preço? Talvez porque não tivesse alternativa. Porque contraí, ao longo da vida, responsabilidades com terceiros. O dever é o mérito e o limite da matriz comunista em que me formei e que não renego. Mas isto não chega. As atitudes têm de servir para algo mais do que conquistar votos ou justificar passados. Têm de ajudar a inventar um futuro onde as pessoas possam crescer não em função do que têm mas do que podem ser. E isso depende de você: Felizmente, não depende de mim...
Julho de 1999

Sobre o autor

Miguel Portas
Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
Esquerda.net

quarta-feira, abril 25, 2012


Comemorações do 38º aniversário do 25 de Abril em Portimão
Intervenção de João Vasconcelos, pelo Bloco de Esquerda

         Muito Bons dias a todos.
         Caros Portimonenses,
         Depois de 48 anos de uma ditadura repressiva, retrógrada e obscurantista, os gloriosos Capitães do Movimento das Forças Armadas restituíram a Democracia e a Liberdade ao povo português no dia 25 de Abril de 1974. Estamos hoje aqui, a comemorar o 38º aniversário dessa data radiosa e que prometia muita esperança. A Revolução dos Cravos teve um profundo significado, com influências e reflexos sobre todos os aspetos da vida nacional e cujas ondas de choque influenciaram igualmente o desenrolar de importantes acontecimentos a nível internacional.
         Rompendo com as trevas da longa noite fascista, os Capitães de Abril souberam interpretar a vontade de mudança do Povo Português e, numa só torrente, militares, trabalhadores, jovens, anti-fascistas, democratas, fizeram irromper os ideais e valores de um Portugal novo: a liberdade e a justiça social; a democracia nas suas diversas vertentes; a paz e cooperação entre os povos; a derrocada dos monopólios e latifúndios; a auto-determinação e a independência para os povos das ex-colónias.
No dealbar dessa radiosa madrugada, iniciou-se um processo de democratização do Estado Português e a construção de um Estado de Direito Democrático com inequívocas preocupações sociais: instituiu-se uma Segurança Social pública, universal e solidária; consagrou-se o direito universal à educação e à cultura e uma escolaridade obrigatória universal e gratuita; foi criado o Serviço Nacional de Saúde, assente numa vasta rede de serviços próximos das populações.
         No plano laboral, as conquistas também foram enormes: Salário Mínimo Nacional; dignificação geral dos salários, das condições de trabalho e dos vínculos; protecção social à maternidade/paternidade; foi instituído o direito à greve; diversas classes profissionais adquiriram o direito à negociação coletiva, a melhores salários, a melhores condições de trabalho, a férias pagas, ao subsídio de férias e 13º mês, à gestão democrática nas escolas, etc.
         Se Abril se tivesse cumprido nos seus grandes valores e ideais, a estas conquistas outras se teriam seguido e outra seria hoje – bem melhor! – a situação geral do país, das populações, dos jovens e dos trabalhadores. Mas, outro foi o sentido do rodar da história. Num frenético esforço para retomar tudo aquilo que perdeu na viragem revolucionária, os capitalistas, os banqueiros e os exploradores, através dos governos do PS, PSD e CDS, voltaram a controlar o aparelho de Estado e a colocá-lo, de novo, ao serviço dos seus interesses. Desde o 25 de Novembro de 1975, sucessivos governos prosseguiram uma rota de colisão contra o 25 de Abril, fustigando os trabalhadores, os jovens, o povo português com políticas anti-laborais e anti-sociais, liquidando direitos atrás de direitos, degradando e destruindo os serviços públicos e provocando um enorme sofrimento às populações. A situação é tão grave hoje que se encontra em causa o próprio 25 de Abril.
         Nos últimos anos e mais concretamente a partir de 2005, tivemos os desgraçados governos de Sócrates, de má memória, que aprofundaram a destruição das conquistas de Abril, agravaram a corrupção, instituíram a mentira e a vigarice, trouxeram a crise e empobreceram o país. Em vez de 150 mil novos empregos, o desemprego atingiu mais de 700 mil homens e mulheres e a precariedade laboral passou a ser a norma. Foi o último governo do PS que, juntamente com o PSD e o CDS, assinaram o famigerado memorando da troika e que está a conduzir o povo e o país para a ruína, a miséria e a exclusão social.
         Caros amigos,
         Com efeito, o atual governo PSD/CDS, o verdadeiro governo dos saqueadores da troika, está a ultrapassar todos os limites. Este governo, um bando de salteadores que tomou conta do poder e que se encontra ao serviço da troika, dos banqueiros, dos especuladores e dos mais poderosos deste país, está a ajustar contas e a destruir o que resta das conquistas do 25 de Abril. Este governo declarou uma verdadeira guerra aos trabalhadores, aos cidadãos, aos jovens de Portugal, enquanto os mais ricos esfregam as mãos de contentamento e enriquecem cada vez mais.
