sexta-feira, junho 15, 2012

Notas de Atenas (II)

Vários dirigentes bloquistas participaram esta semana na campanha da Syriza. Nestas "Notas de Atenas II", Jorge Costa, José Soeiro e Miguel Heleno falam sobre a polarização entre a Nova Democracia e a Syriza, expressa nas sondagens, relatam ao esquerda.net o último comício da Syriza antes das eleições e descrevem a campanha sectária levada a cabo pelo KKE.
David pode vencer Golias
As últimas sondagens que foram divulgadas davam uma pequena vantagem ao Syriza. Mas a folga não era muita e os resultados são incertos. Sondagens não divulgadas apontam para um empate, mas ainda há muita gente que diz que só decide no domingo.
A situação é de uma grande polarização, entre a Nova Democracia e o Syriza, e ela tem uma marca clara de classe. De um lado, concentram-se os interesses de sempre: das multinacionais, dos bancos, das elites políticas e económicas, das clientelas instaladas nos altos cargos. Do outro, as vítimas da crise e das políticas da troika: desempregados, jovens, trabalhadores empobrecidos, pequenos proprietários atirados para a falência. É uma batalha entre David e Golias, dizem-nos. Entre a esperança e o chantagem. E pode ser que David leve a melhor.
Chantagem e terrorismo mediático
A hipótese de um golpe militar contra uma maioria da esquerda não é sequer uma hipótese para as pessoas com quem falamos. Tsipras esteve aliás reunido durante três horas com as cúpulas militares, que garantem a sua obediência à Constituição.
A grande chantagem é outra e vem dos bancos, das multinacionais e do poder europeu. “Enquanto no Chile utilizaram armas e balas, aqui recorrem ao terrorismo mediático e à chantagem”, diz-nos Costas Isychos. De acordo com o que nos conta, algumas multinacionais como o Eurobank (detido pela família Latsis) estão a dizer diretamente aos seus trabalhadores que abandonarão o país caso o Syriza vença as eleições. O diretor da seguradora Alico chamou os seus 350 funcionários para lhes dizer que a empresa queria “garantir trabalho para todos” mas em caso de vitória do Syriza, eles iriam perder o emprego.
Por seu lado, a Nova Democracia tem tempos de antena em que se representa o futuro em “versão pesadelo”, leia-se vitória da Syriza: crianças perguntam, numa sala de aula, porque é que a Grécia não está no euro. A música dramática acompanha a resposta dada às criancinhas.
O comício de Atenas: Sakorafa, Tsipras e a bella ciao com Louçã.
O comício final do Syriza teve lugar em Omonia, uma das grande praças de Atenas. Estava marcado para as 19h30. Antes do comício, reunimos na sede do Synaspismos, o maior partido da coligação, com os responsáveis pelas relações internacionais. Só pelas 20h é que começamos a ir para a praça. O sol não está a pique, mas o calor é ainda imenso. Em Omonia, milhares de pessoas, a perder de vista, estão já concentradas com faixas, bandeiras das várias organizações, música e palavras de ordem. O clima é ao mesmo tempo intenso, enérgico e tranquilo, como aliás o estado de espírito das pessoas com quem falamos.
No comício intervêm apenas duas pessoas: Sofia Sakorafa e Alexis Tsipras. Sakorafa foi a única deputada do Pasok que votou contra o memorando em 2010 e por isso foi expulsa do partido. Foi recordista mundial de lançamento de dardo na década de 80, tornou-se cidadã palestina em 2004 para se candidatar a participar, nessa condição, nos Jogos Olímpicos, com 47 anos. Tem hoje 55 anos. Nestas eleições é uma das caras da Syriza e da luta por um governo de esquerda contra a troika. A seguir, falou Tsipras, num discurso de cerca de uma hora, que percorreu os principais temas da campanha: o memorando, o euro, as pressões externas, os momentos da história grega em que o povo se levantou contra a ocupação e a ingerência externa, a situação social causada por dois anos de troika, as responsabilidades do Pasok e da Nova Democracia, a proposta do governo de esquerda, a questão da imigração, a solidariedade europeia, os desafios que vão estar em cima da mesa a partir de segunda-feira. No final do comício, o Francisco Louçã é chamado ao palco e Tsipras recebe-o com um abraço e um cravo vermelho na mão. Entram depois outros dirigentes internacionais que estão em Atenas para mostrar a sua solidariedade. A praça canta a Bella Ciao.
Os cartazes do KKE e a crítica vinda de Cuba
Em Atenas não há outdoors e a presença da campanha nota-se sobretudo através dos stands que cada partido tem na rua e dos cartazes colocados nos postes. Entre eles, há um que nos chama a atenção. É um cartaz do KKE, o ultra-sectário partido comunista grego, onde identificamos a palavra Syriza. Pedimos tradução: “Nova Democracia e Pasok não são alternativa. Não confiem no Syriza”. É assim a campanha do KKE – um partido fechado sobre si mesmo, marcada pelo ódio contra a esquerda radical e contra o movimento das praças (que não se cansou de “denunciar”), em conflito com a possibilidade de uma maioria de esquerda na Grécia. A posição deste partido é tão absurda que até o Partido Comunista de Cuba o criticou publicamente na televisão. Dizem os cubanos que a posição do Partido Comunista Grego é “sectária e não favorece a criação de um governo de esquerda”.
Esquerda.net

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