Grécia: Aurora Dourada, a outra face da extrema direita europeia
A União Europeia revive os seus velhos demónios. A
crise social e democrática é um terreno fértil para o ressurgimento da
extrema direita. Na Grécia, a extrema direita é incarnada pelo Aurora
Dourada, um partido com referências neo-nazis assumidas, com 13% de
intenções de voto nas sondagens. Multiplicam-se as agressões racistas e
as violências políticas perpetradas pelos seus militantes e pelos seus
eleitos. Por Ivan du Roy.
Foto de ação do Aurora Dourada, extraída do site bastamag.net
Nas eleições legislativas de 2009, o Aurora Dourada1 recolheu 0,29% dos votos. Três anos mais tarde, o partido de extrema direita elegeu 18 deputados para o parlamento grego, com 7% dos sufrágios. Atualmente, as sondagens creditam-no com cerca de 13% das intenções de voto, o que o tornaria na terceira força política do país, depois da Nova Democracia (direita) e do Syriza, “a coligação da esquerda radical”. Para obter este resultado, não teve necessidade de “renovar” a sua imagem, como fez a Frente Nacional em França. “Não estamos a falar de um partido de extrema direita clássica”, resume Dimitris Psarras, jornalista grego autor do livro “O livro negro do Aurora Dourada”, que está a ser traduzido para francês para as edições Syllepse. Longe de se ter moderado, pelo menos na aparência, “a organização, depois do seu sucesso eleitoral, tornou-se mais provocadora e mais agressiva”. “Para eles, não há distinção, toda a esquerda deve ir para as câmaras de gás”, comenta Moisis Litsis, um dos fundadores do comité grego contra a dívida e responsável sindical, ele próprio apontado a dedo pela imprensa de extrema direita como “tesoureiro [do seu sindicato] e judeu”.
A crise não explica tudo
Como se chegou a isto? Como é que um partido claramente neo-nazi, que multiplica as agressões de rua e os discursos assumidamente racistas, está agora em condições de negociar um lugar numa coligação governamental de um país membro da União Europeia? Nas próximas eleições, previstas para 2016, “não se pode excluir uma aliança entre a Nova Democracia e o Aurora Dourada, mesmo que não seja este o cenário mais provável”, diz Dimitris Psarras. No resto da Europa, só o partido húngaro Jobbik, abertamente racista, anti-semita e negacionista, tem um sucesso eleitoral semelhante (16,7% dos votos nas eleições legislativas de 2010). Outras formações similares obtiveram alguns resultados significativos, em particular na Alemanha ou no Reino Unido, mas sempre localmente2.
A crise não explica tudo. “Nós não registamos, de momento, crescimento da extrema direita em Portugal ou em Espanha”, lembra o jornalista. Na Grécia, as medidas de austeridade impostas pela troika – Comissão Europeia, Banco central europeu (BCE) e FMI – conjugam-se com o afundamento do sistema político. O panorama eleitoral foi totalmente subvertido: em três anos, os dois maiores partidos que governaram a Grécia desde o fim da ditadura em 1974, os sociais-democratas do Pasok e a direita clássica da Nova Democracia, perderam mais de metade dos seus eleitores, caindo de 77% para 32% em percentagem dos votos conjuntos. Isso não os impede de continuarem a governar juntos.
Banqueiros, extrema direita e troika
Acima de tudo, a democracia grega parece ter sido posta entre parênteses pela troika que impõe os seus memorandos ao país. “Não há uma única medida das leis pré-fabricadas pela troika que não tenha passado. As pessoas perguntam para que serve o parlamento? Para que serve ter eleitos?”, aponta Panagiotis Grigoriou, historiador e etnólogo, autor do blogue Greek Crisis3. “A democracia grega estava longe de ser perfeita, mas quando é anulada, quando se achincalha constantemente a Constituição, a porta está aberta para uma mudança de regime... Neste contexto, a chegada do Aurora Dourada não é um acaso.” A precedente coligação no poder, dirigida por Lucas Papademos, antigo vice-presidente do BCE, abriu-se a um partido de extrema direita, o “Alerta popular ortodoxo” (LAOS) Pela primeira vez desde a ditadura militar. Outro sinal da agonia da democracia: o atual governo mandou a polícia tomar de assalto os emissores da radiotelevisão pública, um encerramento arbitrário que foi apoiado pelo Aurora Dourada. Como combater a ascensão do partido de extrema direita, se o governo apoiado pelos dirigentes europeus se comporta ele próprio como uma junta de golpistas?
Foto de ação do Aurora Dourada, extraída do site bastamag.net
Quem são os eleitores do Aurora Dourada? “A distribuição de votos é praticamente igual em toda a Grécia, mesmo nas pequenas cidades e aldeias onde não há imigrantes”, explica Dimitris Psarras. O partido obteve o seu primeiro sucesso eleitoral no centro de Atenas, ao eleger o seu chefe Nikólaos Michaloliákos como conselheiro municipal. Uma cartografia eleitoral da extrema direita diferente da de França, em que o voto FN se enfraqueceu nas áreas urbanas, incluindo os subúrbios populares das grandes cidades, para se desenvolver nas zonas “semi-urbanas” mais afastadas dos grandes centros.
Néo-nazis? “Isso já não tem importância”
“Aqueles que ainda têm esperança votam, no Syriza [a nova coligação de esquerda passou em 3 anos de 4,5% para 17% e tem entre 25% a 30% intenções de voto nas sondagens]. Os que estão desesperados votam no Aurora Dourada”, avança o especialista em extrema direita. O eleitor tipo do partido neo-nazi é “um homem jovem com um nível de educação bastante baixo”. Os seus candidatos obtêm algum sucesso entre os trabalhadores não qualificados, os desempregados de longa duração – a taxa de desemprego é oficialmente de 27% - e os pequenos patrões. O partido da cruz suástica estilizada agrada também aos polícias: 40% dos agentes das “forças especiais” usadas na manutenção da ordem terão votado Aurora Dourada nas últimas legislativas. Uma implantação muito mais inquietante do que no exército onde a organização, de momento, chega a cerca de 10%. Recordemos que é a polícia que está encarregada de investigar os crimes racistas e as agressões aos imigrantes. “Também há pessoas que beneficiaram das redes clientelistas do Pasok [que governou a Grécia durante quase duas décadas], que já não beneficiam disso, se sentem traídos e querem atualmente vingar-se dos políticos”, completa Panagiotis Grigoriou.
A memória ainda viva dos anos de ditadura (1967-1974) até agora confinava a extrema direita a resultados eleitorais anedóticos. A crise, o afundamento súbito do sistema político e clientelista, os diktats da troika sem verdadeiras reformas, o despertar do nacionalismo desde a independência da Macedónia (nome reivindicado pela Grécia4), o ressurgimento da islamofobia com a chegada de imigrantes do Médio Oriente, varreram as resistências. “As pessoas que votam Auroram Dourada sabem que é uma organização neo-nazi. Mas a situação política e social é tão terrível que isso já não tem importância”, suspira Dimitris Psarras.
A ditadura dos coronéis na origem
O Aurora Dourada é um partido “anti-sistema”? “O Aurora Dourada nunca esteve fora da sociedade. Eles mantiveram laços com alguns armadores gregos ricos e com os antigos responsáveis da ditadura”, responde o jornalista. O líder do Aurora Dourada, Nikólaos Michaloliákos (56 anos), é um puro produto da ditadura de extrema direita. Deu os seus primeiros passos na política no início dos anos 70, num movimento ultra-nacionalista, o único que foi autorizado pelo regime militar5. No fim da ditadura, Michaloliákos esteve na prisão, por detenção de armas e explosivos em ligação com a organização neofascista italiana Ordem Nova ( Ordine Nuovo), cujos militantes são suspeitos de vários atentados e assassinatos na Itália nos anos 70. Depois de uma curta passagem pelo partido nacionalista criado por ex-membros da junta (cujo advogado é também o irmão de Nikólaos, Panagiotis Michaloliákos), ele concentra-se no Aurora Dourada, que fundou em 1980.
Foto do líder do Aurora Dourada, Nikólaos Michaloliákos, extraída do site bastamag.net
Além do anti-semitismo, do racismo e das referências ao nazismo, as influências dos anos 30 estão muito presentes no seu programa. Ele reivindica uma “Grande Grécia”, estendendo-se da Albânia ao Chipre, passando por territórios búlgaros e turcos. Se a Alemanha impõe uma austeridade drástica à Europa mediterrânica, a culpa é dos “judeus que persuadiram Angela Merkel a conduzir essa política”, descreve Dimitris Psarras. Os teóricos do partido sonham com um novo eixo privilegiado entre a Grécia e a Rússia, o novo regime autoritário na moda entre a extrema direita europeia, incluindo para Marine Le Pen6.
A caça aos “sub-humanos”
Outra semelhança com os anos 30: os simpatizantes do partido organizam distribuições muito mediáticas de produtos alimentares destinados apenas aos gregos, mediante a apresentação de um documento de identificação. No início de maio, uma destas iniciativas diante do parlamento foi proibida pelo presidente da Câmara de Atenas, que a qualificou de “sopa popular do ódio”. “A máquina do partido desenvolve as suas forças como uma teia de aranha por todo o país. O momento é do ativismo político e social numa sociedade que se pauperiza de forma dramática”, escreve Filippa Chatzistavrou, advogada e professora na Universidade de Atenas. “Os pontos de semelhança com os métodos do partido nazi NSDAP (partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães) em Weimar são impressionantes.”
E também na extrema brutalidade face aos não-gregos, esses “sub-humanos” descritos pela deputada Eleni Zaroulia. A 6 de maio, em Atenas, não muito longe da sede do Aurora Dourada, um rapaz de 14 anos foi golpeado na cara com garrafas partidas por três homens vestidos de negro usando t-shirts com o logotipo do partido. O seu crime: ser afegão. “O jovem afegão, vítima desta agressão terrível, dirigiu-se ao departamento de tratamento de violência racista da polícia grega para fazer queixa e foi preso e recebeu ordem de expulsão para o seu país pela polícia, sob o pretexto de não ter documentos; a sua expulsão só pôde ser evitada in extremis devido à intervenção do Alto Comissariado da ONU para os refugiados”, conta o Jornal dos redatores, um diário criado durante a crise, e um dos raros a sobreviver.
“Desalojar o Aurora Dourada vai ser complicado”
A ameaça do Aurora Dourada pode ser travada? Não pelo governo atual que se contenta em simplesmente colocar no mesmo plano a organização neo-nazi e a esquerda radical do Syriza. E retoma por sua conta algumas propostas dos sulforosos deputados, como o recenseamento dos filhos dos imigrantes inscritos na creche, sob o pretexto de que não haverá lugares suficientes para os gregos, ou a multiplicação das rusgas contra os sem-papéis. No terreno, multiplicam-se as ações de solidariedade nos bairros e as resistências face às “patrulhas” do Aurora Dourada, por iniciativa nomeadamente dos movimentos anarquistas e antifascistas.
No cenário eleitoral, a esquerda continua muito dividida e dispersa. O muito ortodoxo Partido Comunista grego (KKE, 8,5% dos votos em 2012) atua sozinho. O centro-esquerda (Dimar, 6%) escolheu participar na coligação governamental, tornando difícil uma futura aliança com o Syriza (17%), que é cada vez mais criticado por formações de extrema esquerda pela sua “institucionalização”. Para que a esquerda aceda ao poder ainda será preciso que ela proceda às manobras necessárias para tirar a Grécia da espiral infernal. “Comparado com outro períodos difíceis, o Aurora Dourada pode estagnar ou crescer, mas desalojá-la vai ser difícil”, pensa Panagiotis Grigoriou. A noite castanha do Aurora Dourada cobrirá de novo a Grécia?
Artigo de Ivan du Roy, publicado em Basta! a 1 de julho de 2013. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
1 Chryssi Avghi, em grego.
2O
NPD alemão (Partido nacional-democrata) conta com eleitos regionais em
dois Lands, na Saxónia desde 2004 e em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental
desde 2006, assim como conselheiros municipais em várias cidades. O
“National Front” britânico passou a barra dos 5% no Condado de Rochdale
(Manchester) em 2010.
3 Assim como de um livro, “A Grécia fantasma, viagem ao fundo da crise”, a ser publicado nas Éditions Fayard em setembro.
4
Em 1991, a antiga Republica jugoslava da Macedónia separou-se e
declarou a independência, mas a Grécia contesta-lhe o nome de Macedónia,
nome de um conjunto de três regiões gregas.
5
O “Partido do 4 de agosto”, cujo nome faz referência ao golpe de estado
militar que coloca o general Metaxas no poder em 1936, um regime que
segue uma política bastante pró Alemanha hitleriana antes da sua queda
em 1941.
6 “Não escondo que, em certa medida, admiro Vladimir Putin”, declarou ela a um jornal russo em outubro de 2011.
Esquerda.net
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