segunda-feira, janeiro 13, 2014

A Memória e o Poder Mítico do 18 de Janeiro de 1934

Publicamos no esquerda.net as conclusões da tese de mestrado de João Vasconcelos “O 18 de Janeiro de 1934 – História e Mitificação”, defendida em 2002. No 80º aniversário da greve geral revolucionária, a Cultra organizará uma exposição e um colóquio e o Bloco um jantar de comemoração na Marinha Grande.
Praça Stephens ocupada – Fotos extraídas do blogue 18janeiro1934.blogspot.pt
 
Alexandre Babo salientou que o 18 de Janeiro na Marinha Grande não teve no país a repercussão correspondente à sua importância, devido à censura à imprensa e ao clima repressivo de Salazar cada vez mais violentoi. Este velho escritor colocou o dedo na ferida – a importância, o peso do acontecimento revolucionário que teve lugar na vila vidreira. Tal não significa que as ações ocorridas noutras localidades, como as greves de Almada, Barreiro, Silves, Sines, fossem elas gerais de um, dois, três ou mais dias, ou os atentados da Póvoa de Santa Iria, Chelas, Coimbra ou Barreiro, para não citar todos, não tivessem sido igualmente importantes, mas foram-no significativamente muito menos.
Salazar castigou sem contemplações todos os seus autores, fossem eles anarco-sindicalistas, comunistas, sem partido ou de outra tendência qualquer. A repressão violenta e os actos punitivos “exemplares” eram características da Ditadura “bélico-escolástica” de Salazar, no dizer de Unamunoii, muito embora não atingissem as dimensões do fascismo italiano ou do nazismo alemão. Ao campo de concentração do Tarrafal foram parar homens envolvidos em diferentes tipos de ações que ocorreram no 18 de Janeiro.
A importância atribuída aos acontecimentos da Marinha Grande têm a ver, segundo julgamos, com dois fatores. Em primeiro lugar, pelo facto de ali ter eclodido um levantamento insurrecional armado da parte dos operários contra o regime ditatorial; em segundo, essa insurreição foi dirigida pelos comunistas. Os principais dirigentes sindicalistas eram afetos ao PCP e à Comissão Inter-Sindical, não obstante terem participado outras correntes, caso dos anarco-sindicalistas, como mencionou o próprio José Gregório no seu Relatório. A direção do movimento e a influência maioritária pertenceu ao Partido Comunista, como reconheceram os libertários Mário Castelhano e José Francisco, o socialista Edmundo Pedro, entre outros, para além dos próprios comunistas e até do regime salazarista.

Forças repressivas na Marinha Grande

O “Estado Novo”, através de diversos instrumentos, incluindo a imprensa, omitiu, manipulou e adulterou os acontecimentos, fazendo centrar a sua atenção sobre os seus aspetos “terroristas”, como o atentado que fez descarrilar o comboio na Póvoa de Santa Iria, e dando a entender que a ação marinhense seria secundária. No entanto, esta era considerada de um modo geral como a ação mais grave, fomentada por Moscovo, pelo bolchevismo, ou pela III Internacional. Não foi por acaso que à Marinha Grande afluíram tantas forças governamentais, ocupando-a militarmente – PSP, GNR, tropas de infantaria e artilharia, de caçadores, um esquadrão de cavalaria, elementos da PVDE e até a aviação sobrevoou a vila e o pinhal. Em nenhuma outra localidade se viu um aparato bélico de tal intensidade em homens e material de guerra, cujo objetivo era o de esmagar um grupo de operários “bolchevistas” (apelidando-os de díscolos, sanguinários, etc.), que tiveram a ousadia de se levantar em armas contra o regime. Havia que atuar depressa e drasticamente para não criar precedentes. Tanto mais que as ideias comunistas estavam a ganhar terreno, particularmente no seio do movimento operárioiii. Também não é por acaso que logo a seguir à tentativa da “greve geral revolucionária”, Salazar declarou que a ideologia “bolchevista” constituía a “grande heresia” do século XX.
Um outro aspeto a salientar é que o 18 de Janeiro na Marinha Grande “consubstanciou e até ofuscou toda a restante história do concelho”iv, como ainda hoje é reconhecido, o que está muito longe de acontecer em Silves, Almada ou Barreiro, onde as recordações do acontecimento já vagueiam nas brumas do esquecimento. Em termos históricos, têm maior significado para Silves aspetos do período islâmico, a reconquista da cidade em 1189, ou mesmo a greve de 90 dias que ali se verificou entre os operários corticeiros, em 22 de Junho de 1924, provocando um morto e vários feridosv, do que o 18 de Janeiro de 1934.
Em suma, a projeção que o 18 de Janeiro de 1934 atingiu deve-se à revolta armada por parte do proletariado da Marinha Grande, aliada ao facto de ter sido dirigida pelos sindicalistas do Partido Comunista. A greve geral de 1918 contra o Sidonismo, ou as grandes greves dos anos 40, muitas destas dirigidas pelo PCP, e que atingiram características de quase revolução social, ficaram muito aquém do 18 de Janeiro porque não tiveram a sua Marinha Grande. Será um erro considerar que a insurreição marinhense se insere na tradição do revolucionarismo republicano.
Mesmo que uma boa parte dos operários e da população que aderiram à revolta perfilhassem outro tipo de conceções, como o anarco-sindicalismo, o republicanismo ou outro ( e certamente que havia), os seus principais protagonistas identificavam-se com o PCP. José Gregório, Amarante Mendes, António Guerra, Manuel Baridó, Manuel Esteves de Carvalho, Augusto da Costa, Manuel Jubiléu, entre outros. Bastava que estes homens, no fulgor e na alegria da vitória, vitoriassem, ou dessem vivas ao Partido Comunista, à União Soviética, à Internacional Comunista, ou mesmo ao alegado “soviete”, como mencionou “Alberto”, para que toda aquela gente correspondesse entusiasticamente. (Todas as outras correntes acabaram assim por ficar secundarizadas, sendo os libertários os mais prejudicados). Mesmo que a vitória, com ou sem “soviete”, durasse apenas uma, duas ou três horas. É aqui que reside o poder mítico do 18 de Janeiro na Marinha Grande.
É um facto que os elementos do PCP/CIS atuaram debaixo de conceções de “revolução social” dos anarquistas, mas também atuaram impregnados pela política de “classe contra classe” defendida pela Internacional Comunista. Bento Gonçalves, atuando dentro dos parâmetros leninistas e analisando a conjuntura política em 1933/34, foi no entanto impotente para conduzir o partido no caminho das “greves e manifestações de massas”, como ele próprio afirmou, o qual se orientou em grande parte, na direção da “greve geral revolucionária”, pugnada pela CGT e pela CIS de José de Sousa. Todavia, o secretário-geral do PCP encontrava-se “refém” da política de “classe contra classe” aprovada pelo Komintern em 1928.

Presos no 18 de janeiro

No âmbito da nova tática delineada pelo VII Congresso da I. C., incluindo na fase preparatória, esta foi “implacável” nas críticas à sua Secção Portuguesa, nomeadamente no que respeita à atuação no 18 de Janeiro. Foi severamente criticada a cedência do Partido às conceções ideológicas do anarquismo por ter embarcado na chamada greve geral revolucionária, inclusive por se ter lançado na ação insurrecional da Marinha Grande, apresentando-a como um modelo de boa tática leninista, quando as condições no país se encontravam muito longe de uma situação revolucionária. O Próprio Bento Gonçalves não foi poupado às críticas e ele, como homem da Internacional, atuou em conformidade fazendo a sua autocrítica em Duas Palavras. Foi porventura demasiado severo para com a vanguarda operária e para com os próprios elementos partidários que atuaram na Marinha Grande. Assim se explica, em parte, os “silêncios” a que o partido relegou os acontecimentos da vila vidreira.
No entanto, independentemente das críticas do Komintern, da nova orientação tática do PCP, das acusações e contra-acusações da responsabilidade pela derrota do movimento entre anarquistas e comunistas, a revolta da Marinha Grande continuou a funcionar no consciente de uma parte do movimento operário português como um acontecimento mítico, em que, pela primeira vez na sua história, foi instituído um poder proletário de cariz socialista, ainda que numa pequena localidade e de forma efémera. Se não fosse a censura e se os operários tivessem mantido a vila nas suas mãos durante mais tempo, então a sua projeção mítica seria incomensuravelmente maior. Mesmo assim, a Marinha Grande passou a funcionar como um poderoso mito, mais como um símbolo do que um facto em si próprio, como um modelo de poder proletário. Tal como a Comuna de Paris, salvaguardando as devidas proporções, constituiu “a primeira experiência mítica de governo operário”vi, no dizer de João Medina.
Nos anos 60 e no período pós-25 de Abril as controvérsias aumentaram de intensidade em torno do acontecimento, centrando-se primordialmente na ação desencadeada na Marinha Grande. No seguimento da adoção da chamada linha “pacífica para o socialismo”, pelo PCP, no seu V Congresso de 1957, em consonância com as resoluções aprovadas no XX Congresso do P. C. da União Soviética, em 1956, o movimento “marxista-leninista” português acusou aquele partido de ter “renegado” os princípios leninistas da insurreição armada presentes na Marinha Grande. Desta forma, começou por reavivar a memória sobre a ação operária marinhense pegando na figura “mítica” de José Gregório, o mesmo sucedendo com o Partido Comunista que, agora sem quaisquer tipos de tibiezas e pruridos, passou a reivindicá-la e a celebrá-la de forma estrondosa adaptando-se aos novos tempos.
Os libertários, por direito próprio, voltam a entrar na contendavii. Eles, cuja ideologia estivera na base da “greve geral revolucionária”, estavam a ser obliterados da história da ação operária que ocorreu na vila vidreira, o que não deixa de ser um paradoxo e de constituir uma injustiça. Ainda por cima, foram-lhes atribuídos atos terroristas que eles próprios não cometeram, não obstante terem fornecido o suporte ideológico dos mesmos. Acabaram por “pagar o preço” de não ter sido a CGT a força dirigente na Marinha Grande. De qualquer forma, os velhos anarco-sindicalistas nunca se deram por vencidos nos últimos combates que travaram sobre o 18 de Janeiro, e continuaram, sempre até ao fim, inabaláveis nas suas conceções de Revolução Social.
Familares de presos

O 18 de Janeiro, de um modo geral, e em particular as comemorações do “levantamento heroico”viiie a figura “mítica” de José Gregório, suscitaram polémicas, interpretações, análises, debates, conferências, deturpações e omissões propositadas, tentativas de aproveitamento e de apropriações, ódios e paixões violentas, desde os protagonistas mais diretos, passando pelos sobreviventes, políticos, historiadores e investigadores. Até os socialistas reivindicaram o legado histórico da revolta operária da Marinha Grande, quando o dirigente máximo do PSP na altura, Ramada Curto, além de não ter hostilizado o “Estado Novo”, escreveu sobre as vantagens da legislação laboral corporativa, contra a qual se rebelou o proletariado de forma violenta.
Enquanto Mário Castelhano e Bento Gonçalves sucumbiram dolorosamente no cárcere tarrafalista, Ramada Curto ainda tentou, nos anos 40, reativar o Partido Socialista de forma legal. Só que, para Salazar, bastava unicamente a União Nacional.
A terminar, tudo leva a crer que o 18 de Janeiro representou o fim de uma época ao marcar uma rotura no movimento operário português. Por um lado, constituiu o termo de mais de meio século de sindicalismo livre, embora não deixasse de ser condicionado, consumando-se assim a liquidação da autonomia operáriaix. Por outro lado, representou o termo definitivo da hegemonia do anarco-sindicalismo no seio do movimento operário, que vinha desde os inícios da I República. O 18 de Janeiro também constituiu o fim de um período do próprio Partido Comunista, ainda muito impregnado pela ideologia e conceções do “reviralhismo” e do anarco-sindicalismo. A reorganização dos anos 40 vai “reconstruir” um outro tipo de Partido. Finalmente, ainda no rescaldo de mais uma, e da maior derrota operária do século XX, Salazar elegeu o comunismo como o principal inimigo a abater.
Para a história do movimento operário português, o 18 de Janeiro de 1934 faz parte da sua memória, em que os acontecimentos da Marinha Grande assumem um papel de relevo. A própria História dos factos, ao ser objeto de uma disputa tão furiosa, abriu o campo do Mito que, por sua vez, acabou por mitificar os acontecimentos. Em suma, se a História cedeu lugar ao Mito, este foi catapultado para o campo da Mitificaçãox. Mas a História, de forma progressiva, tenta reocupar o seu lugar. Com este nosso trabalho, procuramos contribuir um pouco mais para a história do 18 de Janeiro. Mas temos a consciência de que muito falta ainda por fazer.
Este texto de João Vasconcelos é a conclusão da sua Tese de Mestrado em História Contemporânea, defendida em 2002, e que tem o título: “O 18 de Janeiro de 1934 – História e Mitificação”.
As fotos são do blogue 18janeiro1934.blogspot.pt
 

