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sábado, julho 26, 2008

“O comunismo é uma religião laica”

A 10 de Julho, a Visão publicou uma entrevista que o jornalista Francisco Galope me fizera algum tempo antes. Por razões de espaço só uma parte saiu em papel, tendo a versão integral ficado no site da revista. Aborda temas de política nacional e europeia e também algumas histórias de vida, que são consequência desta publicação ter tido acesso a umas palavras que dirigi a pessoas amigas por altura do meu 50º aniversário. Para quem se quiser entreter, aqui vai ela:

A “Directiva do Retorno”, relativa a imigrantes ilegais, é uma vergonha para a Europa do século XXI, como diz Gaspar Llamazares, da Esquerda Unida espanhola?
Sem dúvida. Que outra classificação é possível, quando ela permite a detenção de pessoas, maiores ou menores de idade, até 18 meses, sem que tenham cometido qualquer crime, que não o de lutarem pela vida?

Vem aí a Europa-fortaleza?
Ela tem sido isso. Essa uma das razões porque há tantos indocumentados. O mediterrâneo foi transformado num imenso muro e num cemitério. Esta directiva prevê o reforço dos 197 centros de detenção que já existem. Classificam-nos de “especializados”. Conheço alguns e posso afirmar que são melhores as prisões. Na ilha de Lampedusa, nem água potável tem. Não é século XXI, é século XIX…

Prometer fronteiras abertas a toda a gente (como acusa o líder do CDS-PP) seria uma alternativa de esquerda?
Antes de agitar fantasmas, a direita deveria saber que o direito à mobilidade consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, subscrita por todos os Estados. Também não lhe ficaria mal reconhecer que esta é a posição das igrejas cristãs. Porque há-de ser livre a circulação de capital e mercadorias e não a das pessoas?
De qualquer modo, a acusação não tem sentido. A Europa precisa de muitos mais imigrantes e sabe-o. O que faz é selecção. És árabe, preto e de África, não queremos. És alto, louro e licenciado, vem daí. O movimento de entradas e saídas pode e deve ser regulado, mas na base do reconhecimento do direito à mobilidade. Se em vez de uma política de selecção e expulsão, tivéssemos uma que gerisse fluxos nas duas direcções, assente em fortes políticas de cooperação e desenvolvimento, estaríamos bem melhor. E os imigrantes, também. Muitos poderiam, até, ficar nas suas terras, que ninguém parte se não precisa.

Como solução para o imbróglio criado pelo “Não” irlandês, propôs que se dê ao próximo PE poderes de natureza constituinte para esboçar um novo tratado. Pode especificar?
Candidatei-me defendendo, em alternativa ao Tratado Constitucional, um processo constituinte democrático. Recuso as catalogações fáceis. Sou favorável a pôr em comum a solução de problemas comuns, desde que as decisões sejam transparentes e fiscalizáveis e não exista Directório. O Directório é a gangrena que corrói a Europa. Defendo que, ante o impasse, é inaceitável obrigar os irlandeses a novo referendo ou reencarnar o antigo Tratado Constitucional num terceiro texto negociado como os anteriores. Só pode acabar mal. Defendo que o Conselho delegue no novo Parlamento Europeu - as eleições são já amanhã - a iniciativa de propor uma saída para a crise. Os Estados não perdem as suas prerrogativas na decisão final. Mas, por uma vez, obrigam-se a ouvir, já que este caminho devolve a palavra aos cidadãos através do voto. Transformaria as próximas eleições europeias no primeiro grande debate popular e transnacional sobre o nosso futuro colectivo. É realizável. Para isto, não é preciso nenhum novo tratado.

Também isso pode acabar mal…
Pois pode. Mas de toda a discussão afastar-se-ia a suspeita de falta de transparência e democracia, que está a envenenar a relação dos europeus com a União, tanto como as políticas que esta promove… Pior não acaba de certeza

Tem-se falado muito das eleições de 2009 e possíveis constelações de Governo. O Bloco está preparado para governar?
O Bloco está preparado para se afirmar como alternativa de governo aos governos que temos tido e em particular a este último. Parafraseando Honório Novo, como as coisas estão, temos mesmo que nos preparar para um dia governarmos. As pessoas já conhecem os resultados daqueles que pensam estarem “preparados para governar”. Venham, portanto, os que não estão, que nada se perde e algo se ganha…

