terça-feira, fevereiro 07, 2012

Será a Grécia ainda viável? (E a Europa ainda é?)

por Yannis Varoufakis [*]

"Talvez seja historicamente verdadeiro que nenhuma espécie de sociedade perece salvo pela sua própria mão"
(John Maynard Keynes) [1]
A maior parte dos gregos, no fundo do coração, sabe que Keynes estava certo. Nossa privação e indignidade actuais são repercussões naturais dos nossos próprios erros passados e falácias de omissão. A Grécia moderna tem estado a contornar a borda de uma crise de dívida desde o seu início. Depois de a sua mini revolução industrial do pós guerra ter descarrilado durante a década de 1970, ela continuou a afastar-se do abismo através de desvalorizações frequentes e explosões de austeridade. A entrada na eurozona removeu o principal instrumento de contenção em troca de promessas vazias de algum mecanismo alternativo absorvedor de choques.

Durante quase uma década após o nascimento do euro, o capital comercial da Europa do Norte continuou a fluir para países como a Grécia em busca de retornos mais elevados do que as economias estagnadas do centro podiam proporcionar. Uma aparência de convergência foi então baseada sobre uma série de bolhas que mantiveram bem escondidos os desequilíbrios estruturais subjacentes. Em países como a Irlanda, a bolha inchou dentro do sector privado (com a conivência do estado). Na Grécia, a mesma bolha apareceu dentro do sector estatal (ajudada pela conivência dos urbanizadores e dos bancos privados).

Do Crash para o salvamento e para uma ferida que supura

Uma vez começado o estouro das bolhas (primeiro na Wall Street e nos maiores bancos da Europa, então no Dubai, mais tarde na Grécia e, finalmente, no resto da periferia), uma década pós moderna de 1930 estava sobre nós. Tal como em 1929, o Crash de 2008 desencadeou

a) O descarrilamento da divisa comum da respectiva era (o Padrão Ouro então, o euro hoje),

b) A implosão dos países com défice (os quais foram forçados a arcar com o fardo do ajustamento), e

c) Ventos recessivos que correm por todo o mundo.

Se bem que estes desenvolvimentos sinistros fossem de âmbito universal, a pergunta que permanece na boca de toda a gente é: Será que a Grécia é viável? Será que os gregos acreditam ser viáveis? Por que nunca cumprem os objectivos estabelecidos pela troika?

Estou muito receoso de que estas sejam as perguntas erradas. A questão não é se a Grécia pode ser viável dentro da zona euro mas sim se a zona euro, tal como actualmente construída, é viável com ou sem a Grécia. Dito de forma diferente, a pergunta que aqueles fora da Grécia precisam fazer é: Por que ainda estamos a falar acerca da Grécia, dois longos anos após a sua implosão?

Naturalmente, a razão é que os remédios caros aplicados à ferida em supuração que é a Grécia estão a agravar a infecção – ao invés de melhorá-la. Uma explicação é que a Grécia foi um paciente recalcitrante que se recusou a tomar o remédio tal como receitado. Há um grande elemento de verdade aqui. Contudo, a incompetência do estado grego em introduzir as reformas acordadas está a impedir-nos de ver a causa mais profunda: o modo como a eurozona amarra junto os destinos dos nossos povos mediante um edifício que (a) maximizou os desequilíbrios subjacentes e (b) não podia absorver um choque como aquele do colapso financeiro de 2008.

Quando o elo mais fraco da eurozona se partiu, o seu governo acrescentou aos erros passados do país um outro erro grave. Ele negou a sua bancarrota e pediu empréstimos sob condições cujo cumprimento era impossível. Nas palavras de Keynes:
"A aceitação insincera da Grécia... de condições impossíveis as quais não pretendia executar tornaram a Grécia quase tão culpada por aceitar o que ela não podia cumprir quando a União Europeia em impor o que não tinha o direito de exigir".
[Naturalmente, estas não são as palavras precisas de Keynes. Mas estão muito próximas. Tudo o que fiz para produzir a "citação" acima foi substituir "Alemanha" por "Grécia" e "Aliados" por "União Europeia". [2] ]

Enquanto ponderava a implosão da economia social da Grécia, as visões de Keynes quanto ao grande paradoxo que foi o Tratado de Versalhes são bastante instrutivas. Tal como a Alemanha em 1920, também a Grécia em Maio de 2010 aceitou rancorosamente sua "punição" na forma de um "tratado" que estabelecia exigências impossíveis. E tal como os Aliados descobriram na década de 1920, a imposição destas condições não só esgotou a capacidade da fraca, derrotada e desmoralizada nação como, ai de nós, está a demonstrar-se uma drenagem constante e um tormento para nações fortes da Europa.

E agora?

Errar duas vezes em dois anos é imprudente. O segundo pacote de salvamento, que encerra mais empréstimos e austeridade mais profunda, juntamente com as fraudulentas negociações do haircut "voluntário", deve ser posto de lado. Até que um plano racional esteja em vigor que torne viável tanto a Grécia como o resto da eurozona, o estado grego não deve gastar nem um euro mais do que arrecada em impostos, enquanto todos os reembolsos de empréstimos são suspensos. Deve ser posto fim ao escândalo de pedir aos contribuintes alemães, em nome da "solidariedade", para garantir empréstimos que o estado grego transfere para bancos que já sobrevivem graças à gentileza do BCE e dos contribuintes.

Quanto à Alemanha, ela deve decidir rapidamente entre desintegrar a eurozona e reforçá-la pelo acrescento à nossa união monetária daquilo que tem estado a faltar desde o início: um mecanismo para transferir excedentes para as regiões em défice na forma de investimentos produtivos (em oposição a esmolas ou empréstimos). Transformar estados fracassados como a Grécia em desertos ensolarados dentro da eurozona, e forçar o resto da área dessa divisa à espiral da dívida-deflação, é o modo mais eficiente de minar a viabilidade a longo prazo do núcleo da Europa. Mesmo se alguém pensa que a Grécia obteria os seus justos desertos, será que os laboriosos alemães merecem receber ordem de marcha nessa direcção? Não acredito que o façam.
05/Fevereiro/2012
[1] Chapter VI, p.238, The Economic Consequences of the Peace, Harcourt Brace New York, 1920
[2] "Dr. Melchior: A Defeated Enemy" in Two Memoirs (1949), as reprinted in Collected Writings, Vol. X: Essays in Biography, at p. 428. É claro que substitui a palavra "Alemanha" pela palavra "Grécia" e a palavra "Aliados" por "a União Europeia"!


[*] Autor de The Global Minotaur – America, The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy , Zed Books, Londres, 2011, 252 pgs., ISBN 978178032014. Este artigo foi encomendado pela DW.de. Clique aqui para vê-lo tal como apareceu no sítio web da Deutsche Welle.

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