quinta-feira, abril 25, 2013

Vasco Lourenço: 'Nunca ambicionei ser Presidente'
Foi várias vezes desafiado a candidatar-se à Presidência da República. Nas últimas eleições, poderia ter ocupado o lugar que veio a ser preenchido por Fernando Nobre. Vasco Lourenço confessa, no entanto, que não tem 'feitio' para a política, não gosta de 'engolir sapos' e preferiu permanecer apenas Capitão de Abril. O coronel do Exército diz-se desiludido com Seguro e considera 'perigoso' o rumo do Governo. Com Cavaco é duro e avisa que, 'se houvesse condições, já estaria a preparar' outro 25 de Abril
A ideia partiu de um antigo oficial da Marinha, ex-ajudante de campo de Costa Gomes, que pouco tempo depois do 25 de Abril foi viver para a Suécia. Por lá ficou, mas continuou sempre a acompanhar a política em Portugal. Há dias, escreveu uma carta ao coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, a propor que este ano se cantasse a Grândola, Vila Morena na madrugada de 25 de Abril e no próprio dia. "Nós comprámos a ideia. É uma maneira de evocar o 25 de Abril de uma forma mais actuante", explica Vasco Lourenço, ao SOL.A música de Zeca Afonso, que foi uma das senhas da revolução, tem servido de forma de protesto contra o Governo de Passos Coelho. Persegue os vários ministros um pouco por todo o país. Agora, é como se voltasse às suas origens. Vai ser entoada às 00h20 do dia 25 frente à Rádio Renascença e às 18h frente ao Quartel do Carmo, assinalando, assim, as horas exactas a que passou na rádio (para confirmar o avanço dos militares) e a que foi preso Marcello Caetano, há precisamente 39 anos.
Para o presidente da Associação 25 de Abril, a canção foi "apropriada pelas novas gerações como um símbolo de resistência e de protesto e ainda bem". Na próxima quinta-feira, poderão juntar-se essas gerações diferentes. Além das ‘grândoladas’, vai haver um jantar no Regimento da Pontinha, posto de comando da revolução, e o tradicional desfile na Avenida da Liberdade.
Aos 70 anos, já avô, Vasco Lourenço não se considera uma "acomodado". Olha em volta e vê muitas razões para lutar. Este coronel de Infantaria, que integrou o Movimento dos Capitães de Abril e pertenceu ao Conselho de Revolução, considera que o Governo de Passos Coelho é "um bando de mentirosos" que "está vendido ao capital estrangeiro" e apostado em destruir o Estado social.
"Estamos a destruir o Estado social que foi o cimento que permitiu a maior paz social da Europa. Este é um problema não só de Portugal, mas da Europa. Os povos europeus, quando se revoltarem, espero que o façam contra as elites e não uns contra os outros. O inimigo está nos seus próprios países e não nos outros povos", explica, em conversa demorada com o SOL no segundo andar do edifício sede da associação, em plena Baixa lisboeta e muito perto do mítico Largo do Carmo. Com um sorriso, diz que começa a ficar preocupado porque nos últimos tempos dá por si a concordar muitas vezes com o social-democrata Pacheco Pereira.
Desiludido à esquerda
De gatilho rápido, quando se fala de política, Vasco Lourenço distribui críticas à esquerda e à direita. Sempre esteve ligado ao PS, embora nunca tenha querido ter cartão de militante.
"O espaço ideológico que é o meu está ocupado pelo PS, sim.Mas numa altura destas do campeonato não gostaria de dizer que simpatizo mais com o PS. Cada vez simpatizo menos com a prática do PS", explica o antigo capitão de Abril, que, há dois anos, gostou de ver AntónioJosé Seguro ganhar, contra Francisco Assis, as eleições internas para secretário-geral do PS.
Ao fim deste tempo, contudo, confessa que o consulado de Seguro "tem sido uma desilusão grande". "Não tem conseguido afirmar-se. O dramático é que a generalidade da população descrê nos partidos todos e não olha para o PS como alternativa. Esse é o grande drama em Portugal e o que nos leva a forçar que existam alternativas", insiste. Não acredita no aparecimento de um D. Sebastião.
Vasco Lourenço é um dos subscritores de uma petição – que foi entregue em Fevereiro no Parlamento – que pede mudanças profundas nos partidos, nomeadamente, eleições primárias para a escolha de candidatos a cargos políticos e a possibilidade de listas de cidadãos se candidatarem à Assembleia da República. "Provocou algumas reacções de urticária", conta, com um indisfarçado orgulho.
Ao olhar para o Presidente da República, não é menos duro: "Como eu costumo dizer, o outro que está em Belém já morreu, mas ainda não sabe porque ninguém o avisou". Quer com isto dizer que Cavaco Silva não tem, a seu ver, actuado para defender o povo pois o Governo que existe "já não tem legitimidade para continuar".
Com um estilo contundente e sem papas na língua, o capitão de Abril sabe que é apelidado de radical, mas não se importa. Também por isso diz que não aproveitou algumas oportunidades que teve na vida.
"Desde 1976 que em quase todas as eleições presidenciais fui instado para me candidatar a Presidente da República", conta. A última vez foi precisamente nas últimas eleições presidenciais de 2011 para ocupar o lugar que veio a ser preenchido pelo presidente da Assistência Médica Internacional (AMI), Fernando Nobre, candidatura impulsionada por socialistas que não se reviam no candidato oficial do PS, Manuel Alegre.
Os convites para ser candidato a deputado ou a presidente de câmara também se foram repetindo ao longo dos anos. Lourenço disse sempre que não: "Nunca ambicionei isso. Nunca esteve nos meus horizontes".
"É complicado. Tenho um feitio e uma maneira de estar que dificilmente se enquadrariam num partido político", justifica, recordando que ao longo da vida viu "amigos engolir sapos" e outros, "que se habituaram a determinados cargos e regalias, a fazerem tudo para os manter".
Na Associação 25 de Abril, não recebe qualquer remuneração. Vive com o dinheiro da reforma de coronel – foi promovido de tenente-coronel a coronel, ao abrigo de uma lei aprovada pelo Governo socialista de António Guterres em 1999, que visava a reconstituição de carreiras dos militares que participaram no 25 de Abril e que, por isso, foram prejudicados mais tarde na sua carreira. Ao abrigo da mesma lei, foram promovidos pessoas como Otelo Saraiva de Carvalho, Dinis de Almeida, Vítor Alves, Mário Tomé ou Melo Antunes, a título póstumo. Jaime Neves foi promovido a general, depois disso, mas por indicação do Conselho de Chefes de Estado-Maior, o que provocou muita polémica.
Fazer outra revolução
Na rua, Vasco Lourenço é muitas vezes abordado por pessoas que lhe perguntam quando é que fará outra revolução face ao momento em que se vive com o Governo a obedecer às regras da troika. Costuma responder de duas maneiras. "Nós já fizemos a nossa revolução, já tivemos essa sorte de poder intervir na história de uma forma altamente positiva. Já estamos velhos para fazer outra", é uma resposta.
Mas a conversa entra facilmente no campo de uma nova luta armada. Nos últimos meses, tem sido agitada a ameaça de uma revolta dos militares – impulsionada também pelo ambiente de contestação por causa dos cortes orçamentais anunciados para o sector das Forças Armadas. O próprio Vasco Lourenço, em algumas entrevistas, deixou aberta a porta a que os militares digam ‘basta’. "Não digo que não é para levar a sério a ameaça".
Num momento de maior ponderação, o coronel do Exército faz questão de realçar as diferenças que existem hoje em relação ao país de 24 de Abril de 1974. E acrescenta outra resposta a quem o aborda na rua: "Se tivéssemos condições, já estaria a preparar outra revolução. E atenção que não estamos em ditadura! Estamos em democracia, embora formal. Quando falo em condições não é só condições materiais ou operacionais!".
Como militar, não esconde que partilha das preocupações dos seus camaradas. "Neste momento, já não temos Forças Armadas praticamente para fazer nada". Angustia-o o Governo querer transformar os militares numa espécie de funcionários públicos e acusa mesmo o ministro da Defesa de "má-fé" no modo como apresenta os cortes para o sector.
"Queremos ou não queremos ter Forças Armadas? Desde há muito tempo que o único instrumento que os governos portugueses têm para intervenção na política externa são as Forças Armadas! Não são os passeios do ministro dos Negócios Estrangeiros que nos trazem qualquer validade!", insiste.
Este é, na verdade, um terreno sensível para Vasco Lourenço. Acha que o Governo está a esticar a corda e que, se os militares se deixarem levar por situações de ruptura, será "perigoso".
"Costumava dizer a António Guterres, quando este era primeiro-ministro: ‘O seu Governo só reage a cortes de estrada?. E dizia aos militares: ‘Vocês são mal-tratados porque não cortam estrada’. Mas qualquer dia torna-se problemático. O militar tem a força e tem as armas. Tem um sentido de dever que evita que se deixe levar, mas os homens não são de ferro", lembra.
Em véspera de mais um aniversário do 25 de Abril, o sentimento de revolta continua actual. Tal como diz a convocatória das comemorações, é preciso «uma resposta popular» perante a perda de soberania e a troika. «Eu não desisto», promete Vasco Lourenço.
helena.pereira@sol.pt

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