"Banco de todos os regimes": Queda do Espírito Santo afunda família tradicional em Portugal
Em 2010, Ricardo Salgado
declarou sobre o enriquecimento da família durante o Estado Novo: “O BES
é um banco de todos os regimes”. É verdade: o grupo remonta a 1850,
tendo passado pela monarquia, a ditadura e a democracia. Foi notória a
amizade entre Ricardo Espírito Santo (avô de Ricardo Salgado) e Salazar.
Parte do segredo do longevo poder familiar vem da inserção de quadros
das empresas em lugares de topo dos governos. Artigo de Marana Borges,
Opera Mundi.
Foto de Miguel A. Lopes, Lusa.
Nem
o facto de o craque Cristiano Ronaldo participar na sua publicidade nem
o invejável posto de primeiro banco a voltar aos mercados durante a
crise económica em Portugal sem a ajuda do Estado foram suficientes para
evitar a queda, agora, do Banco Espírito Santo (BES), imerso em
suspeitas de crimes económicos e gestão duvidosa. O BES era o terceiro
maior banco privado português e o ícone de uma das dinastias mais
poderosas do país.
Na sequência das investigações por suspeitas de fraude, abuso de confiança e lavagem de dinheiro que envolvem Ricardo Salgado Espírito Santo, afastado no final de junho do cargo de presidente executivo da instituição, as ações caíram tanto que o banco, agora dividido em dois, acabou por ser temporariamente removido da Bolsa de Lisboa. Salgado está proibido de sair do país enquanto decorrem as investigações.
Com um rombo nas contas superior a 6 mil milhões de euros, o Grupo Espírito Santo (GES) ameaça colapsar o império familiar construído desde o século XIX e que abrange bancos comerciais e de investimento em diversos países, seguros e participações em empresas estratégicas como a Portugal Telecom (fundida com a brasileira Oi) e a gigante energética EDP. Algumas holdings do grupo já tinham solicitado proteção contra credores, mecanismo de insolvência controlada sob proteção da Justiça.
No último domingo (03/08), o presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, anunciou que pedirá empréstimo a fundo europeu para salvar o Espírito Santo, que foi dividido em dois: um, com os ativos tóxicos, e outro, com os de boa qualidade.
O “banco de todos os regimes”
Em 2010, Ricardo Salgado declarou sobre o enriquecimento da família durante o Estado Novo Português (1933-1974): “O BES é um banco de todos os regimes”. É verdade: o grupo remonta a 1850, tendo passado pela monarquia, a ditadura e a democracia. Ficou notória a amizade entre Ricardo Espírito Santo (avô de Ricardo Salgado) e o ditador Salazar. Aos domingos, o banqueiro o visitava para tratar de negócios, nomeações, ações diplomáticas e compra de obras de arte, segundo relata o pesquisador e jornalista Pedro Castro Jorge em “Salazar e os milionários” e “O ataque aos milionários”. Ao morrer, o banqueiro deixou ao ditador uma casa no Estoril e um quadro do flamengo Quentin Metsys. A casa não foi aceite.
A relação privilegiada de algumas famílias abastadas com membros do governo pôde notar-se na alta concentração financeira do país. Nos anos 1970, final da ditadura, dez famílias controlavam 50% da riqueza de Portugal. Com a queda do regime e durante a fase mais radical após a Revolução dos Cravos, diversos empresários foram presos (entre eles, membros da família Espírito Santo) e o setor bancário, nacionalizado. Um comentário deixado por sindicalistas no livro de honra do BES enfatizava “o dia (…) em que a banca foi restituída aos seus legítimos donos – o povo português”. Mas a privatização viria em 1992, anos depois do retorno da família aos negócios no país.
Parte do segredo do longevo poder familiar vem da inserção de quadros das empresas em lugares de topo dos governos. “Houve sempre pessoas do BES a ocupar cargos em diferentes governos, algumas das quais voltavam em seguida para o BES”, disseram ao Opera Mundi Maria João Babo e Maria João Gago, autoras de “O último banqueiro”, sobre a vida de Ricardo Salgado, que ficou 22 anos à frente do BES.
Há exemplos do lado conservador e socialista: o conservador José Manuel Durão Barroso, que este ano deixou a presidência da Comissão Europeia, foi consultor do BES antes de se tornar primeiro ministro de Portugal (2002-2004). Manuel Pinho foi ministro do socialista José Sócrates após passar pelos quadros administrativos do BES.
Outros nomes a circular entre empresas do GES e cargos políticos foram António Mexia, hoje presidente da EDP e antigo ministro de Obras Públicas, e Miguel Frasquilho, deputado do governante PSD (centro-direita).
Outros casos
Desde 2007, diversos bancos tem sido alvo de investigações por crimes económicos envolvend offshores e paraísos fiscais: o Millenium BCP, o maior banco privado em Portugal; os pequenos Banco Português de Negócios (BPN) e Banco Privado Português (BPP) – ambos acabariam por ser dissolvidos. Agora, é a vez do BES.
