O papel das mulheres na construção da paz |
O
respeito pelos direitos humanos é muitas vezes "esquecido" no que toca
às mulheres quando falamos de conflitos armados. Como tal, a questão do
género ganha especial importância quando falamos deste contexto, uma vez
que os conflitos armados têm impactos diferentes em mulheres e homens. A história de conflitos armados e genocídios é extensa, e é sabido que a violência sexual é uma das formas mais comuns de violência sobre as mulheres, especialmente em conflitos étnicos, religiosos, ou baseados na identidade das comunidades. As mulheres são vistas como alvos lícitos e os seus corpos fazem parte dos campos de batalha. Quando as mulheres representam a honra de uma comunidade, a sua violação e gravidez forçada são formas de atingir e destruir essa comunidade, sendo as mulheres consideradas trofeus de guerra para os vencedores. As atrocidades cometidas contra mulheres e crianças não foram, durante vários anos, temas prioritários nas relações politicas internacionais; porém uma sucessão de acontecimentos trouxe para a agenda este tema. Em 1947, a Organização para as Nações Unidas (ONU) criou a Comissão para o Estatuto das Mulheres, mas foi apenas numa conferência da mesma organização em 1975 que se reconheceu que, em conflitos armados, são as mulheres e crianças as mais vulneráveis, reconhecendo também a importância de incluir as mulheres nos processos de manutenção de paz pós-conflito. A partir de 1985, após uma conferência em Nairobi, a ONU prioriza definitivamente a necessidade de envolver as mulheres nas questões da paz e segurança em zonas de conflito, culminado em 1993 na aprovação da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres. Em 1998, a violação e a violência sexual em contexto de conflitos armados são reconhecidas como Crimes contra a Humanidade. Contudo, e apesar deste esforço, as mulheres continuam a ser excluídas dos processos de decisão nas negociações e acordos de paz, apesar do seu papel na mediação e reconciliação a nível local. A percepção das mulheres apenas como vítimas durante conflitos armados obscurece os seus papéis enquanto actrizes nos processos de reconstrução e construção da paz. A ajuda prestada às mulheres que sofrem tal violência tem que ser fornecida de forma a que elas não sejam somente vistas como sujeitas passivas, mas sim como protagonistas activas das suas próprias vidas. As mulheres não podem ser limitadas ao papel de vítimas em situações de conflito armado; pelo contrário, elas devem tornar-se motores da mudança social para que todas possam viver livres de todas as formas de violência. Torna-se por isso necessário ir além da imagem das mulheres enquanto vítimas de guerra, e identificar as diversas iniciativas de construção da paz promovidas pelos grupos locais de mulheres. Estes grupos trabalham para a sua inclusão no contexto alargado da construção da paz identificando as preocupações e competências específicas das mulheres, até porque, por vezes, são elas que detêm o poder informal das suas comunidades. Apesar dos processos de paz seguirem dois caminhos paralelos, o formal e o informal, este último é relegado para segundo plano uma vez que é levado a cabo, essencialmente, por grupos e organizações voluntárias locais, enquanto o primeiro, que tende a ser androcêntrico e caracterizado por uma baixa representação feminina, costuma ter grande cobertura e aceitação internacional. São as organizações locais de mulheres, sejam elas formais ou informais, que promovem a construção de uma nova cultura de paz, tendo um papel activo na reconciliação entre comunidades, na defesa e promoção dos direitos humanos, no combate á pobreza e iliteracia e capacitação nas esferas económica, social, cultural e politica; estas organizações desempenham ainda um importante papel no apoio às vítimas dos conflitos criando espaços de reconstrução dos quotidianos. Os acordos de paz, a recuperação rápida e a governação pós-conflito obtêm melhores resultados quando as mulheres estão envolvidas pois estas dão um contributo decisivo, em parte, porque adoptam uma abordagem mais inclusiva da paz e segurança, e tentam encontrar soluções para questões económicas e sociais importantes que podem ser os alicerces de uma paz sustentável (UNIFEM, 2006). É no entanto preciso encarar a paz como mais do que a mera ausência de guerra tornando a desmilitarização dos países urgente. Restaurar a paz em países afectados por conflitos internos exige mais do que a mera cessação dos conflitos, exige que sejam desenvolvidos esforços no sentido de desmobilizar, desarmar e desmilitarizar sociedades que durante anos estiveram envolvidas em conflitos armados prolongados, eliminando assim o risco do conflito ser retomado ou da guerra civil ser sucedida pela violência social que impossibilitaria, por exemplo, a reintegração de refugiados/as, provocando novas deslocações da população, revitimizando novamente as mulheres. Além disso, a desmilitarização desses países permitiria que os enormes orçamentos destinados á compra de armas e manutenção de bases militares e exércitos fosse destinado para programas de combate á pobreza, acesso á educação ou saúde. Para que uma paz activa se torne realidade é necessário lutar pelo reconhecimento integral dos direitos das mulheres, pela participação equitativa e paritária nos processos de construção de paz, pela erradicação da pobreza, da violência e da exclusão, pela promoção da solidariedade, pela existência de um sistema de justiça independente, e por uma educação para a paz e não sexista. A resolução 1325 do conselho de Segurança das Nações Unidas sublinha o impacto da guerra nas mulheres e exige que os estados incluam as mulheres em todas as negociações de paz e nos processos de resolução de conflitos. A sua aprovação foi o resultado do trabalho feito pelas organizações e acções das mulheres (1).
Vânia Martins
ReferênciasMarcha Mundial das Mulheres, Documento da 3ª Acção internacional, 2010 In A Comuna |
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