sábado, novembro 02, 2013

A propósito do guião sobre o programa de desmantelamento das funções sociais do Estado na vertente "Educação"

O dito guião da reforma do Estado terá de ser lido à luz das que têm sido as políticas do governo, as medidas que as concretizam, os programas eleitorais de PSD e CDS, o programa do governo, o memorando da troika, os últimos orçamentos do Estado e a proposta de OE para 2014. Tudo isto dá origem a uma mistura explosiva que poderá, a breve trecho, pôr em causa o futuro de Portugal. Já não apenas da Escola Pública ou da Administração Pública, mas do Portugal que resultou de Abril, daquele que se funda na CRP, do que permitiu construir um Estado com funções sociais importantíssimas para a generalidade da população.
Este “guião”, no que à Educação diz respeito, não poderia ser mais esclarecedor, logo no título, quanto aos seus objetivos – Educação: propostas de autonomia, liberdade de escolha e escolas independentes.
Ainda no que se refere a esta área, tal como às demais, as coisas começam a ficar muito claras logo nos capítulos introdutórios, seja no que se refere ao futuro da Escola Pública e ao papel do Estado na área da Educação, como às próprias condições de trabalho, sociais e laborais dos seus profissionais. Senão vejamos alguns exemplos:
1.2 Condicionantes da redução da despesa
“…não há qualquer possibilidade de superar a emergência financeira sem reduzir a despesa pública; e não há qualquer possibilidade de reduzir a despesa pública sem ter impacto nos salários das Administrações Públicas e nas aposentações do Estado” (pg 11);
“…não se vislumbra outra possibilidade de comprimir a despesa neste sector que não seja revendo, com proporcionalidade e em função dos rendimentos, os níveis salariais praticados” (pg 15).
E se estes excertos têm a ver com a situação salarial dos funcionários públicos, logo, diretamente dos docentes das escolas públicas e indiretamente do setor particular e cooperativo, outros aspetos há em que, segundo o atual governo, deveria existir um entendimento entre todos, ficando claro que esse entendimento se deveria orientar para um ataque forte aos trabalhadores e aos serviços públicos que eles servem. Eis alguns exemplos:
1.5 Consensos para uma política de Administração Pública
- A constitucionalização da chamada regra de ouro da disciplina orçamental que obrigará a políticas de austeridade para os trabalhadores a manter-se por um tempo que não tem fim à vista;
- Uma grande redução do número de funcionários públicos que, alegadamente, passariam a ser mais bem pagos;
- Flexibilização do vínculo do trabalhador em funções públicas com o Estado;
- Condução a um tempo infinito para que se possa, gradual e progressivamente, recuperar rendimento dos funcionários e aposentados do Estado;
- Criação de um programa permanente de rescisões por mútuo acordo;
- Cada vez maior promoção do trabalho a tempo parcial e da reforma a tempo parcial;
- Nova revisão dos modelos de avaliação dos funcionários públicos;
- Fixação de objetivos de contratação, não tanto numa lógica de carreira mas de postos de trabalho… (pgs 23 a 27)
Mais à frente, é confessado o objetivo “mudar de modelo” e, no conjunto de considerações sobre o conceito de reforma, podemos ler:
2.1 Mudar de modelo é diferente de cumprir metas
- Reformar o Estado é continuar a privatizar e, portanto, retirar o Estado de participações empresariais que não fazem parte das suas funções nucleares (pg 29). Todos sabemos que para o atual governo estas funções nucleares não incluem a Educação.
- Reformar o Estado, é reforçar a política de concorrência para garantir a função reguladora numa economia de mercado (pg 31)
- Reformar o Estado, é também democratizar a autonomia das escolas e reforçar a autoridade do professor no novo estatuto do aluno. Concluiu-se um regime descentralizado de gestão escolar e a rede escolar teve de ser reordenada, tendo em conta as contingências demográficas e territoriais. Fez-se uma opção pública pela exigência, com a instituição de exames nacionais no final dos ciclos escolares, reforço do Português e da Matemática nos currículos e densificação nas metas curriculares. Estabeleceram-se critérios de transparência na gestão dos recursos da ciência e de maior justiça no estatuto do bolseiro de investigação. (pg 33)
- Reformar o Estado é, na área social, desenvolver uma política de maior contratualização com as IPSS (pg 33)… que se prepare o Pré-Escolar para o ataque.
Ainda no plano geral, podemos ler o seguinte:
3.1 Nem estatização nem Estado mínimo
…a contratualização de uma oferta mais diversificada, a concessão de serviços e bens, a “gestão pela sociedade ou pelas comunidades” de novas responsabilidades, são alguns desses instrumentos que, com o devido enquadramento legal, podem e devem ser maximizados. (pg 44)
Ou ainda:
3.4 Agregar municípios, mais descentralização de competências
Preparar novo processo de transferência de competências da Administração Central para os municípios e as entidades intermunicipais (pg 51).
É, pois, neste contexto de definição de um novo modelo social, que assenta em políticas de matriz claramente neoliberal, que surgem as propostas concretas para a Educação. Estas, no essencial, confirmam o programa eleitoral do CDS-PP que o PSD acompanha sem esforço.