O que é que Sócrates teria de aceitar para o Bloco viabilizar ou integrar um Governo minoritário do PS?
O Bloco não integrará nem apoiará nenhum governo Sócrates. Que fique claro e não restem dúvidas. É na oposição que construímos a alternativa de projecto para o país e para uma refundação democrática da Europa. Dito isto, é vital pôr uma pedra na maioria absoluta. Sócrates terá de escolher entre a reconstituição formal do bloco central e a negociação, política a política, com o que se encontra à sua esquerda. À luz do que tem feito, a primeira hipótese é mais provável do que a outra. Ou seja, quem votar PS arrisca-se a votar, também, PSD… Mas isso também dependerá de como crescerem as forças à sua esquerda. Veremos.

O Bloco tem procurado convergência com sectores da esquerda do PS. Houve aquele comício com o Manuel Alegre…
O comício foi, e é, um sinal importante no sentido de que muita gente de esquerda e muita gente independente de esquerda sente que é necessário aumentar a capacidade de resposta à esquerda do PS e que essa capacidade exige a multiplicação de espaços de diálogo. Não estamos na situação alemã em que foi possível formar um partido de esquerda plural e de ruptura com as práticas liberais da actual social-democracia. Oskar Lafontaine e Manuel Alegre não são a mesma coisa - com isto não estou a fazer qualquer valoração das personagens. Em Portugal não estamos nessa fase. Mas já estamos numa em que é possível juntar no mesmo acto público gente que pensa de maneiras muito diferentes, mas que é capaz de convergir sobre a necesssidade de dar esperança e força às pessoas e à sua capacidade de resistência. E isso é, obviamente, muito importante.

E em relação ao PCP? O Bloco e o PC juntos já somam, juntos, mais de 20% das intenções de voto. Não pode haver aí convergência à esquerda?
O Bloco e PC convergem nas críticas à política que existe, mas têm mais dificuldade em convergir sobre as políticas que respondem à crise. Por exemplo, continuam a existir opiniões muito diferentes sobre a forma de Portugal estar na Europa, sobre a própria Europa e diferenças de prática que, não sendo inultrapassáveis, são substantivas. Isso levará o seu tempo e não se resolve com passos de mágica. Espero que se resolva, um dia. Não se trata de operar cozeduras artificiais que depois não têm consistência.

Saiu há 17 anos do PCP, quase tantos quantos militou nele, por causa de divergências…
Fui do PCP apesar da União Soviética e não por causa da União Soviética. Era muito crítico do “socialismo real”, das experiências do socialismo de Leste. Sempre foram conhecidas as minhas opiniões sobre a invasão da Checoslováquia, por exemplo. No PC, como provavelmente no Bloco, nunca fui o que se pudesse chamar um militante ortodoxo, embora tivesse tido os meus períodos de ortodoxia. No PC, sempre defendi o que achei dever dizer e nunca ninguém me calou o bico por isso. Mas também, verdade seja dita, nunca me ligaram mais por causa disso…

O que aconteceu?
Quando começaram os movimentos críticos do PC, estive neles para renovar ou refundar o comunismo. E houve um certo momento, que coincidiu com o golpe de Moscovo [1991], onde a posição tomada pela direcção do partido estava para lá de tudo o que me parecia razoável. Na sequência, o comité central decidiu expulsar os quatro que estiveram na mesa [de uma assembleia de críticos, entre eles Barros Moura] e não os que estavam na plateia. Foi como um dobre de finados, não só por causa da lógica de irradiação subjacente, mas, principalmente, pela tentativa de separar os que estavam na mesa dos outros, como se estes tivessem ido ao engano. Com 18 anos de militância, achei que chegara o momento de escrever uma carta de adeus a dizer: “até à próxima curva”. E cá estamos nas próximas curvas…

Ainda é comunista?
[Ler →]

In Sem Muros

quarta-feira, junho 18, 2008

Vergonha criar PDF versão para impressão enviar por e-mail

Miguel PortasCom 197 votos contrários - 37 da esquerda, 36 verdes, 101 (pouco mais de metade dos que estavam presentes), 7 liberais e 17 de direita - acabou por passar, sem emendas, a directiva de retorno.
Os 369 votos favoráveis vieram das direitas, do grupo liberal e ainda de 34 socialistas, entre os quais um português, Sérgio Sousa Pinto.