         O momento é de tamanha gravidade que até o general Pires Veloso, um dos golpistas do 25 de Novembro de 1975, defende um novo 25 de Abril, de cariz popular e diz que “o povo já não aguenta mais e não tem mais paciência”, diz que há uma inversão dos valore do 25 de Abril e que os salários auferidos por pessoas como o Mexia são “um insulto a um povo inteiro, que tem os filhos com fome” e, refere ainda que, quem tomou conta do país foi um “gangue”. Estou perfeitamente de acordo com Pires Veloso nas suas afirmações.
Por sua vez, o Manifesto “Abril não Desarma” da Associação 25 de Abril (dos militares que fizeram Abril), sublinha e bem que “a linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa”. Menciona ainda que “o poder político que actualmente governa Portugal, configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores”.
Terrorismo social, descalabro e ruína económica é o mote deste governo da troika – a chaga do desemprego ultrapassa um milhão com mais de 35% de jovens desempregados; destruição da Escola Pública, do Serviço Nacional de Saúde e encerramento de serviços públicos essenciais – até a Maternidade Alfredo da Costa, um autêntico crime; aumento das horas de trabalho e desregulamentação laboral onde os trabalhadores serão facilmente despedidos sem direito a indemnização; cortes nas pensões e eliminação de subsídios de férias e de Natal; uma grande parte dos desempregados não aufere quaisquer subsídios; extinção de mais de um milhar de freguesias sem consultar as populações; uma lei que vai facilitar os despejos das famílias mais pobres; aumento de impostos e dos preços de bens e serviços fundamentais; o aumento da idade da reforma e o ataque à segurança social; a justiça está cada vez mais cara e não funciona para os mais pobres; cortes cada vez maiores no financiamento das autarquias.
Em cada dia que passa surgem novas medidas de austeridade e de empobrecimento do país – cada uma mais gravosa que as anteriores. Medidas que provocam mais desemprego, mais fome e miséria, medidas que estão a destruir o que ainda resta do Estado social e do 25 de Abril. Dizem que a culpa é da troika! A culpa é da troika e principalmente daqueles que lhe escancararam as portas e a introduziram no país! Querem, mais uma vez, que seja o povo e os trabalhadores a pagar a crise que estes não provocaram.
Dizem-nos a cada hora que passa que os sacrifícios estão a ser distribuídos por todos! Uma requintada mentira e uma farsa colossal! Os “donos de Portugal”, os banqueiros, os especuladores e corruptos, os Mexias, os Américos Amorim, os Catrogas, auferem muitos milhões e engordam com a crise, não fazendo assim qualquer tipo de sacrifício.
Estimados amigos,
O governo da troika PSD/CDS está a destruir o país e a conduzir-nos em linha recta para a tragédia à grega. Mas é possível inverter a situação. Há que provocar uma mudança e uma rutura na situação política. O que faz falta é retomar Abril ou então a conquista de um novo 25 de Abril. Para que isto aconteça, as pessoas, os cidadãos, os trabalhadores, os jovens, os precários, os desempregados, têm de se mobilizar, sair à rua de norte a sul do país (também no Algarve e aqui em Portimão). Têm de provocar um levantamento nacional contra a canga, a exploração e a fome a que estão de novo sujeitos. Antes que seja tarde de mais! Temos direito à resistência! É o que preconiza o artigo 21º da Constituição da República que, por enquanto, ainda não foi liquidada. Proclama este artigo “que todos têm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. E o que estamos a sofrer nos dias de hoje é um temendo ataque aos nossos direitos, liberdades e garantias. Por isso temos de resistir meus amigos.
Aliás, não é só em Portugal que é necessária a resistência e um levantamento popular geral. Por toda a Europa, a indignação e a revolta dos cidadãos têm de encher as ruas, as praças, as vilas e cidades. É preciso pôr na ordem os banqueiros, os especuladores, as troikas destrutivas, o FMI, o BCE, os vampiros do capital e os governantes que atuam como suas marionetes – como sucede no nosso país. Como recentemente disse o resistente e compositor grego Mikis Theodorakis: “Ou os povos se levantam, ou os bancos trarão de novo o fascismo”.
Não podemos esquecer que os povos, os cidadãos, podem ser enganados por alguns durante algum tempo, mas não se deixam enganar o tempo todo e erguem-se. Lutam por novas políticas e por novos governos que satisfaçam os seus anseios e aspirações. E hoje, muitos, também no nosso país, movimentam-se e levantam cada vez mais a voz e é o que vão continuar a fazer, já no próximo 1º de Maio e noutras lutas que vão emergir cada vez com mais intensidade. Há que vencer a troika e o seu governo. Há que renegociar a dívida e o povo tem o direito de não pagar o que não deve. Há que retomar Abril para que Abril se cumpra!
         Quanto ao Bloco e Esquerda, pugnará para que Abril se cumpra, também aqui em Portimão.
Viva o 25 de Abril Sempre!