O que se advoga para a Educação é, numa só palavra, privatizar. Isso fica claro, como se afirmou atrás, na própria designação do capítulo sobre a Educação. Este capítulo inicia-se logo com uma afirmação hipócrita e cínica, como é timbre do MEC, decerto a sede em que foi escrito: “A função educativa do Estado é primordial e não está – nem estará – em causa. É, aliás, uma das mais importantes do ponto de vista da visão alargada do Estado Social, pois ajuda como nenhuma outra na construção de uma sociedade com oportunidades, superação de desigualdades sociais e qualificação dos jovens”. Tudo isto é verdade, mas as políticas que são desenvolvidas por quem escreveu tal afirmação negam em absoluto o texto. Depois, o que surge, como medidas concretas, afinal, limita-se a ser mais do mesmo mas em doses reforçadas:
- A Municipalização através de “verdadeiras concessões de escolas”. Temos aqui uma clara intenção de continuar a desresponsabilizar o poder central em matéria de Educação e de, através deste processo de municipalização (concessões de escolas), também desenvolver linhas de privatização, por contratualização dos municípios com empresas privadas, como, aliás, já acontece com as AEC.
- Avançar com um maior número de contratos de autonomia como outra forma de transferir responsabilidades, neste caso não para os municípios. mas para as próprias escolas. Como se sabe, não se trata de autonomia no plano pedagógico, pois nessa matéria o MEC não abdica de ditar as regras para constituição de turmas, autorização de projetos ou colocação de docentes e pessoal não docente.
- Criação de escolas designadas por independentes. No ano passado, o CDS promoveu debates internacionais sobre o assunto e até se provou que, afinal, os resultados dos alunos das escolas privadas não eram melhores do que os das escolas públicas. Se o MEC pretendesse que fossem os professores a gerir as escolas públicas, já teria adotado um regime de gestão democrática e não continuaria a afastar os professores da gestão das escolas e a desvalorizar os órgãos em que os professores participam, seja o Conselho Pedagógico, sejam as diversas estruturas intermédias de gestão. O que teríamos, se isto avançasse, seriam alguns “testas de ferro” em representação dos grupos empresariais que atuam no setor (GPS e companhia). Na verdade, o que o governo pretende é livrar-se das escolas e dos seus profissionais. Esta é matéria de duvidosa constitucionalidade, cuja fiscalização deverá ser por nós suscitada junto das instâncias adequadas, caso avance o projeto.
- O novo ciclo de contratos de associação, que só pode ser lido como o alargamento desta contratualização até que se esgotem as capacidades dos colégios. Quanto ao final deste ponto, é apenas mais uma mentira que: “Como é sabido, globalmente, as escolas com contrato de associação respondem bem nos rankings educativos”.
- Depois aparece a intenção de regulamentar e aplicar efetivamente o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo. Ou seja, mais um parágrafo de preocupações com o privado. Deveremos, no que concerne a este estatuto (que, entretanto, o PR já promulgou), insistir junto dos grupos parlamentares para que requeiram a fiscalização sucessiva da sua constitucionalidade.
- Depois é a preparação da aplicação do chamado cheque-ensino. Outra mentira destes governantes. Ainda há 2 meses, quando se dizia, a propósito do estatuto do EPC, que se tratava da tentativa de implementar cheque-ensino, negaram e acusaram quem a isso se referia de estar a tentar enganar as pessoas. Aí está agora. A mentira vive na 5 de outubro e no Palácio das Laranjeiras (neste caso, duplamente).
- Há também a indispensável referência ao desenvolvimento do ensino profissionalizante e da sua vertente dual (aí está o modelo alemão) que culminará no novo ensino politécnico com cursos de ciclo curto. Teremos, provavelmente, os 40% de jovens, até 2020, com um diploma superior, não se esclarece é “superior a quê?”. O que António Nóvoa apontava como um erro que não deveria ser cometido parece estar em vias de se cometer: para o público fica a missão social – a tal grande escola profissional de segunda qualidade – e para o privado o acesso ao conhecimento. Reprovável esta opção.
Por fim, oposição tenaz e luta tremenda ao que este “guião” procura promover é o que podemos prometer, mas sem deixarmos que o “guião” retire clarividência na definição das prioridades da intervenção sindical. Sem dúvida que, neste momento, o OE para 2014 não poderá ser desvalorizado face a este “guião”, até porque se trata de um instrumento importante deste programa de desmantelamento da Escola Pública, sendo a que, no imediato, o governo, a maioria PSD / CDS-PP e o Presidente da República estarão mais empenhados em levar por diante.
Urge, da sociedade portuguesa, levar por diante uma forte luta em defesa das funções sociais do Estado. A FENPROF, assumindo as suas responsabilidades, continuará a divulgar profusamente a Carta Aberta que aprovou em defesa da Escola Pública e assume a responsabilidade de ajudar a unir vozes e a construir convergências em torno deste nobre objetivo.
Para uma leitura conjunta e cruzada, junta-se a tomada de posição sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2014, bem como a Carta Aberta divulgada pela FENPROF.
O Secretariado Nacional da FENPROF
2/11/2013

0 comentários: