O direito à cidade
A cidade deve ser considerada como um bem comum e a que todos têm direito – o direito à cidade.
Teve
lugar no mês passado em Quito, Equador, a Conferência das Nações Unidas
sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável - Habitat III.
Esta Conferência acabou por aprovar uma Nova Agenda Urbana, procurando
assim responder ao crescente processo de urbanização mundial,
considerada a mais forte tendência populacional do Séc. XXI.
Até 2050 a população urbana irá duplicar e os impactes
nas cidades serão cada vez maiores. Impactes ambientais, sociais,
económicos, demográficos e que vão estar cada vez mais concentrados nas
cidades, com enormes desafios de sustentabilidade, desde a habitação,
serviços básicos, criação de emprego, preservação dos recursos naturais.
A cidade deve ser considerada como um bem comum e a que
todos têm direito – o direito à cidade. Seria um importante passo para o
futuro, essencial na construção de uma resposta alternativa à
mercantilização dos territórios urbanos, que os transformam em meros
espaços de reprodução do capital, diminuindo a sua função participativa,
social e inclusiva.
Infelizmente, esse passo não foi dado pela Declaração de
Quito, que reconhece que a cidade deve ser para todas as pessoas, mas
não consagra esse objetivo como um novo direito. Curiosamente, até chega
a ser contraditório, visto desenvolver de forma muito precisa o
conceito de “cidade competitiva” que favorece a criação do ambiente
urbano socialmente segregador.
Este foi um dos mais difíceis focos de divergência nas
discussões prévias para se alcançar um texto subscrito por todos os
países participantes. Sublinhe-se que a União Europeia, os Estados
Unidos, a Colômbia e a Argentina rejeitaram o reconhecimento do direito à
cidade.
A Declaração de Quito consubstancia orientações para uma Nova Agenda Urbana mundial mas não concretiza metas.
Constitui um avanço relativamente a anteriores
documentos internacionais sobre as mesmas matérias, pelo seu âmbito
universal, participativo e centrado nas pessoas, pelo reconhecimento da
necessidade de dar especial atenção à resolução de múltiplas formas de
discriminação. O papel dos movimentos sociais e das diversas plataformas
cidadãs ao longo de anos foi decisivo para este resultado.
O direito à habitação, em Portugal, está consagrado na Constituição
No caso específico da habitação, o direito à habitação, em Portugal,
está consagrado na Constituição. A atual maioria parlamentar foi
fundamental para travar os ataques a esse direito levados a cabo pelo
governo anterior.
No que diz respeito ao universo de arrendamento, a lei
datada de 2012 desequilibrou as relações em favor do proprietário:
liberalizou o setor, facilitou o despejo, aumentou as demolições sem
solução habitacional e aumentou as rendas. Em particular colocou em
risco as camadas mais vulneráveis da população, nomeadamente pessoas com
menores rendimento, idosos e pessoas com deficiência. Aliás, esse risco
era reconhecido pelos próprios autores da lei e que por isso, no seu
programa de governo, prometeram um prazo de transição de 15 anos para
estes sectores da população. Acontece que na lei apenas inscreveram 5
anos. A correção desta injustiça é da maior urgência, tanto mais que
esse prazo está prestes a terminar. Estamos neste momento no processo
que levará ao alargamento desse prazo. No entanto, são necessárias
medidas mais vastas para assegurar o direito à habitação. Desde logo, no
combate à especulação imobiliária e, neste momento, também sobre o
aumento dos preços face à gentrificação e à pressão do turismo. Da parte
do Bloco de Esquerda, tudo será feito para garantir essas alterações
legislativas.
Relativamente à habitação de cariz social, Portugal
apresenta um problema logo à partida. No país, apenas 3,3% do parque
habitacional se destina a arrendamento social, o que representa metade
da média europeia. Existe uma falta gritante na oferta pública de
habitação. E, também nesta matéria, o anterior governo atacou o direito à
habitação.
Numa lei de 2014, aumentou drasticamente as rendas,
facilitou os despejos, instituiu o princípio de que os bairros sociais
devem ser rotativos e uma espécie de depósito de pobres e
desresponsabilizou as entidades locadoras públicas das obras necessárias
à qualidade do edificado. Deve-se referir ainda que estas normas e toda
a discussão por parte da direita partiu de um preconceito contra quem
vive em fogos sociais. A injustiça levou a lutas dos moradores.
Felizmente, a nova maioria parlamentar permitiu
recentemente alterar essa lei. Os problemas não acabam aqui. É
necessário investimento público para reabilitar o parque habitacional
que em muitos casos está degradado e garantir que o Estado dispõe de uma
maior capacidade de oferta para suprir as necessidades sociais.
Para um desenvolvimento urbano sustentável
Para um desenvolvimento urbano sustentável é preciso ter em conta:
1. A importância da democracia e da participação cidadã na construção da cidade, do seu planeamento e da sua vivência.
2. A necessidade de alterar o paradigma
de urbanização. A expansão da cidade para a periferia, à custa da
gentrificação e de centros urbanos desertos face à degradação do
edificado, não é um modelo sustentável e coloca em grande pressão a
urbanização, seja pelos gastos públicos associados (infraestruturas como
estradas, abastecimento de água, serviço de resíduos, eletricidade,
serviços públicos, etc), seja pelo próprio direito à cidade e à
qualidade de vida, seja pela sustentabilidade (menos gasto energético de
transportes, ocupação mais inteligente do território, etc).
3. A necessidade de serviços públicos eficientes como transportes públicos, a que não está alheia uma boa organização da cidade.
Intervenção sobre a "Nova Agenda Urbana" para o
século XXI – Conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre
Alojamento e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), na Sala
do Senado da Assembleia da República a 13 de dezembro de 2016
0 comentários:
Enviar um comentário