Notas:
iCf. Alexandre Babo, Recordações de um Caminheiro, Lisboa, Editorial Escritor, 1993, p. 78.
iiVer João Medina, Salazar em França, cit., pp. 24-25.
iiiO combate ao comunismo constituiu uma das preocupações centrais do “Estado Novo”, ainda antes do 18 de Janeiro. Nos comícios de propaganda da União Nacional, o comunismo era apontado como uma ameaça à ordem, à família e à moral da nação portuguesa. Um relatório da Polícia de Informações, já em 1931, salientava que as ideias do comunismo cresciam entre a juventude e que a sua ‘(...) propaganda (...) é tão suavemente executada, nas escolas, nas oficinas e muito especialmente entre a classe média, que a corrente engrossa dia a dia’. A própria Confederação Geral de Trabalho, num relatório que enviou para a AIT de Berlim, em Fevereiro de 1932, encarava o alastramento da influência comunista, que se localizava principalmente em Lisboa, na região de Beja e no Algarve, “(...) como um dos mais difíceis problemas postos à ação dos anarco-sindicalistas» (V. J. Arsénio Nunes, «1933/34: A fascização do Estado e a política do PCP”, in Diário de Notícias, Suplemento História, de 18 de Janeiro de 1983, p. 14).
iv Cf. José M. Amado Mendes, História da Marinha Grande, cit., p. 185.
O 18 de Janeiro de 1934 constitui um marco indelével na própria memória coletiva da Marinha Grande. Estes traços encontram-se presentes em vários aspetos, como o Monumento que foi erigido ao “Movimento do 18 de Janeiro”, inaugurado em 1984; a inscrição, no Casal Galego, onde é assinalado o ponto de partida da ação; a própria imprensa local, que na altura do aniversário da ação evoca-a profusamente; inclusive na tradição oral, onde muitos dos sobreviventes têm tido um papel de destaque; e nas próprias peças teatrais.
A nosso ver, o 18 de Janeiro extravasou para além da própria memória coletiva da Marinha Grande. Passou a fazer parte da memória coletiva de toda a “família” comunista (onde se inclui o chamado movimento “m-l” ou o que resta dele, caso da UDP e de uma parte do novo movimento denominado Bloco de Esquerda), e também da memória coletiva do movimento operário português.
v V. José dos Reis Sequeira, Relembrando e Comentando, cit., pp. 59-66.
Foi Manuel Pessanha, dirigente anarco-sindicalista do 18 de Janeiro de Silves, que confirma a duração da greve entre os corticeiros, em 1924, em 90 dias. Aquando da manifestação popular para receber os filhos dos operários corticeiros, foi aquela atacada a tiro pela GNR que atingiu mortalmente Francisco dos Santos e feriu diversas pessoas, como o jovem José Vieira, correspondente de A Batalha, atingido com 4 tiros na perna direita (cf. A. H. S. – B. N., «Questionário», Espólio de Manuel Pessanha, Cx. 59).
vi Cf. João Medina, “A Comuna foi a primeira experiência mítica de governo operário”, (entrevista de António Simões do Paço e Luís Farinha), in História, Lisboa, III Série, ano XXIV, n.º 40, Novembro/Dezembro de 2001, p. 18.
Para João Medina, a Comuna constituiu a única experiência de poder operário, de poder dos trabalhadores, embora limitada a uma cidade, desde 1871 até à revolução bolchevique de 1917. “(...) os 60 ou 70 dias que a experiência de governo operário durou em Paris constitui-se como modelo possível, como a grande hipótese, de uma sociedade governada por trabalhadores, feita para trabalhadores” (ibidem, p. 19).
Sobre o mito, especificamente nacional e de uma maior profundidade, vide João Medina, “O Sebastianismo – exame crítico dum mito português”, in João Medina (dir. de), História de Portugal dos Tempos Pré-Históricos..., cit., Vol. VI: “Judaísmo, Inquisição e Sebastianismo”, pp. 251-386.
