quarta-feira, janeiro 04, 2017
O direito à cidade A cidade deve ser considerada como um bem comum e a que todos têm direito – o direito à cidade. 15 de Dezembro, 2016 - 13:25h João Vasconcelos Teve lugar no mês passado em Quito, Equador, a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável - Habitat III. Esta Conferência acabou por aprovar uma Nova Agenda Urbana, procurando assim responder ao crescente processo de urbanização mundial, considerada a mais forte tendência populacional do Séc. XXI. Até 2050 a população urbana irá duplicar e os impactes nas cidades serão cada vez maiores. Impactes ambientais, sociais, económicos, demográficos e que vão estar cada vez mais concentrados nas cidades, com enormes desafios de sustentabilidade, desde a habitação, serviços básicos, criação de emprego, preservação dos recursos naturais. A cidade deve ser considerada como um bem comum e a que todos têm direito – o direito à cidade. Seria um importante passo para o futuro, essencial na construção de uma resposta alternativa à mercantilização dos territórios urbanos, que os transformam em meros espaços de reprodução do capital, diminuindo a sua função participativa, social e inclusiva. Infelizmente, esse passo não foi dado pela Declaração de Quito, que reconhece que a cidade deve ser para todas as pessoas, mas não consagra esse objetivo como um novo direito. Curiosamente, até chega a ser contraditório, visto desenvolver de forma muito precisa o conceito de “cidade competitiva” que favorece a criação do ambiente urbano socialmente segregador. Este foi um dos mais difíceis focos de divergência nas discussões prévias para se alcançar um texto subscrito por todos os países participantes. Sublinhe-se que a União Europeia, os Estados Unidos, a Colômbia e a Argentina rejeitaram o reconhecimento do direito à cidade. A Declaração de Quito consubstancia orientações para uma Nova Agenda Urbana mundial mas não concretiza metas. Constitui um avanço relativamente a anteriores documentos internacionais sobre as mesmas matérias, pelo seu âmbito universal, participativo e centrado nas pessoas, pelo reconhecimento da necessidade de dar especial atenção à resolução de múltiplas formas de discriminação. O papel dos movimentos sociais e das diversas plataformas cidadãs ao longo de anos foi decisivo para este resultado. O direito à habitação, em Portugal, está consagrado na Constituição No caso específico da habitação, o direito à habitação, em Portugal, está consagrado na Constituição. A atual maioria parlamentar foi fundamental para travar os ataques a esse direito levados a cabo pelo governo anterior. No que diz respeito ao universo de arrendamento, a lei datada de 2012 desequilibrou as relações em favor do proprietário: liberalizou o setor, facilitou o despejo, aumentou as demolições sem solução habitacional e aumentou as rendas. Em particular colocou em risco as camadas mais vulneráveis da população, nomeadamente pessoas com menores rendimento, idosos e pessoas com deficiência. Aliás, esse risco era reconhecido pelos próprios autores da lei e que por isso, no seu programa de governo, prometeram um prazo de transição de 15 anos para estes sectores da população. Acontece que na lei apenas inscreveram 5 anos. A correção desta injustiça é da maior urgência, tanto mais que esse prazo está prestes a terminar. Estamos neste momento no processo que levará ao alargamento desse prazo. No entanto, são necessárias medidas mais vastas para assegurar o direito à habitação. Desde logo, no combate à especulação imobiliária e, neste momento, também sobre o aumento dos preços face à gentrificação e à pressão do turismo. Da parte do Bloco de Esquerda, tudo será feito para garantir essas alterações legislativas. Relativamente à habitação de cariz social, Portugal apresenta um problema logo à partida. No país, apenas 3,3% do parque habitacional se destina a arrendamento social, o que representa metade da média europeia. Existe uma falta gritante na oferta pública de habitação. E, também nesta matéria, o anterior governo atacou o direito à habitação. Numa lei de 2014, aumentou drasticamente as rendas, facilitou os despejos, instituiu o princípio de que os bairros sociais devem ser rotativos e uma espécie de depósito de pobres e desresponsabilizou as entidades locadoras públicas das obras necessárias à qualidade do edificado. Deve-se referir ainda que estas normas e toda a discussão por parte da direita partiu de um preconceito contra quem vive em fogos sociais. A injustiça levou a lutas dos moradores. Felizmente, a nova maioria parlamentar permitiu recentemente alterar essa lei. Os problemas não acabam aqui. É necessário investimento público para reabilitar o parque habitacional que em muitos casos está degradado e garantir que o Estado dispõe de uma maior capacidade de oferta para suprir as necessidades sociais. Para um desenvolvimento urbano sustentável Para um desenvolvimento urbano sustentável é preciso ter em conta: 1. A importância da democracia e da participação cidadã na construção da cidade, do seu planeamento e da sua vivência. 2. A necessidade de alterar o paradigma de urbanização. A expansão da cidade para a periferia, à custa da gentrificação e de centros urbanos desertos face à degradação do edificado, não é um modelo sustentável e coloca em grande pressão a urbanização, seja pelos gastos públicos associados (infraestruturas como estradas, abastecimento de água, serviço de resíduos, eletricidade, serviços públicos, etc), seja pelo próprio direito à cidade e à qualidade de vida, seja pela sustentabilidade (menos gasto energético de transportes, ocupação mais inteligente do território, etc). 3. A necessidade de serviços públicos eficientes como transportes públicos, a que não está alheia uma boa organização da cidade. Intervenção sobre a "Nova Agenda Urbana" para o século XXI – Conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Alojamento e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), na Sala do Senado da Assembleia da República a 13 de dezembro de 2016 Sobre o/a autor(a) João Vasconcelos Deputado do Bloco de Esquerda, eleito pelo círculo de Faro e Vereador na Câmara de Portimão. Professor. Mestre em História Contemporânea. Versão de impressãoVersão de impressãoVersão PDFVersão PDF