Novo 25 de Abril? Versão para impressão
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A necessidade de um novo 25 de Abril tem sido colocada nos últimos meses, em diversos tons, como resposta à degradação da situação do país. No 38.º aniversário da madrugada libertadora de Abril, proponho-me discuti-la à luz dos famosos 3 D – Descolonizar, Democratizar e Desenvolver – a matriz do Programa do MFA em 1974.
Comecemos pela Descolonização. Portugal, felizmente, não tem colónias, apesar de haver militares portugueses envolvidos na força de ocupação da NATO no Afeganistão – mais uma aventura neocolonial condenada ao fracasso. Hoje o problema coloca-se ao contrário: Portugal está reduzido à condição semicolonial, não tanto pela partilha de soberania (incluindo a moeda) no quadro da UE, mas pela submissão aos ditames da troika e à ditadura da dívida que é o verdadeiro governo (anti) económico do país.
Democratização. O estado da nossa democracia é preocupante e salta à vista pelas taxas de abstenção superiores a 50% em eleições consecutivas – foi inferior a 10% na Constituinte de 1975… Pior é o estrangulamento da democracia a nível local, com a extinção de freguesias e municípios, o congelamento da regionalização, novas leis eleitorais autárquicas e parlamentares que visam distorcer a proporcionalidade e forjar maiorias absolutas na secretaria para reforçar o bipartidarismo “à americana”. A repressão policial atingiu níveis que fazem lembrar o “antigamente”, como no dia da Greve Geral e no assalto à Es.Col.A da Fontinha, no Porto.
Desenvolvimento. Após o 25 de Abril Portugal progrediu do ponto de vista económico e social, tornando-se irreconhecível em áreas como a saúde e a educação universais, apesar de não gratuitas. Muitas destas conquistas estão em risco e o país entrou em depressão económica, com a dívida soberana a disparar após a bolha especulativa de 2008 e a nacionalização dos prejuízos do BPN, BPP, as PPP, etc.. Com o assalto aos salários, subsídios e pensões impostos pelo governo da troika, o desemprego bate todos os recordes e Portugal afunda-se num ciclo vicioso de dívida – austeridade – pobreza – mais dívida…
Ou seja, vivemos em estado de emergência que justifica plenamente “um novo 25 de Abril”, isto é, uma rutura profunda com as políticas e os políticos da nossa desgraça. Como a história não se repete, o que poderá ser hoje um 25 de Abril?
Esperar qualquer iniciativa dos quartéis é um erro profundo. Desde logo porque os limites da democracia formal não foram ultrapassados. Em 1974 as forças armadas tinham mais de 100 mil homens, na esmagadora maioria milicianos, mobilizados à força para uma guerra injusta e mais que perdida. Hoje, grande parte das FFAA são profissionalizadas e mercenarizadas. Se houvesse condições políticas nacionais e europeias para uma intervenção militar, seria mais de esperar um “28 de Maio” do que um “25 de Abril”.
O 25 de Abril dos dias de hoje radica na multiplicação da resistência laboral e popular. É um sobressalto cívico que aprofundará a democracia participativa e representativa, sabiamente mescladas na Constituição de 1976. Reinventar Abril é tarefa permanente, sem data, nem hora, nem agenda pré-fixadas. Um novo Abril imprevisível, para desespero da bufaria e dos seus mandantes.
Alberto Matos
A Comuna

Morreu um camarada e lutador incansável Versão para impressão
MiguelPortas
"Sou de esquerda porque a minha mãe me proibia de deixar comida no prato, porque tinha de dar aos pobres a melhor prenda que recebia no Natal. Fui habituado à renúncia. E também sou de esquerda porque fui sempre um filho difícil, habituado a dizer não. O meu processo de afirmação foi contra".
Esta é uma das frases mais conhecidas do Miguel e espelha o seu carácter inconformista e o seu espírito questionador.
Durante cerca de 10 anos, partilhei variados momentos com o Miguel. Estivemos ambos, durante alguns anos, na Comissão Política e estávamos ainda na Mesa Nacional do Bloco. Tivemos largos debates, debates que caracterizam pessoas que lutam pela construção da alternativa de esquerda, pessoas que são plurais e discutem abertamente as opiniões diferentes. Discordávamos de algumas coisas mas muito mais eram aquelas que nos uniam e faziam juntar forças.
Viemos de lugares e olhares diferentes sobre a luta e sobre o comunismo mas era comum o projeto de construir a luta da esquerda na casa comum da pluralidade, da esperança e dos caminhos plurais do socialismo.
“Habituado a dizer não” o Miguel animava o debate. Esse inconformismo e esse exercer da dialética terá estado presente na sua rutura com o PCP e com o dogmatismo. Alguns dos que então romperam com o PCP juntaram-se no conforto do regime, dos seus partidos e em lugares muito bem pagos de Conselhos de Administração, preferiram abandonar a luta e a procura de caminhos à esquerda.
Miguel Portas optou pelo caminho mais difícil o caminho da insubmissão e da coragem para construir um projeto novo a começar do zero. O camarada Miguel, lutador incansável, foi um dos construtores fundamentais de um dos melhores projetos da esquerda europeia: o Bloco de Esquerda.
Neste momento em que o 25 de Abril comemora 38 anos, atacado pelo “ditadura” troikista e por uma ideologia que junta austeridade e autoritarismo a insubmissão popular faz a emergência da cidadania.
Como ele, vale a pena continuar a dizer não e continuar insubmisso.
Victor Franco
A Comuna

segunda-feira, abril 23, 2012

domingo, abril 22, 2012

FAZ-SE A ETAR DE PORTIMÃO?

FAZ-SE A “ETAR” DE PORTIMÃO OU NÃO?
Já a novela vai deslumbrante. Há poucos dias lia-se no jornal "Correio da Manhã" que a Câmara Municipal de Portimão pressionou as Águas do Algarve no âmbito das novas instalações da Estação de Tratamento de Águas Residuais do concelho de Portimão, pois não faz mais que a sua obrigação. As novas instalações estão projetadas para servir mais de 200 mil habitantes, enquanto a atual já não cumpre o que está estipulado legalmente para as descargas.
Cronologia
Para os mais esquecidos, lembro que já em 2004 a ETAR de Portimão estava identificada como um caso preocupante, onde não são respeitados nem cumpridos os parâmetros microbiológicos dos efluentes tratados. A Águas do Algarve já em finais de 2007 anunciava a conclusão do estudo de impacte ambiental tendo como data prevista para o inicio dos trabalhos o principio do ano de 2008. Na sala de imprensa da Câmara Municipal de Portimão, a 13 de Novembro de 2009, vem mencionado de que seria brevemente publicado em “Diário da Republica” o concurso público relativo à construção da nova ETAR e que esta já deveria estar ao serviço em 2012. O inicio dos trabalhos estariam agendados para finais de 2011 ou principio de 2012, mas pelos vistos o que está a atrasar a obra são os atuais procedimentos troikanos!, desculpem, procedimentos concursais e os requisitos ambientais obrigatórios. A 6 de Fevereiro de 2012 vem publicado no jornal Correio da Manhã o seguinte texto, “ Portimão ameaça abandonar o sistema multimunicipal de tratamento de esgotos, gerido pela Águas do Algarve, se não for construída a nova Estação de Tratamento de Águas Residuais e equaciona deixar de pagar os 3 milhões de euros anuais dos caudais mínimos de saneamento.
Bloco de Esquerda de Portimão pergunta se durante estes anos todos, a Câmara de Portimão tem estado a dormir ? E Denuncia que, se as obras da ETAR deveriam ter começado em 2008 e estar em funcionamento em 2012 significa que são quatro anos até estar em funcionamento, significa ainda que se as obras ainda não começaram podemos concluir que Portimão só terá uma nova ETAR em meados de 2017, na melhor das hipóteses. O atraso desta obra não só faz continuar os maus cheiros à entrada de Portimão pela EN125 , como mais uma vez os cidadãos de Portimão ficam prejudicados, visto que esta luta com a Águas do Algarve deveria ter iniciado aquando da primeira falta cometida.
“ Se isto não é uma novela, então o que é ?”

Rui Barradas

O MURRO DE MELENCHON

Jean-Luc-Melenchon-007Esse sentimento de "juntar forças" para reivindicar uma nova etapa de conquistas políticas e sociais esteve bem presente no comício da parisiense e simbólica Bastilha, com mais de 100 mil pessoas que ali foram. Não por acaso, Mélenchon terminou o seu discurso dando um viva à bandeira vermelha! Ele que sustenta que a campanha preconiza uma revolução cidadã por uma nova República.

Artigo de Luís Fazenda

O candidato do Front de Gauche (englobando Parti de Gauche - liderado por ele mesmo, PCF, e Gauche Unitaire e várias associações políticas de esquerda) representa um frentismo com tradição na frente popular de 1936, de Jaurés. E mais proximamente, no programa comum PS-PCF da primeira eleição de Mitterrand (1980) de que ele próprio foi membro ativo. Melénchon destaca muito nos seus escritos e intervenções essas cíclicas convergências. O seu abandono do PS para formar o PG, em 2008,deveu-se à conclusão que o PS era irreformável para a esquerda. Atacou simultaneamente a cedência ao liberalismo, "terceiras vias, etc.", e a social-democracia que apenas preconiza a "regulação do capitalismo". Fê-lo em nome de um "socialismo republicano que ultrapasse os horizontes do capitalismo". O programa com que se apresenta a estas eleições de 2012 é disso sintomático: polo público financeiro, unificando a banca estatal e fazendo nacionalizações, impostos fortemente progressivos, taxar as transações in shore e off shore para idêntico imposto, romper com o tratado de Lisboa para uma nova Europa cooperativa, retirar as tropas do Afeganistão e abandonar a Nato, política de rendimentos a favor do salariato e da segurança social, planificação ecológica. Para tudo isto, reclama-se caminho para maioria social e política e para a eleição de uma Constituinte. Que um Programa radical, na atual adversidade de forças que enfrentam os progressistas, se possa impor como fator de esperança e só através desse programa se tenha conseguido ampliar a desiludidos do PS ou de organizações sectárias, ativando abstencionistas e despolitizados, esse é justamente um referente que não deve ser escamoteado.

Contudo, esse Programa não começa sem uma dura autocrítica, quer de Melénchon e seguidores, quer do Partido Comunista Francês, todos subscritores deste processo. "É preciso romper com as políticas seguidas pelos governos no poder nas últimas décadas. É claro, houve diferenças entre a política dos governos de direita e aquela dos governos de esquerda. Mas houve também infelizmente pontos comuns: a crença na construção atual, liberal, da União Europeia, a vontade de reduzir o "custo do trabalho", o desmantelamento dos serviços públicos, a recusa de enfrentar os bancos e os mercados financeiros". Vindo de um ex-ministro do governo de Jospin e de um parceiro desse governo, como os comunistas, são atitudes de grande significado estratégico para o reagrupamento socialista.

Num pequeno depoimento que gravei em vídeo para a campanha de Melénchon, disse que ele é um símbolo do arco-íris que a esquerda alternativa deve ser. Não foi uma simpatia de momento. Penso mesmo que a acumulação de forças alternativas na Europa para derrotar os liberais-conservadores só pode ser dinamizada à esquerda e não ao centro, o do pântano lembram-se?, como mostram os últimos 30 anos da social-democracia europeia. O arco-íris é, como se sabe, paleta de cores, diverso nas composições, não quer ser unitário porque é pluritário, mas não aliena conceitos de império e soberania, estado e propriedade, trabalho e classes que são o património comum do socialismo.

É interessante verificar a posição da candidatura sobre uma esperada 2ª volta: derrotar Sarkozy, sem tibiezas. Mas se ocorrer uma eleição de Hollande não contem com o Front de Gauche para fazer parte do governo francês, as políticas não são próximas nem miscíveis. Curiosamente, para as eleições legislativas, que vêm já a seguir, PCF e PS abandonaram acordos eleitorais que vinham desde o pós-guerra e que não poucas vezes manietaram o PCF.

O programa do Front de Gauche está articulado com programa, recentemente aprovado em congresso (Erfurt) do Die Linke da Alemanha. São bons prenúncios para a corrente de esquerda europeia, com espaço próprio. O murro de Jean-Luc Melénchon é um aviso ao austeritarismo mas, malgré tout, um arranque sem fronteiras.
A Comuna

O 25 de Abril, a social-democracia e a desgraça da República Versão para impressão

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25abrildenovoO 25 de Abril de 1974, prestes a comemorar 38 anos, enquadrou-se numa situação geral em que o fim do fascismo, o fim da guerra, a ideia do socialismo e a iniciativa popular estavam intimamente ligados quer do ponto de vista político, quer ideológico, quer da consciência da massa - as lutas contra a guerra do Vietname, o Maio de 68 (em que a luta dos estudantes e, depois, do proletariado, sacudiu a canga ideológica e partido-sindicalista vigentes), a luta da OLP e na América Latina, tinham aberto brechas fundas na concepção burguesa de que o capitalismo é regulável, é o pai da democracia e dos direitos humanos e que a representatividade resolve tudo.

Artigo de Mário Tomé

A luta popular, obrigando os militares, teoricamente no comando, a dar passos maiores que as pernas, levou ao que se chamou a divisão do MFA. Sublinhe-se que, para a intelligentzia da época, só os militares que apoiavam conscientemente ou não (?) o PS e a direita não eram considerados partidários.

As tropelias do PREC consistiram na luta pelo apoderamento dos direitos de cidadania:

A partir do verão de 75 a burguesia liberal e a social-democracia estavam a retomar as rédeas da carroça e apenas restava um obstáculo que, embora intrinsecamente pouco importante, no contexto do PREC era intransponível por métodos democráticos: as poucas unidades que se mantinham abertas à osmose entre movimento popular e o dos soldados – motor de toda as conquistas sociais e democráticas - dificultavam o grande objectivo militar do MFA desde «o dia inicial»: tropas nos quartéis à espera das ordens do primeiro Spínola que saltasse outra vez. Daí o 25 de Novembro da sagrada aliança “Nove”-PS-PSD-CDS- bombistas, CIA, serviços secretos alemães e franceses.

O 25 de Novembro aliviou a social-democracia da pressão popular e permitiu-lhe liderar, durante algum tempo, o processo de instalação das estruturas económico-ideológico-políticas que iriam impor o neoliberalismo em todo o esplendor do cavaquismo.

A revolução popular de Abril não tinha, de facto, condições para ir mais além. A social-democracia, de facto dominante, mantinha-se, como pensamento e prática política, vocacionada para garantir que o trabalho devia aceitar a exploração e imposições do capital como forma de garantir a democracia. Assim, o PSD passou a ser o grande e duradouro, em união ou em oposição, aliado do PS na defesa do regime e da sua subordinação à NATO.

Entretanto o PCP jogava o seu papel de representante dos interesses nacional-internacionalistas da URSS, um pé no governo outro no movimento popular, e os partidos à esquerda, cheios de entusiasmo posto na luta, tinham uma percepção geral marcada pelas ortodoxias que se aproveitaram de 1917 e das suas sequelas, ideologicamente capturados e sem resposta para a realidade decorrente da II Guerra Mundial.

Da crise de 73 resultou que o capital deixou de poder tolerar algum bem-estar do trabalho tendo o neoliberalismo liquidado as ilusões social-democratas na sua bonomia. Mas a resposta foi a capitulação. O PS perdeu o pé, fechou tudo o que pôde na gaveta e deitou fora a chave.

Durante o PREC, a derrota do fascismo, o fim da guerra e a irrupção do movimento popular obrigaram a social-democracia e mesmo os liberais do PSD e os democratas cristãos do CDS a mostrarem-se mais à esquerda para não serem cilindrados. O próprio Mário Soares confessou ainda muito recentemente na série de entrevistas à RTP que o PS foi obrigado a tentar esconder a sua real configuração ideológica apresentando-se mais à esquerda do que aquilo que lhe competia.

A surpreendentemente abrangente revolução de Maio de 68, numa sociedade europeia aparentemente auto-satisfeita, deixara dependuradas do pau da roupa as ideologias de esquerda reinantes (ao contrário do que diz a direita que lhes atribui papel marcante assim como vulgata pseudo-marxista) e pôs a civilização burguesa debaixo de fogo (cf. António José Saraiva). Portanto não é de estranhar a quase obscena ausência de referências ao Maio de 68 pelas esquerdas durante o PREC.

A social-democracia, sustentáculo do sistema capitalista democrático, esteve ausente das movimentações mundiais do Maio de 68, nomeadamente em França onde toda a sociedade atravessou uma comoção solidária com a revolta estudante e operária. E quando a greve geral na França de 68, a maior a que o século vinte assistiu, parou 10 milhões de trabalhadores da cidade ao campo, obrigando De Gaulle a preparar a intervenção militar às ordens do torcionário general Massu, não hesitou em abraçar a solução de eleições gerais como escapatória que foi decisiva para a derrota do movimento às mãos dos partidos do sistema incluindo o PS e o PCF tendo este último obedecido aos apelos de De Gaulle para esvaziar a participação proletária na revolução que já sabotara. Ao PCF e também ao PS interessava não o desenvolvimento da luta anti-capitalista mas os réditos eleitorais que, em especial o PCF, vieram de facto a obter.

A social democracia depois da II Guerra Mundial é, na realidade, parafraseando José Régio à rebours, filha de um pacto entre o Plano Marshall e a NATO. As condições criadas pelo investimento norte-americano na reconstrução da Europa destroçada, permitiram ao capital surpreender-se com o seu próprio entusiasmo pelo aprofundamento da democracia alicerçada na irrupção radiosa do Estado social.

Para a social-democracia, a democracia nasce de uma boa relação entre o capital e o trabalho e não da luta popular. Daí o pavor do PS durante o PREC que Mário Soares não se cansa de anatematizar, apesar de a luta popular ter como objectivos fundamentais as reformas que a social-democracia teoricamente preconizaria. E esquecendo que a Constituição que tanto gosta de citar, se deve exactamente a essa luta.

A social-democracia, hoje, perante a brutalidade dos seus aliados, não encontra outra resposta que não seja a crítica de circunstância, como diria o velho Luís Pacheco, incapaz ideologicamente e pelos interesses rapaces que foi abraçando, de arranjar uma resposta ancorada na transformação social. Desde a assinatura do acordo com a troika, fundador da instauração do anti-Estado social e do retrocesso civilizacional a que assistimos, até à patética abstenção violenta e à irrisória adenda ao tratado orçamental, é toda a evidência de uma capitulação antiga.

É, pois, incapaz de se posicionar hoje numa frente de luta que exige o corte com a troika, a auditoria à dívida e a sua renegociação, para libertar o povo português da espiral assassina.

Qualquer reforma consistente, por mais elementar e óbvia que seja, exige um empenhamento corajoso na luta anti-capitalista. O PS, se dermos crédito ao sempre interveniente Mário Soares, está mais a precaver-nos para uma luta antifascista (“O retorno do fascismo”, DN, 17 de Abril 2012) que abre sinal para a unidade em defesa de um regime que o capital financeiro já se encarregou de liquidar.

O que precisamos de facto é de juntar forças para lutar por um Estado de direito socialista que aproxime o trabalho do seu destino histórico e ético: tomar conta da economia.

E viva o 25 de Ab

Documentário Donos de Portugal estreia dia 25 de abril
O documentário de Jorge Costa, que retrata a proteção do Estado às famílias que dominaram a economia do país durante 100 anos, as suas estratégias de conservação de poder e acumulação de riqueza, estreia na RTP 2, na noite de 24 para 25 de abril, à 1h30.
Artigo | 22 Abril, 2012 - 00:19

Este documentário, baseado no livro Os Donos de Portugal – 100 anos de poder económico (1910-2010), da autoria de Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosa, da Edições Afrontamento, 2010, foi produzido no âmbito do Instituto de História Contemporânea para a RTP 2.

O filme Donos de Portugal apresenta "os protagonistas e as grandes opções" que levaram até à atual crise económica e social, versando sobre cem anos (1910-2010) de poder económico. Os “Mello, Champalimaud, Espírito Santo – as grandes famílias cruzam-se pelo casamento e integram-se na finança. Ameaçado pelo fim da ditadura, o seu poder reconstitui-se sob a democracia, a partir das privatizações e da promiscuidade com o poder político”, lemos na página de facebook do documentário, onde é avançado que “novos grupos económicos – Amorim, Sonae, Jerónimo Martins - afirmam-se sobre a mesma base”.

Após a sua estreia na RTP, o documentário passará a estar disponível em http://www.donosdeportugal.net/.

Arnaut: “agiotagem e compadrio” põem em causa sustentabilidade do SNS

Segundo afirmou este sábado o ‘pai’ do Serviço Nacional de Saúde (SNS), António Arnaut, a sustentabilidade do SNS é posta em causa pela “agiotagem, o compadrio” e “a submissão” aos grandes grupos económicos e não pelas “dificuldades orçamentais”.
António Arnaut.
Durante o almoço organizado em sua homenagem no pavilhão multiusos de Penela, António Arnaut sublinhou que “a agiotagem, o compadrio, a submissão aos grandes grupos económicos e a falta de sensibilidade social é que põem em causa a sustentabilidade do SNS e demais conquistas de abril”.
Ainda que o país tenha “de pagar aos credores”, Arnaut considera que não se pode "esquecer que o Estado tem outros credores mais legítimos – os seus cidadãos e contribuintes”.
Estes são “credores do Estado pelos direitos arduamente conquistados: à saúde, à educação, ao trabalho, à reforma e às outras prestações sociais”.
Neste período de “grandes dificuldades”, resultante de “erros próprios e da contaminação da crise internacional, provocada pelos especuladores”, “só haverá paz social se o sacrifício for equitativamente repartido por todos” e desde que “não haja subterfúgios nem ´offshores´ por onde escapem as grandes fortunas e os magnatas da alta finança”, avança o pai do SNS.
Numa mensagem de reconhecimento dirigida ao homenageado, Cavaco Silva teceu inúmeros elogios ao SNS, frisando que, graças ao mesmo, “milhares de vidas se ganharam, milhões de seres humanos beneficiaram de mais e melhores cuidados de saúde, em condições de justiça e igualdade”.
Esquerda.net

terça-feira, abril 17, 2012

Movimento anti-portagens reforçado com entidades portuguesas na última assembleia de utentes

 
 