vii Os libertários no período a seguir ao 25 de Abril, socorrem-se de escassos meios de que dispõem, visto não estarem organizados partidariamente. Além de artigos em alguns jornais anarquistas, como A Batalha, Voz Anarquista, etc., recorrem aos depoimentos dos sobreviventes incluindo a sua participação em conferências e debates. Por exemplo, um desses debates foi o que teve lugar no dia 30 de Janeiro de 1988, subordinado ao tema “Atualidade do 18 de Janeiro de 1934”. A organização pertenceu ao Centro de Estudos Libertários. Foram oradores Emídio Santana, Sebastião de Almeida, Carlos Fontes e J. M. Carvalho Ferreira. Entre os cerca de 50 presentes, encontravam-se alguns ligados ao movimento, como José Francisco, Acácio Tomás de Aquino, José dos Reis Sequeira, Américo Martins Vicente, José Paulo Lola, Jorge Silva, Joaquim Pedro, Abílio Gonçalves e Sebastião de Almeida (in A Ideia, n.º 48, de Abril de 1988, p. 37).
viii A própria União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), através do seu jornal, URAP, dedicou um largo espaço às comemorações do “heroico levantamento do 18 de Janeiro de 1934», até porque alguns dos seus membros envolveram-se no 18 de Janeiro (v. “Razões do 18 de Janeiro de 1934 – Uma luta necessária”, in URAP, Lisboa, n.º 27/28, de Fev.-Março de 1984, pp. 13-14, e “O 18 de Janeiro de 1934”, ibidem, n.º 55, de Jan.-Março de 1991, pp. 6 e 8).
O 18 de Janeiro também deu nome a jornais de bairro, como O 18 de Janeiro, jornal do Bairro Operário dos Olivais, criado em 1975 (in Comércio do Funchal, n.º 2274, de 13 a 20 de Fevereiro de 1975, p. 9).
O movimento também deu nome a boletins culturais, como o boletim O 18 de Janeiro, editado pelo Grupo Cultural FOCITE, secção da Sociedade Filarmónica de Silves (v. “Da história do movimento operário de Silves”, in O Proletário Vermelho, Lisboa, n.º 65, de 2 a 8 de Fevereiro de 1977, p. 6).
ix V. Carlos da Fonseca, O 1.º de Maio em Portugal 1890-1990 crónica de um século, Lisboa, Edições Antígona, 1990, p. 80. Para Carlos da Fonseca, o 18 de Janeiro de 1934 “(...) foi mais o enterro de uma ficção do que a morte de uma realidade. O sindicalismo social-democrata da Federação das Associações Operárias autodissolveu-se com a liquidação voluntária do Partido Socialista em 1933. O anarco-sindicalismo eclipsou-se sem remédio sob a pressão económica da crise e das coronhadas da República. A pretensão de alguns comités iniciáticos representarem ainda a CGT não passou de uma miragem sem poder de sedução. Quanto ao sindicalismo vermelho, a sua efémera e inglória existência cancelou-se quando o Partido Comunista obrigou os militantes a aderir aos sindicatos salazaristas” (ibidem).
x Para sermos mais precisos, a mitificação do “sonho” da Marinha Grande teve início logo após a sua eclosão, quando os operários no rescaldo da derrota, cantavam poemas que eles próprios compunham, crendo no triunfo final da sua luta. Júlio Marques, um dos revolucionários envolvidos, escreveu o seguinte poema, cantando-o à frente do carro das vacas, fazendo do aguilhão guitarra:
“E nunca desanimai
Que um castelo também cai
À vingança hão-de chegar.
Lacraram a nossa mãe
Que tantos filhinhos tem
Que se andam a abraçar.
 
A ferros quatro lá estão
Sem se saber a razão
No Aljube estão internados.
Encerrem no coração
Que é a firma Roldão
Que de tudo são culpados.
 
Quando a roda desandar
Terão de se aguentar
Esses homens de galões.
Que longe de concordarem
Que há fome em tantos lares
Se venderam aos patrões.
 
A nossa solidariedade
É um gesto de humanidade
Que bonito que é a união.
Que do pouco que ganhamos
Com todo o gosto pagamos
Para os camaradas sem pão.
 
Nós temos de triunfar
Nada de desanimar
Nunca deixar a fileira.
Nas fábricas tocam apitos
Operários bradam aos gritos
Avante massa vidreira!”
(cf. “Viva o 18 de Janeiro de 1934!”)

0 comentários: