sábado, agosto 18, 2012

"A renovação da direção faz o Bloco mais forte"

Na próxima Convenção, que terá lugar nos dias 10 e 11 de novembro, Francisco Louçã não se recandidata a coordenador da Comissão Política do Bloco de Esquerda. Neste artigo, o esquerda.net publica, na íntegra, a carta do dirigente bloquista "aos ativistas e ao povo do Bloco".
Foto de Paulete Matos.
Carta aos ativistas e ao povo do Bloco
Decidi que na próxima Convenção, no termo do meu mandato como porta-voz do Bloco, não me recandidatarei a essa função. Devo esta explicação em primeiro lugar aos ativistas e ao povo do Bloco, e é por isso que te escrevo para que a leias antes de qualquer outra pessoa.
Cumpri estas funções durante dois mandatos e dei a cara pelo Bloco desde a sua fundação. Julgo que é tempo de uma renovação da representação pública do nosso movimento. Determina-me a minha conceção pessoal do princípio republicano: na vida política, é preciso saber que o exercício de uma responsabilidade mais intensa tem sempre um tempo e que, numa luta coletiva, dar lugar aos outros é das decisões mais dignas a que somos chamados. A renovação da direção faz o Bloco mais forte.
Durante treze anos, dei tudo o que podia e sabia ao nosso movimento.
Neste tempo, estive contigo nesse trabalho imenso de dar corpo a uma esquerda socialista, uma esquerda de valores e convicções. Estivemos na luta contra as guerras e na defesa da escola pública, do serviço nacional de saúde e da segurança social. Ajudámos o país a perceber a condenação que é a precariedade dos jovens. Estivemos em movimento. Fomos à luta. Gostei do que fizemos.
Neste tempo, fiz mais de um milhão de quilómetros pelas estradas de tantas campanhas, comícios e reuniões. Encontrámo-nos lá. Provámos que se consegue o impossível.
Neste tempo, conseguimos algumas vitórias: o princípio da abertura do sigilo bancário e outras medidas contra a corrupção e a evasão fiscal, a redução dos contratos a prazo a um ano (que a direita anulou logo que conseguiu e que o PS passou a rejeitar), a despenalização do aborto, o fim da perseguição criminal aos toxicodependentes, o casamento gay, a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, a carta dos direitos do SNS, o acesso à procriação medicamente assistida, o reconhecimento dos direitos dos filhos dos imigrantes. Valeu a pena o que temos feito no parlamento e no país.
Discuti com cinco primeiros-ministros e disse-lhes do que é esta esquerda moderna e socialista. Discuti com candidatos a presidente e com adversários, como falei com amigos e aliados com quem temos tanto em comum. Gosto do confronto claro da esquerda contra a direita.
Neste tempo, publiquei onze livros de investigação científica ou de ensaio político ou histórico. Gosto do debate de ideias: escrevi o que pensava e fui à crítica.
Neste tempo, perdi amigos, camaradas e um irmão-de-armas, o Miguel. Não desisto de nenhum deles.
Tu e eu fazemos parte de um movimento que luta para mudar a vida e o mundo. Engana-se dramaticamente quem nos confunde com um comité eleitoral: só constitui uma liderança para a esquerda e para o país quem estiver preparado para vitórias e derrotas, quem não se iludir com aquelas nem se amedrontar com estas. Um dirigente de esquerda nunca vira as costas.
Porque tem essa coerência, o Bloco está hoje mais forte na opinião pública. Notaste que todas as sondagens do último ano nos vão indicando subidas do apoio popular e que em duas delas já ultrapassamos mesmo o CDS. O povo vai reconhecendo, na vida angustiante que a austeridade impõe, que temos razão ao rejeitar a devastação da troika, a ganância financeira e a estratégia do empobrecimento e do desemprego. Estamos por isso mais capazes de responder aos agiotas e ao governo das direitas.
Nas três reuniões que já tivemos com a troika, ficou evidente que os seus funcionários nada querem saber do que sofre este país e os seus trabalhadores, espoliados em salários, pensões e impostos para enriquecer o privilégio. A crise é mesmo a sua política. O nosso povo sabe por isso que a esquerda só conduzirá o país quando rejeitar o Memorando da troika, impuser o cancelamento da dívida abusiva e recuperar uma política esforçada de emprego. Temos por isso uma responsabilidade imensa, constituir uma alternativa de governo contra a bancarrota.
A Grécia demonstrou exatamente a que conduz a estratégia da destruição do Estado Social e porque é necessário um governo de esquerda. Mas demonstrou ainda que, no nosso tempo, a social-democracia é uma agência financeira, que o diretório da União Europeia se está a construir contra a Europa e que é necessária uma nova resposta social contra o fanatismo liberal. Esse é caminho do Syriza, o da coerência e da vitória. Para constituir uma liderança para Portugal, a esquerda precisa de ser socialista e de conduzir a luta da democracia e do trabalho contra o capital.
Com a sua coerência, o Bloco dará um contributo para esse reforço político. E com a renovação da direção, responderá também ao nosso tempo. Sei, e tu sabes, que não é fácil, mas temos equipas capazes de dirigir este esforço gigantesco que é uma esquerda socialista em ação. Para pensar esse novo modelo de direção fiz uma única sugestão: que a nova representação do Bloco seja assegurada por um homem e uma mulher. Sei que aparecerá o argumento de que isto não é tradicional e que este modelo, que entre nós foi proposto pelo Miguel Portas, é demasiado inovador. Penso o contrário: a renovação de estilos de liderança com a representação de homens e mulheres - já estamos no século XXI -, é o caminho normal da esquerda. Temos quem assegure esta capacidade de liderança. Como noutros partidos europeus, este modelo acentua o trabalho coletivo na direção e no movimento e é assim que nos fazemos mais fortes.
Finalmente, quero agradecer aos fundadores do Bloco, o Luís Fazenda e o Fernando Rosas, a sua experiência, inteligência e lealdade ao movimento e o seu empenho de sempre. Quero ainda agradecer-te muito em especial, a ti, a todos os ativistas, os meus camaradas, o que não se agradece, este tempo magnífico que estamos a viver na luta mais difícil, porque fazemos o que mandam a nossa consciência e a lealdade à esquerda.
Não é por isso uma despedida. Não preciso de te dizer que podes contar comigo para tudo. Sabes que assim será. Não faltarei a nenhuma das lutas a que a imaginação, a fidelidade aos valores de esquerda, a defesa do trabalho, a cultura da solidariedade nos vai levar. É assim que gosto de viver. Intensamente, incansavelmente, sem nunca desistir.
Francisco Louçã

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