O movimento transfronteiriço anti-portagens engrossou neste fim-de-semana as suas fileiras, no que a entidades portuguesas diz respeito, após a assembleia de utentes da Via do Infante que se realizou no passado sábado na sede do Moto Clube do Guadiana, na Aldeia Nova, Vila Real de Santo António.
O manifesto, que já havia sido assinado pela Comissão de Utentes da Via do Infante e por diversas entidades espanholas, incluindo cerca de 30 associações empresariais da Andaluzia e o Alcaide de Ayamonte, foi agora rubricado pela União de Geral de Trabalhadores (UGT) e pelo Motoclube de Faro.
Também presente na sessão de sábado esteve um representante da Entidade Regional de Turismo do Algarve, segundo revelou a CUVI num comunicado. Na reunião «muito viva e participada» estiveram presentes cerca de 50 pessoas.
No que toca a medidas acordadas, a maioria está ainda dependente de reuniões, nomeadamente com membros de movimentos do país vizinho. A ideia é levar a cabo uma manifestação sobre a Ponte Internacional do Guadiana, que junte manifestantes de ambos os lados da fronteira.
Na assembleia, foi decidido que «a nova Petição, a exigir a suspensão imediata das portagens na Via do Infante, contendo largos milhares de assinaturas, deverá ser entregue à Assembleia da República, nos inícios do mês de maio».
Além disso, a Comissão de Utentes irá participar no próximo dia 24 de abril numa reunião em Salamanca, com todas as comissões de utentes luso-espanholas contra as portagens nas ex-scuts, a fim de estabelecer uma estratégia comum em todas as zonas transfronteiriças: Ayamonte (Huelva), Badajoz, Fuente de Oñoro (Salamanca), Verin (Orense) e Tui (Pontevedra).
Os elementos presentes nesta reunião pretendem ainda «marcar uma reunião com os espanhóis de Huelva/Andaluzia para começar a preparar, em conjunto, uma marcha lenta de viaturas sobre a Ponte Internacional do Guadiana. Esta ação, com uma forte mobilização, deverá ocorrer em maio, ou junho próximo».
Leia a resolução aprovada por unanimidade pela assembleia:
Resolução
Considerando que:
  1. A Via do Infante foi construída como uma via estruturante para combater as assimetrias e facilitar a mobilidade de pessoas e empresas, com vista ao desenvolvimento económico e social do Algarve.
  2. A Via do Infante não apresenta características técnicas de auto-estrada e foi construída fora do modelo de financiamento SCUT, em que maioritariamente foi financiada com dinheiros da comunidade europeia.
  3. A Via do Infante foi construída como alternativa à EN 125 e muito contribuiu para a diminuição dos acidentes mortais. Esta via, uma perigosa rua urbana, foi no passado considerada a “estrada da morte”, com um elevado grau de sinistralidade e mortalidade. A sua requalificação nunca constituirá uma alternativa à A22.
  4. Com a introdução das portagens, a 8 de dezembro de 2011, os resultados estão à vista: agravamento dramático da crise social e económica no Algarve, uma região que vive fundamentalmente do turismo e que está a viver uma das situações mais difíceis da sua história, com inúmeras falências e encerramentos de empresas e um dos índices mais elevados de desemprego a nível nacional; perda acentuada da competitividade da região em relação à vizinha Andaluzia, onde os espanhóis, por recusarem as portagens, deixaram de visitar o Algarve, elevando-se as perdas deste mercado em mais de 30%; a mobilidade na região regrediu cerca de 20 anos, voltando a transformar-se a EN 125 numa via muito perigosa, com extensas e morosas filas de veículos, diversos mortos e onde os acidentes e os feridos graves mais que duplicaram; por outro lado, o tráfego na Via do Infante sofreu uma quebra drástica, com uma redução de menos 390 mil veículos no primeiro trimestre, atingindo valores de 65% em alguns troços.
  5. Como se isto não bastasse, o sistema vergonhoso de cobrança de portagens contribui para o desastre do turismo no Algarve, afastando muitos estrangeiros, particularmente espanhóis, e penalizam gravemente a imagem da região e do país.
  6. Por outro lado, a cobrança de portagens já foi considerada ilegal pela Comissão Europeia, visto violar normas comunitárias, como a violação do princípio da livre circulação de pessoas e a violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. As portagens também violam tratados internacionais sobre cooperação transfronteiriça, como o Tratado de Valência, assinado entre Portugal e Espanha e de onde deriva a Euroregião Algarve-Alentejo-Andaluzia.
  7. A agravar ainda a situação, temos a paragem das obras de requalificação da EN 125, o que torna mais difícil a circulação rodoviária e contribui para aumentar os acidentes.
Nesta conformidade, os utentes da Via do Infante (A22) e outros cidadãos, reunidos no Pavilhão do Moto Clube do Guadiana, na Aldeia Nova, Vila Real de Stº António, no dia 14 de abril de 2012, aprovam o seguinte:
  1. Reprovar a decisão da introdução de portagens na Via do Infante, visto constituir um grave erro histórico muito negativo e que está a estrangular o desenvolvimento económico e social do Algarve.
  2. Apelar ao Governo para que proceda à suspensão imediata da cobrança de portagens na Via do Infante, a única solução viável e aceitável, e que, o mais rápido possível, faça um estudo sobre as reais consequências das portagens na vida social e económica regional. Outras medidas, como sejam a revisão e a simplificação do sistema de cobrança, o incentivo a outras formas de pagamento, a isenção para carros de matrícula estrangeira, a instalação de novas máquinas na fronteira, ou outra qualquer, são pequenos paliativos que só agudizam o problema em vez de o resolver. Aliás, algumas destas medidas são ilegais e inaceitáveis, revelando-se altamente discriminatórias para outros cidadãos.
    3. Solicitar uma audiência ao Ministro da Economia e do Emprego, para que receba a Comissão de Utentes da Via do Infante, com urgência (antes de junho).
    4.     Ajudar a constituir e reforçar uma ampla plataforma da sociedade civil do Algarve contra as portagens, em articulação com os espanhóis da região de Huelva/Andaluzia.
    5.   Apoiar as mais diversas formas de luta com vista à supressão das portagens na Via do infante.
    6.   Enviar esta resolução ao 1º Ministro, ao Ministro das Obras Públicas e do Emprego, ao Presidente da República, ao Presidente da AMAL, aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República e a outras entidades do Algarve.
    (Esta Resolução foi aprovada por unanimidade).
    Os utentes da Via do Infante e outros cidadãos