Janeirinha na Primavera?
Ontem, 1 de Março, a Assembleia da República debateu a reforma administrativa, estando em confronto dois projectos alternativos:
- A proposta de Lei 44/XII do governo PSD/CDS que pretende impor a extinção de mais de metade das freguesias urbanas e de 25 a 35 por cento das restantes, passando por cima dos pareceres das Assembleias de Freguesia e dando 90 dias às Assembleias Municipais para se pronunciarem. E, se estas não se vergarem à vontade do governo, uma Unidade Técnica desenhará o novo mapa de freguesias, por imposição da maioria de direita no parlamento.
- O projeto de Lei do Bloco de Esquerda, que só admite reajustamentos no mapa das autarquias, respeitando o direito de audição dos órgãos autárquicos e remete a decisão final sobre a criação, extinção, fusão ou modificação territorial para referendos locais vinculativos.
No momento em que escrevo não se conhece o desfecho do debate parlamentar, mas não é difícil adivinhar a tentação da maioria para “arrumar de vez” a questão, embora fosse sensato que os dois projetos descessem à comissão do poder local para serem trabalhados na especialidade. Estranhamente ou talvez não, não há propostas de outros partidos.
O Secretário-geral do PS, por exemplo, afirma que a extinção de freguesias não pode ser feita contra a vontade das populações”, mas não diz se apoia a realização de referendos locais – única forma de aferir essa vontade, já que nenhum autarca foi eleito em 2009 propondo a extinção da sua freguesia ou concelho.
A larguíssima maioria das Assembleias Municipais tem recusado este papel de “exterminador de freguesias”, a batata quente que o governo lhes quis passar para as mãos. E é fácil de perceber que, se as freguesias caírem sem luta, chegará a hora dos pequenos municípios.
Mais recentemente, dezenas de assembleias municipais e de freguesia têm vindo a aprovar a exigência do referendo local como condição indispensável para legitimar eventuais alterações do mapa autárquico. É o caso da Assembleia Municipal de Beja e das congéneres de cores políticas tão variadas como Barcelos, Portimão, Salvaterra de Magos, Lisboa, S. Pedro do Sul, Vouzela, Guarda ou Viana do Castelo, bem como a Assembleia Metropolitana do Porto.
À medida que se tornam palpáveis os efeitos da proposta de lei do governo começa a levantar-se uma onda de indignação contra o desrespeito e o autoritarismo, personalizados nessa figura de opereta que é o ministro Miguel Relvas – o putativo gauleiter que ralha às autarquias a despropósito do Carnaval e lhes exige o pagamento imediato de dívidas, sem o Estado pagar o que lhes deve, a somar ao corte de muitos milhões nas finanças locais.
Qualquer que tenha sido o desfecho da votação de 1 de Março no parlamento, não será fácil ao governo impor a sua vontade a populações determinadas em defender a sua identidade e o seu futuro, contra o interioricídio de que temos sido alvo. A verdadeira batalha pela democracia local começa agora.
Um governo que se gaba da avaliação da troika, ao mesmo tempo que o desemprego bate recordes, não merece o mínimo respeito. E a recessão, filha da austeridade, é irmã gémea do assalto à democracia local. Março é mês de muitas lutas, inclusive uma nova Greve Geral, que se prolongarão em Abril e apontam para um 1.º de Maio histórico.
Estará o governo a semear uma Janeirinha na Primavera?
Alberto Matos, Correio do Alentejo
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