Entre as 109 abstenções, a sua leitura deve ser cuidadosa. 49 socialistas não quiseram tomar partido à luz do compromisso subscrito pelos respectivos governos. Inversa é a leitura do sentido de voto de 20 liberais e 35 deputados de direita. Estes, apesar da posição dos respectivos grupos, recusaram-se a colocar o seu nome por baixo da directiva.

Entre os deputados portugueses, PSD e PP seguiram as directrizes dos respectivos. Apenas Assunção Esteves e Sérgio Marques votaram contra aspectos alguns dos aspectos mais escandalosos do compromisso dos governos com as direitas. Entre os socialistas portugueses, a excepção de Sérgio Sousa Pinto foi compensada por Paulo Casaca - o único deputado do PS que votou favoravelemte uma emenda que propunha a rejeição da directiva. Todos os outros rejeitaram esta emenda, embora acabassem por votar contra ela em função do chumbo generalizado das propostas que visavam minorar os efeitos do acordo.

Hipocrisia

A directiva agora aprovada é um monumento à hipocrisia. Recomenda ela que

"os Estados-Membros devem executar as disposições da presente directiva sem qualquer discriminação em razão do sexo, raça, cor, etnia ou origem social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual".

Assim é. O repatriamento aplica-se a todos os sem-papéis... sem discriminações.

Aplica-se mesmo aos menores... porque

"em consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989, o "interesse superior da criança" deve constituir uma consideração primordial dos Estados Membros na aplicação da presente directiva"...

O que se decidiu?

Desde logo, o universo dos imigrantes abrangidos:

Não apenas quem chega de fresco a um país da UE, mas também quem já cá esteja há anos e em fase de renovação dos documentos.

Artigo 7:
"se um nacional de país terceiro em situação irregular no território de um Estado-membro tiver pendente um processo de renovação do seu título de residência ou de outro título que lhe confira direito de permanência, esse Estado-membro ponderará a hipótese de se abster de emitir uma decisão de regresso até que o processo esteja concluído"

Também os menores acompanhados e não acompanhados:

Artigo 8.º A:
"Antes de decidir da emissão de uma decisão de regresso aplicável a um menor não acompanhado, será concedida assistência pelos organismos adequados que não as autoridades que executam o regresso, tendo na devida conta o interesse superior da criança".

E logo a seguir:

"Antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, as autoridades do Estado¬ Membro certificar-se-ão de que o menor será entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada".

Sibilina linguagem! A maioria recusou todas as emendas que precisassem o que seriam "organismos adequados". Como sabe perfeitamente que, em caso de inexistência de família para acolhimento no país de destino, o "tutor" ou a "estrutura de acolhimento adequado" são perfeitas ficções. Mais ainda se se tratar de um repatriamento para um país de trânsito.

Linguagem militar

A directiva visa estimular o repatriamento voluntário, garante. Para imediatamente prevenir:

Artigo 7
3-A. Se os Estados-Membros utilizarem - como último recurso - medidas coercivas para impor o afastamento de um nacional de país terceiro que a ele resista, tais medidas deverão ser proporcionadas e a utilização da força não deverá ultrapassar os limites do razoável.

Por outro lado, o recalcitrante fica a saber que, depois de repatriado,

Artigo 9:
"A duração da interdição de nova entrada será determinada tendo em devida consideração todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, não devendo em princípio ser superior a cinco anos".

Todavia,

"Essa duração poderá ser superior a cinco anos se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave à ordem pública, à segurança pública ou à segurança nacional"

Atenção, não estamos a falar de imigrantes condenados por terem cometido um crime no país de acolhimento. Estamos a falar de pessoas indocumentadas ou a tentarem renovar papéis. Esta discricionaridade tem, pelo menos, dois tipos de problemas:
O primeiro: em Itália, o novo governo quis avançar para um sistema generalizado de criminalização da condição imigrante. Depois de discussões com Bruxelas, começou a recuar. De momento, fica-se pela criminalização das prostitutas estrangeiras porque constituem "um atentado à segurança moral", sic!, parte integrante da sua "segurança nacional".
O segundo: este intervalo de tempo pode criar obstáculos ao direito de exílio. Basta para tanto que o repatriado tenha problemas políticos no seu país de destino. Impedir a sua reentrada durante um tão largo período pode significar uma condenação à prisão, à tortura ou à morte, por impossibilidade de lugar para onde fugir.