Apesar do pacote de austeridade e regulação financeira adotado pela troika, medidas eficazes para travar crimes económicos nunca saíram da gaveta: o fim dos offshores, de paraísos fiscais e de produtos altamente especulativos, além da separação entre bancos de investimento e bancos comerciais. Vale a pena lembrar que em 2013 o Banco Central Europeu ajudou a reforçar a liquidez do setor bancário português em 50 mil milhões de euros.
Artigo publicado em http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/37311/banco+de+todos+os+regimes+queda+do+espirito+santo+afunda+familia+tradicional+em+portugal.shtml
Na sequência das investigações por suspeitas de fraude, abuso de confiança e lavagem de dinheiro que envolvem Ricardo Salgado Espírito Santo, afastado no final de junho do cargo de presidente executivo da instituição, as ações caíram tanto que o banco, agora dividido em dois, acabou por ser temporariamente removido da Bolsa de Lisboa. Salgado está proibido de sair do país enquanto decorrem as investigações.
Com um rombo nas contas superior a 6 mil milhões de euros, o Grupo Espírito Santo (GES) ameaça colapsar o império familiar construído desde o século XIX e que abrange bancos comerciais e de investimento em diversos países, seguros e participações em empresas estratégicas como a Portugal Telecom (fundida com a brasileira Oi) e a gigante energética EDP. Algumas holdings do grupo já tinham solicitado proteção contra credores, mecanismo de insolvência controlada sob proteção da Justiça.
No último domingo (03/08), o presidente do Banco de Portugal, Carlos Costa, anunciou que pedirá empréstimo a fundo europeu para salvar o Espírito Santo, que foi dividido em dois: um, com os ativos tóxicos, e outro, com os de boa qualidade.
O “banco de todos os regimes”
Em 2010, Ricardo Salgado declarou sobre o enriquecimento da família durante o Estado Novo Português (1933-1974): “O BES é um banco de todos os regimes”. É verdade: o grupo remonta a 1850, tendo passado pela monarquia, a ditadura e a democracia. Ficou notória a amizade entre Ricardo Espírito Santo (avô de Ricardo Salgado) e o ditador Salazar. Aos domingos, o banqueiro o visitava para tratar de negócios, nomeações, ações diplomáticas e compra de obras de arte, segundo relata o pesquisador e jornalista Pedro Castro Jorge em “Salazar e os milionários” e “O ataque aos milionários”. Ao morrer, o banqueiro deixou ao ditador uma casa no Estoril e um quadro do flamengo Quentin Metsys. A casa não foi aceite.
A relação privilegiada de algumas famílias abastadas com membros do governo pôde notar-se na alta concentração financeira do país. Nos anos 1970, final da ditadura, dez famílias controlavam 50% da riqueza de Portugal. Com a queda do regime e durante a fase mais radical após a Revolução dos Cravos, diversos empresários foram presos (entre eles, membros da família Espírito Santo) e o setor bancário, nacionalizado. Um comentário deixado por sindicalistas no livro de honra do BES enfatizava “o dia (…) em que a banca foi restituída aos seus legítimos donos – o povo português”. Mas a privatização viria em 1992, anos depois do retorno da família aos negócios no país.
Parte do segredo do longevo poder familiar vem da inserção de quadros das empresas em lugares de topo dos governos. “Houve sempre pessoas do BES a ocupar cargos em diferentes governos, algumas das quais voltavam em seguida para o BES”, disseram ao Opera Mundi Maria João Babo e Maria João Gago, autoras de “O último banqueiro”, sobre a vida de Ricardo Salgado, que ficou 22 anos à frente do BES.
Há exemplos do lado conservador e socialista: o conservador José Manuel Durão Barroso, que este ano deixou a presidência da Comissão Europeia, foi consultor do BES antes de se tornar primeiro ministro de Portugal (2002-2004). Manuel Pinho foi ministro do socialista José Sócrates após passar pelos quadros administrativos do BES.
Outros nomes a circular entre empresas do GES e cargos políticos foram António Mexia, hoje presidente da EDP e antigo ministro de Obras Públicas, e Miguel Frasquilho, deputado do governante PSD (centro-direita).
Outros casos
Desde 2007, diversos bancos tem sido alvo de investigações por crimes económicos envolvend offshores e paraísos fiscais: o Millenium BCP, o maior banco privado em Portugal; os pequenos Banco Português de Negócios (BPN) e Banco Privado Português (BPP) – ambos acabariam por ser dissolvidos. Agora, é a vez do BES.
Apesar do pacote de austeridade e regulação financeira adotado pela troika, medidas eficazes para travar crimes económicos nunca saíram da gaveta: o fim dos offshores, de paraísos fiscais e de produtos altamente especulativos, além da separação entre bancos de investimento e bancos comerciais. Vale a pena lembrar que em 2013 o Banco Central Europeu ajudou a reforçar a liquidez do setor bancário português em 50 mil milhões de euros.
Artigo publicado em http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/37311/banco+de+todos+os+regimes+queda+do+espirito+santo+afunda+familia+tradicional+em+portugal.shtml
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