quarta-feira, abril 11, 2012

O PS entre o laranjismo e o liberalismo

O PS pede ao PSD e CDS que finjam que haverá amanhã uma adenda que todos sabem que nunca existirá, em troca da certeza de hoje de um tratado que todos sabem que é prejudicial. O PS quer salvar a face, não quer proteger o emprego.
 Por Francisco Louçã
Mário Soares apelou ao voto do PS contra o tratado orçamental. Manuel Alegre apelou ao voto do PS contra o tratado orçamental. Cavaco Silva escreveu que o tratado é um disparate. O PS francês anunciou que o vai renegociar, se puder. Deputados do PS garantiram que votariam contra (veremos se mantêm a palavra). Tudo por uma razão simples: o tratado orçamental proíbe os Estados europeus de adotarem políticas anti-crise e, portanto, favorece a destruição da saúde, da segurança social ou da escola pública. Agrava a recessão. Torna-a mais cruel. E vangloria-se disso.
Em consequência, o PS anunciou que vai votar a favor.
Mas com uma condição: que haja uma adenda europeia ao tratado europeu, defendendo medidas económicas contra a recessão.
Ora, isto é esquisito.
Em primeiro lugar, porque a adenda não existe. Não está escrita. Ninguém a leva a sério. Nada indica que haja um único governo que reabra o processo negocial de um tratado que está encerrado para ratificação. Ninguém vai apresentar tal criatura. A adenda não existe. O PS está a lutar por coisa nenhuma.
Mas vamos, em segundo lugar, supor que a adenda vai ser proposta. Então, o PS poderia desejar que ela contrariasse o tratado sinistro e, portanto, aprovar um se a outra fosse aceite. Mas não é isso que o PS faz. O PS aprova agora um tratado que diz rejeitar, em nome da eventual aprovação de uma adenda que todos têm a certeza que nunca existirá.
Se a negociação fosse a sério, o PS dizia: aprovem agora a adenda, apresentem-na (para termos a certeza de que é mesmo apresentada) e, se for aprovada, então aceitaremos depois o sacrifício de um tratado de que discordamos, mas que ficou atenuado pela adenda. Seria uma negociação com uma condição: o PS dava a adenda e recebia o tratado. Seria levado a sério. Era mesmo uma condição, não era um favor a Merkel. Seria esquisito, seria uma negociação sem valores, prejudicaria a Europa e Portugal, mas seria uma negociação.
Acontece mesmo que, se houvesse uma negociação a sério, havia tempo para isso. Primeiro a adenda, depois o tratado. Portugal não tem de ser o primeiro país a ratificar esta abencerragem. O PS podia forçar que o voto do tratado fosse depois de saber se havia adenda ou não, se levasse a sério a sua própria proposta.
Só que o que há agora não é uma negociação. O PS pede ao PSD e CDS que finjam que haverá amanhã uma adenda que todos sabem que nunca existirá, em troca da certeza de hoje de um tratado que todos sabem que é prejudicial. O PS quer salvar a face, não quer proteger o emprego. O PS propõe à direita uma mascarada, não se ocupa da resposta à crise europeia. O PS quer fingir, a direita quer acabar com as políticas públicas.
Em terceiro lugar, isto é esquisito porque o PS recusa o princípio do défice na Constituição não porque esteja em desacordo com ele, pelos vistos, mas porque acha que fica melhor escondido noutra lei. O problema não é a política, é como ela é embrulhada. É uma bomba contra a economia, vamos ver onde ela é escondida. Para o PS, o problema não é o efeito futuro desta lei na vida das pessoas, que se pretende perpétuo e blindado, é antes a jogada parlamentar em meados de 2012. O PS dá tudo à direita para todo o futuro, a troco de uma maquilhagem que dura o dia 12 de Abril.
A direita percebe bem. O PS não se bate por nada, aceita tudo. Desde que haja um disfarce. O PS não negoceia nada, não impõe nada, não condiciona nada, vai por tudo. Desde que seja radicalizar a orientação liberal na Europa, que tem dado os magníficos resultados que todos festejamos. Para ser liberal, o PS aceita alaranjar-se. Obediente. Submisso. Calado.
O que é que Passos Coelho poderia esperar de melhor? Querem ver que vota mesmo a proposta do PS sobre a assustadora adenda que não existe? O gabinete de S. Bento, de qualquer modo, deve ter uma gaveta cheia de generosas ideias de adendas destas.

Sobre o autor

Francisco Louçã
Deputado, dirigente do Bloco de Esquerda, professor universitário.

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