Relevante é que, de sibilina, a linguagem passa a militar.

A detenção

Eis as condições de detenção. Primeiro, a cenoura:

Artigo 14:
"A menos que no caso concreto possam ser aplicadas com eficácia outras medidas suficientes mas menos coercivas, os Estados-membros só poderão manter detido um nacional de país terceiro objecto de procedimento de regresso, a fim de preparar o regresso e/ou efectuar o processo de afastamento".

Essa detenção "durará o mínimo possível e só será mantida enquanto o procedimento de afastamento estiver em curso"

... e depois o pau.

Por um lado, "a detenção será ordenada pelas autoridades administrativas ou judiciais". Foram recusadas as emendas que punham termo à detenção administrativa.

Por outro lado,

"cada Estado-membro fixará um período limitado de detenção, que não poderá exceder os seis meses".

... "Excepto por um período limitado que não exceda outros doze meses, de acordo com a lei nacional nos casos em que, independentemente de todos os esforços razoáveis que tenham envidado, se preveja que a operação de afastamento dure mais tempo".

Lê-se e não se acredita, mas é mesmo assim porque esta gente é mesmo assim.

É assim, até com as crianças:

Artigo 15:
"Os menores não acompanhados e as famílias com menores só serão detidos como medida de último recurso e durante o período adequado mais curto possível."

Mas como o legislador admite que tal venha a suceder,

"os menores detidos deverão ter a possibilidade de participar em actividades de lazer, nomeadamente em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade"

Ah leão, grande Europa! Afinal, "o interesse superior da criança" é a nossa "consideração primordial"...

O luxo das instalações hoteleiras em que as crianças ficarão detidas - seguramente campos de férias - servem de referência às condições de alojamento previstas para os adultos. De facto:

"regra geral, a detenção terá lugar em centros de detenção especializados".

Por acaso, conheço vários dos 197 centros de detenção administrativa que existem actualmente na União. Tanto ou tão pouco, que a segunda alternativa prevista no segundo parágrafo do artigo 16 se afigura bem mais protectora...

"Se um Estado Membro não tiver condições para assegurar aos nacionais de países terceiros a sua detenção num centro especializado e tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os nacionais de países terceiros colocados em detenção ficarão separados dos presos comuns"...

Cinismo

Eis, grosso modo, o que os governos e o PE acabaram de aprovar. As organizações humanitárias classificaram esta directiva como sendo a da "vergonha". Não exageraram. E em matéria de vergonha, tanto vale a que faltou à maioria que aprovou no PE, como aos governos que a viabilizaram, neles se incluindo o nosso.

O governo português subscreveu o compromisso agora aprovado, escudando-se num artigo onde se escreve que a presente directiva "não prejudica o direito dos Estados¬ Membros adoptarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação".

Será esta uma posição sustentável para quem se diz europeísta? Pode um governo invocar a salvaguarda do seu actual quadro legal para abençoar um acordo que não deseja para o seu próprio país? Como pode Rui Pereira - o ministro que tem defendido esta tese - garantir que um futuro governo não aproveite as novas disposições para endurecer o nosso quadro legal? Ou que o próprio governo, em face de um endurecimento global das posições dos governos do mediterrâneo, não invoque esse novo contexto para, por sua vez, os imitar?

Miguel Portas (artigo publicado também no blogue Sem Muros )

Esquerda.net

terça-feira, junho 17, 2008

Não adoptem a directiva de retorno”, apelo aos eurodeputados

Manifestação realizada Sábado 14 de Junho em Lisboa - Foto de Gustavo Toshiaki
Amanhã, será votada pelo Parlamento Europeu (PE) a denominada "directiva do retorno" que alarga o prazo de detenção de imigrantes sem papéis e prevê a multiplicação das expulsões. Contra a directiva, impulsionada por Sarkozy e Berlusconi, estão a esquerda unitária, os verdes e a maioria dos socialistas. No PE existe uma maioria de direita, mas a directiva pode não passar. Um apelo aos eurodeputados para que não adoptem a directiva está a circular em meios culturais e da ciência europeus.
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