sábado, setembro 20, 2014

Um pouco de Pavel sabendo a muito pouco



O livro de Edmundo Pedro sobre a figura de Pavel (ontem apresentado publicamente em Lisboa), editado pela Parsifal, suscitou-me, quando da sua leitura, uma série de sentimentos contraditórios.

Por um lado, avulta a grandeza da figura de Pavel a par do efeito de tremendo absurdo do seu desconhecimento por parte da grande maioria dos portugueses, atingindo o patamar do absurdo trágico-maquiavélico na medida em que o desconhecimento de Pavel é consequência de uma estratégia de premeditado silenciamento por parte da máquina partidária mais eficiente e mais experiente a silenciar factos e figuras históricas (o PCP), constituindo uma das heranças vivas do estalino-cunhalismo. E, nesse sentido, o livro de Edmundo Pedro tem um valor de rectificação e justiça histórica para o qual não há encómios poupáveis.

Entretanto, e à medida que se avança na leitura do livro, as suas fragilidades sobem á tona. Afinal, Edmundo Pedro só conheceu Pavel na juventude de ambos, ou seja, antes do ostracismo de Pavel consumado pelo Komintern e pelos seus rivais no PCP e em duas fugazes visitas que o antigo dirigente do PCP fez ao nosso país (mas já em fase de auto-silenciamento) após 1974 e já tendo entrado este na sua velhice. Infelizmente, no que falta a Edmundo Pedro de conhecimento directo dos factos escondidos no “mistério de Pavel” (aquilo que revela já J P Pereira havia, grosso modo, escrito na sua biografia de Cunhal), sobra em sentimentalismos e em recurso a exageros e espraiamentos quer em polémicas mal conseguidas e um pouco indecentes (como a inútil contestação, com alguns remoques ofensivos à mistura, a Ludgero Pinto Basto, já falecido) como ainda em exageros em insinuações de subjectividade evidente sobre o papel de Cunhal na ostracização de Pavel. Felizmente, o livro termina com um belíssimo texto da filha de Pavel (Zinia Rodriguez) que nos dá os contornos da obra intelectual e artística de Pavel na sua segunda identidade criada e desenvolvida no México. Isto embora, infelizmente, Pavel, na sua vida mexicana, não tenha partilhado com a família a reflexão sobre a sua trajectória política (excepto, talvez, o seu choque e desgosto perante a revelação dos crimes do estalinismo no XX Congresso do PCUS), pelo que o texto de Zinia inserido neste livro é centrado na figura do intelectual Rodriguez (o segundo Pavel) e nada adiante sobre o apagamento, por comunistas, de um comunista eminente e heróico. 

Fechado o livro, a sensação dominante que fica é a da contradição viva inicialmente referida. A satisfação perante um acto de justiça histórica e pela oportunidade bem conseguida do labor editorial da Parsifal. E a contrariedade impaciente por o labor de uma escrita dedicada a Pavel não ter sido cometida, suportando-se naturalmente também da memória e das dicas de Edmundo Pedro mas investigando muito para além daí, a um historiador capaz de lidar, equilibradamente e distanciadamente, com os factos em apreço. Resumindo: com este livro, Pavel deu “um sinal de vida” saindo do túmulo do esquecimento em que o quiseram sepultar mas falta ainda a façanha de o recuperar, na sua grandiosa dimensão, para a história do combate político em Portugal e no mundo durante o século XX.

Água Lisa

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