terça-feira, setembro 27, 2011

Algarve

Marcha lenta contra as portagens na Via do Infante vai contar com participação de espanhóis 

Pórticos das portagens já instalados na Via do Infante
As quatro organizações promotoras da nova marcha lenta contra as portagens na Via do Infante, marcada para 8 de outubro, reuniram-se no fim de semana, em Loulé, para delinear os pormenores daquilo que classificam como uma «grande jornada de luta no Algarve».
Intitulada “A Luta Continua Sempre”, a marcha é promovida pela Comissão de Utentes da Via do Infante, o Grupo Algarve (Facebook) – Portagens na A22 Não, o CFC – Movimento Com Faro no Coração e o Moto-Clube de Faro.
Os promotores afirmam encontrar-se «em contacto permanente com os espanhóis de Andaluzia, nomeadamente associações empresariais e principais partidos políticos, para a sua participação na referida marcha lenta».
A marcha lenta vai envolver «diversos tipos de viaturas, como carros ligeiros, motas e veículos pesados» e terá lugar dia 8 de Outubro, aniversário da primeira marcha lenta em 2010, entre as 14h00 e as 20h00, numa extensão de 120 quilómetros, envolvendo a EN 125 e a Via do Infante.
Segundo os promotores, haverá quatro pontos principais de partida: Altura (Castro Marim), junto à rotunda do Restaurante “O Infante”, na EN 125, pelas 14h00, Portimão, no Parque das Feiras, pelas 14h30; Tavira, rotunda dos Moinhos, (acesso à Via do Infante), pelas 15h00, e ainda Albufeira, em Valparaíso, pelas 15h00.
Todo este grande movimento irá confluir para o Parque das Cidades (Estádio do Algarve), daqui arrancando pelas 16h00 a caminho de Faro, passando pelo Patacão, rotunda do aeroporto, rotunda do Fórum Algarve e rotunda do Teatro Municipal, estando prevista uma grande concentração final do protesto frente ao Fórum, entre as 17h00 e as 18h00.
«Também irão ter lugar reuniões com associações e diversas entidades, distribuição de folhetos e cartazes, colocação de faixas e divulgação da ação com recurso às redes sociais», acrescentam os quatro promotores, acrescentando que «no dia 8 de outubro a luta social contra a injustiça irá acontecer no sul do país e toda a divulgação e mobilização serão necessárias». 
Quanto à prevista participação de espanhóis na marcha lenta, os promotores da iniciativa sublinham que «os andaluzes da província de Huelva têm estado ativamente empenhados contra as portagens na A22 – que afetará muito negativamente a economia e a sociedade nestas duas regiões transfronteiriças Algarve-Andaluzia».
Nesse sentido, a Esquerda Unida espanhola fez aprovar uma resolução no Parlamento Regional da Andaluzia e apresentou uma queixa no Tribunal de Justiça Europeu, enquanto a Esquerda Unida, o Partido Popular e o PSOE também apresentaram uma Moção na Deputação Provincial de Huelva e na Câmara de Ayamonte contra as portagens na A22.
Por isso, as quatro entidades promotoras da marcha «congratulam-se e saúdam vivamente os nossos vizinhos andaluzes dessas forças políticas, e condenam profundamente os responsáveis políticos nacionais e regionais do PSD, CDS/PP e PS por, continuamente, traírem o Algarve e os seus eleitores, ao defenderem a colocação de portagens na Via do Infante».
É que, reiteram, «portajar a Via do Infante é condenar à morte o Algarve – mais falências de empresas, mais desemprego, mais mortes na EN 125. Será a destruição da sociedade e da economia do Algarve – a região, que só vive do turismo, a viver uma gravíssima e a maior crise a nível nacional».
Os organizadores apelam a todas as entidades, cidadãos e sociedade civil em geral do Algarve «para que se mobilizem e participem nesta grande marcha, constituindo uma poderosa frente de luta contra as portagens na Via do Infante».
«No dia 8 de outubro é proibido ficar em casa, pois o tempo é de ação e não de resignação. Só com coragem, determinação e luta será possível a vitória, derrotando todos aqueles que, por interesses vários, defendem as portagens na Via do Infante. A luta contra as portagens no Algarve irá continuar sempre. Custe o que custar e doa a quem doer», garantem.
Sul Informação

Organização revela pormenores da próxima marcha lenta contra portagens

A ação vai realizar-se, precisamente, um ano após a primeira marcha lenta contra as portagens
As quatro organizações promotoras da próxima marcha lenta contra as portagens na Via do Infante reunirão-se esta semana em Loulé e já delinearam os pormenores para a ação do próximo dia 8 de outubroe que vai denominar-se “A Luta Continua Sempre”.
A marcha lenta, envolvendo diversos tipos de viaturas (carros ligeiros, motas e veículos pesados) irá ocorrer no dia do aniversário da primeira marcha lenta (realizada em 2010), entre as 14h00 e as 20h00, numa extensão de 120 quilómetros, envolvendo a EN-125 e a Via do Infante.
Quatro pontos de Partida
Haverá quatro pontos principais de partida. Altura (Castro Marim), junto à rotunda do restaurante “O Infante”, na EN-125, pelas 14h00. Portimão, no Parque das Feiras, pelas 14h30. Tavira, rotunda dos Moinhos (acesso à Via do Infante), pelas 15h00. E Albufeira, em Valparaíso, pelas 15h00.
Todo este movimento irá confluir para o Parque das Cidades (Estádio do Algarve), partindo deste local às 16h00, a caminho de Faro, passando pelo Patacão, rotunda do aeroporto, rotunda do Fórum Algarve e rotunda do Teatro Municipal. Está prevista uma grande concentração final do protesto frente ao Fórum, entre as 17h00 e as 18h00.
Também estão previstas reuniões com associações e diversas entidades, distribuição de folhetos e cartazes, colocação de faixas e divulgação da acção com recurso às redes sociais.
Os promotores exlicaram que se encontram-se em contacto permanente com os espanhóis de Andaluzia, nomeadamente associações empresariais e principais partidos políticos, para a sua participação na referida marcha lenta.
Esta ação é organizada pela Comissão de Utentes da Via do Infante, pelo grupo “Algarve – Portagens na A22 Não” (criado no Facebook), pelo movimento Com Faro no Coração (CFC) e pelo Moto Clube de Faro.
Jornal do Algarve

Autarquias: proposta do governo é retrocesso, diz o Bloco

Proposta de reforma da Administração Local apresentada pelo primeiro-ministro regressa a medidas que já demonstraram que não funcionam e não auguram nada de bom para as democracias locais.
Pedro Soares: "O que foi apresentado não augura nada de bom para as democracias locais". Foto de Paulete Matos
O Bloco de Esquerda considerou que as medidas apresentadas esta segunda-feira pelo governo significam um retrocesso e não uma reforma e mostrou-se preocupado com os efeitos da possível redução de vereadores nas autarquias.
O “Documento Verde da Reforma da Administração Local”, apresentado pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, defende que a aposta no associativismo municipal deve estar focada nas Comunidades Intermunicipais e nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, que deverão receber novas competências tanto do Estado Central como do poder local.
Para Pedro Soares, da comissão política do Bloco de Esquerda, esta medida "não é uma reforma, mas um retrocesso", já que o governo "repete a mesma proposta", apesar de "ter ficado demonstrado que não funciona no território". Na opinião do dirigente bloquista, Pedro Soares o regresso "às comunidades intermunicipais e às áreas metropolitanas põe em causa aquela que devia ser a mãe de todas as reformas: a regionalização".
Quanto à intenção do governo de reduzir em 35% os vereadores eleitos das câmaras municipais e em 31% o número daqueles que exercem o cargo a tempo inteiro, o Bloco mostrou-se muito preocupado, por a medida ter como consequência que os "executivos poderem passar a ser monocolores". Pedro Soares considerou que "o que foi apresentado não augura nada de bom para as democracias locais", já que "o presidente da câmara pode escolher e substituir vereadores como bem lhe convém, o que não vai aumentar a democracia local, mas sim favorecer os caciques locais e auferir poderes totais aos presidentes de câmara".
A proposta do governo é que os 308 municípios portugueses passem a eleger menos 618 vereadores, passando dos actuais 1.770 para 1.152. Já os vereadores que exercem o cargo a tempo inteiro passariam de 836 para 576 (menos 260). Lisboa e Porto passariam a eleger 12 e 10 vereadores, contra os actuais 16 e 12, respectivamente.
Esquerda.net

sexta-feira, setembro 23, 2011

Escolas foram impedidas de lançar colocações anuais ou, se o fizeram, o seu pedido foi alterado

A FENPROF está em condições de afirmar que o MEC mentiu quando ontem (20/09) afirmou que não era da sua responsabilidade a confusão lançada no processo de colocação de professores, deixando por colocar os candidatos mais graduados que, por isso, estavam nos primeiros lugares da lista graduada.
As associações de diretores de escolas (ANDE e ANDAEP) já rejeitaram a responsabilidade atribuída às escolas e muitos diretores de agrupamentos ou escolas já confirmaram que:
  • Até certo momento, puderam requisitar docentes até 31 de agosto, mais tarde até 31 de julho, mas, inexplicavelmente, esses pedidos foram reduzidos a colocação mensal;
  • Nos últimos dias, em que puderam ser requeridos docentes através da BR02, só a opção “temporários” estava desbloqueada.
A FENPROF tem já em sua posse um conjunto de respostas das direções das escolas que confirmam o que antes disse, levando a concluir ser da responsabilidade do MEC todas as confusões criadas neste concurso e que estão a prejudicar inúmeros docentes.
Face a esta situação, agravada pelo facto de se tratar de um concursos púbico, daí dever ser rigoroso, transparente e respeitar, não só as regras legais, como os candidatos, a FENPROF exige, por um lado, que sejam corrigidas todas as ilegalidades, o que significa a publicitação de novas listas que tenham em conta as efetivas necessidades das escolas; por outro, que sejam assumidas responsabilidades políticas por parte do MEC perante o sucedido. Nessa responsabilização não pode ser passada uma esponja no facto de, na reunião realizada com a FENPROF, em 20 de setembro, responsáveis da administração educativa terem faltado à verdade.
Com o objetivo de protestar contra esta situação e exigir a correção do problema criado, a FENPROF apela aos professores e educadores lesados pela situação, a que compareçam na próxima sexta-feira, dia 23, pelas 15 horas, junto ao MEC, nas suas instalações sitas na avenida 5 de Outubro.
 Convidam-se os /as Senhores/as Jornalistas a estarem presentes.
O Secretariado Nacional da FENPROF
21/09/2011

quarta-feira, setembro 21, 2011

Crise sistémica global
4º trim./2011: Fusão implosiva dos activos financeiros mundiais

por GEAB [*]
Como antecipado desde Novembro de 2010 pelo LEAP/E2020, e reiterado várias vezes até Junho de 2011, o segundo semestre de 2011 começou por uma recaída brutal e gigantesca da crise. Cerca de US$10 milhões de milhões dos 15 milhões de milhões de activos fantasmas anunciados no GEAB nº 56 já desapareceram como fumo. O resto (e provavelmente muito mais) vai desvanecer-se no decorrer do 4º trimestre de 2011 que será marcado por aquilo que a nossa equipe chama de "fusão implosiva dos activos financeiros mundiais". São os dois principais centros financeiros mundiais, Wall Street em Nova York e a City em Londres, que vão ser os "reactores privilegiados" desta fusão. E, tal como previsto pelo LEAP/E2020 desde há vários meses, é a solução dos problemas da dívida pública de certos Estados da Eurolândia que vai permitir que esta reacção atinja sua massa crítica, após a qual nada mais será controlável. Mas é nos Estados Unidos que se encontra o essencial do combustível que vai alimentar a reacção e transformá-la em choque planetário real [1] . Desde Julho de 2011 não fizemos senão encetar o processo que conduz a esta situação: o pior portanto está diante de nós e muito próximo!

Neste comunicado público do GEAB nº 57 escolhemos abordar muito directamente a imensa operação de manipulação que está organizada em torno da crise grega e do Euro [2] , descrevendo sempre a sua ligação directa com o processo de fusão implosiva dos activos financeiros mundiais. Igualmente, neste GEAB nº 57, o LEAP/E2020 apresenta suas antecipações do mercado do ouro para o período 2012-2014 assim como suas análises sobre o neo-proteccionismo que se vai por em acção a partir do fim de 2012. Além das nossas recomendações mensais sobre a Suíça e o Franco suíço, o imobiliário e os mercados financeiros, apresentamos igualmente nossos conselhos estratégicos destinados aos dirigentes do G20 a menos de dois meses da cimeira do G20 que haverá em Cannes.

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Crise grega e Euro: estado da vasta operação de manipulação em curso

Mas retornemos pois à Grécia e àquilo que começa a ser um "antigo cenário muito repetitivo" [3] , o qual já explicámos que retorna à frente da cena mediática cada vez que Washington e Londres entram em graves dificuldades [4] . Então, como por acaso, o Verão foi catastrófico para os Estados Unidos que a partir daí entraram em recessão [5] , que viram a sua classificação financeira degradada (um acontecimento que há apenas seis meses a totalidade dos "peritos" considerava impensável) e que expôs ao mundo espantado o estado de paralisia geral do seu sistema político [6] , estando sempre incapazes de por em acção a menor medida séria de redução dos seus défices [7] . Paralelamente, o Reino Unido afunda-se na depressão [8] com tumultos de uma rara violência, uma política de austeridade que fracassa dominar os défices orçamentais [9] mergulhando o país numa crise social sem precedentes [10] e uma coligação no poder que já não sabe sequer porque governa juntamente com o pano de fundo do escândalo do conluio entre líderes políticos e o império Murdoch. Não há dúvida, num tal contexto, tudo estava maduro para um relançamento pelos media da crise grega e o seu corolário, o fim do Euro!

Se o LEAP/E2020 tivesse de resumir o cenário à "moda de Hollywood" ou da "FoxNews" [11] obter-se-ia a seguinte sinopse: "Enquanto o iceberg EUA está em vias de chocar-se com o Titanic, a tripulação treina os passageiros na busca de perigosos terroristas gregos que teriam colocado bombas a bordo!" Em termos de propaganda, a receita é bem conhecida: consiste em fazer diversionismos para permitir primeiro salvar os passageiros que se quer (as elites informadas que sabem muito bem que não há terroristas gregos a bordo) uma vez que nem todos poderão ser salvos; e a seguir mascarar o mais longo tempo possível a verdadeira natureza do problema para evitar uma revolta a bordo (inclusive de uma parte da tripulação que acredita existirem realmente bombas a bordo).

Para concentração nas questões de fundo, deve-se sublinhar que os "promotores" de uma crise grega que seria fatal para o Euro passam o seu tempo a repetir isso desde há cerca de dois anos sem que qualquer que seja das suas previsões se realize [12] (pondo de parte continuar a falar do assunto). Os factos são teimosos: apesar desta fúria mediática que teria arrastado numerosas economias ou moedas [13] , o Euro é estável, a Eurolândia deu passos de gigante em matéria de integração [14] e prepara-se para transpor novas etapas ainda mais espectaculares [15] , os países emergentes continuam a diversificar-se para fora dos Títulos do Tesouro dos EUA e a comprar dívidas da Eurolândia e a saída da Grécia da zona Euro continua sempre totalmente inconcebível excepto nos artigos dos media anglo-saxónicos cujos autores em geral não têm a menor ideia do funcionamento da UE e menos ainda das tendências fortes que a animam.

Agora nossa equipe nada pode fazer em relação àqueles que querem continuar a perder dinheiro apostando num afundamento do Euro [16] , numa paridade Euro-Dólar ou numa saída da Grécia da Eurolândia [17] . Os mesmos tiveram de despender muito dinheiro para se prevenirem contra a chamada "epidemia mundial da gripe H1N1" que peritos, políticos e medias de todo género "venderam" durante meses às populações mundiais e que se verificou ser uma enorme mascarada alimentada em parte pelos laboratórios farmacêuticos e cliques de peritos às suas ordens [18] . O resto, como sempre, é auto-alimentado pela falta de reflexão [19] , pelo sensacionalismo e pelo conformismo dos media dominantes. No caso da crise Euro-grega, o cenário é análogo, com a Wall Street e a City nos papel dos laboratórios farmacêuticos [20] .

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Recordamos com efeito que o que aterroriza a Wall Street e a City são os ensinamentos que os dirigentes e os povos europeus estão em vias de extrair destes três anos de crise e de soluções ineficazes que foram aplicadas. A natureza da Eurolândia cria um espaço de discussão sem equivalente no seio das elites e das opiniões públicas americanas e britânicas. E é exactamente isso que aborrece a Wall Street e a City, que procuram sistematicamente matar este espaço de discussão, seja tentando mergulhá-lo no pânico com anúncios sobre o fim do Euro, por exemplo, seja reduzindo-o a uma perda de tempo e fazendo disso uma prova da ineficácia da Eurolândia, da sua inaptidão para resolver a crise. O que é o cúmulo quando se tem em conta a paralisia completa que prevalece em Washington. [NR]

No entanto, é realmente este espaço de discussão que permite aos eurolandeses avançar no caminho de uma solução durável para a crise actual. Este espaço de discussão faz parte integrante da construção europeia ou das visões contraditórias dos métodos e das soluções que se confrontam antes de finalmente chegar a um compromisso (e este é o caso como o provam as decisões muito importantes tomadas desde Maio de 2010). Amplia-se assim o debate a uma multidão de actores, vindos de 17 países diferentes, de várias instituições comuns, e ele está ancorado nos debates de 17 opiniões públicas [21] . Ora, é do confronto de ideias que emana a luz:   da confrontação brutal das ideias, o filósofo grego Heráclito dizia há 2500 anos, "alguns fazem-se deuses, alguns fazem-se homens, alguns fazem-se escravos, alguns fazem-se homens livres". Os cidadãos da Eurolândia recusam que esta crise os transforme em escravos e é para isso que os actuais debates intra-europeus são necessários e úteis. Em três anos, entre 2008 e 2011, eles permitiram nomeadamente duas coisas essenciais para o futuro:
  • relançaram a integração europeia em torno da Eurolândia e colocaram-na doravante numa trajectória de integração acelerada. Nossa equipe antecipa doravante uma forte relançamento da Europa política a partir do fim de 2012 (análogo à dos anos 1984-1985) com, nomeadamente, um tratado de integração política da Eurolândia que será submetido a um referendo trans-Eurolândia daqui até 2015 [22] .

  • permitiram a emergência progressiva de duas ideias simples mas muito fortes:   salvar os bancos privados de nada serve para resolver a crise é necessário que os mercados (ou seja, essencialmente os grandes operadores financeiros da Wall Street e da City) assumam integralmente os seus riscos, sem mais garantias por parte dos Estados. Hoje, estas duas ideias são o cerne de um debate eurolandês, tanto na opinião pública como nas elites ... e elas ganham terreno a cada dia. É isso que provoca o medo da Wall Street e da City e dos grandes operadores financeiros privados. É esta a mecha já bem gasta que vai desencadear a fusão implosiva dos activos financeiros mundiais no 4º trimestre (naturalmente, no contexto dominante da recessão estado-unidense e da sua incapacidade de reduzir os défices públicos). Se os mercados começam a antecipar um desconto de 50% nos títulos gregos ou espanhóis é porque sentem muito bem a direcção que tomam os acontecimentos na Eurolândia. Para o LEAP/E2020, não há qualquer dúvida de que os espíritos estão maduros, um pouco por toda parte na Eurolândia, para se orientarem em direcção a uma contribuição de 50%, ou até mais, dos credores privados a fim de resolver os futuros problemas de endividamento público. Isto é um problema para os bancos europeus, sem dúvida, mas ele será gerido para garantir os poupadores. Os accionistas vão ter de assumir plenamente a sua responsabilidade: isto é certamente o fundamento do capitalismo!
A Wall Street e a City, e os seus porta-vozes mediáticos, desejariam desesperadamente que este debate não se verificasse, que fosse encerrado pelo pânico, que os governantes fossem obrigados a ouvir seus "peritos" que lhes asseguram que o único meio é continuar a recapitalizar os bancos, a inundá-los de liquidez [23] ... como se passa em Washington e Londres. Dois países onde os estabelecimentos financeiros manipulam a seu bel prazer os governos.

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O combate faz estrondo igualmente em torno do BCE como havíamos mencionado no GEAB anterior:   a nomeação de Mario Draghi, antigo responsável da Goldman Sachs, a demissão de Jurgend Stark [24] , ... reflectem estas tentativas de por Frankfort sob a mesma tutela de Londres e Washington. Mas elas estão condenadas antecipadamente pelo facto mesmo deste espaço aberto, estruturalmente inscrito na construção europeia, onde as discussões são alimentadas pelo fracasso das políticas de 2008 e a irrupção crescente das opiniões públicas no debate. "Qui va piano va sano e qui va sano va lontano" [25] dizem os italianos. Esta crise é de amplitude histórica como temos recordado desde Fevereiro de 2006. As medidas a tomar para atravessá-la da melhor maneira e sair mais fortes (homens livres e não escravos para retomar Heráclito) exigem portanto debates sérios e profundos [26] ... portanto tempo. E tempo gasto pelos eurolandeses é dinheiro perdido para os mercados ... o que explica os seus temores. O LEAP/E2020 pensa naturalmente que também é preciso agir e desde Maio de 2010 temos sublinhado que as acções empreendidas na Eurolândia eram de uma amplitude sem precedente na história europeia recente. E consideramos que é preciso dar tempo ao segundo plano de ajuda à Grécia para se por em marcha. Quanto ao resto, sabemos também que os actuais dirigentes na sua maior parte estão em "fim de rota" e que é preciso esperar os meados de 2012 para assistir a uma nova grande aceleração da integração da Eurolândia [27] .

Durante este tempo, com US$340 mil milhões a encontrar em 2012 [28] para se refinanciar, os bancos europeus e americanos vão continuar a matarem-se entre si tentando sempre manter a situação pré crise que lhes assegurava um apoio ilimitado dos bancos centrais. Para a Eurolândia, eles arriscam-se a ter uma surpresa muito má.

O 4º trimestre de 2011 marca o fim dos dois paradigmas chave do mundo anterior à crise

Assim, a fusão implosiva do 4º trimestre vai resultar do encontro entre duas novas realidades que contradizem duas condições fundamentais de existência do mundo anterior à crise:
  • uma, nascida na Europa, consiste em rejeitar doravante a ideia de que os operadores financeiros privados, de que a Wall Street e a City são a encarnação por excelência, não são plenamente responsáveis pelos riscos que assumem. Ora, desde há várias décadas, esta era a ideia dominante que alimentou o formidável desenvolvimento da economia financeira: "Cara eu ganho, coroa tu me salvas". A própria existência dos grandes bancos e seguradoras ocidentais tornou-se intrinsecamente ligada a esta certeza. Os balanços dos grandes actores da Wall Street e da City (e de numerosos grandes bancos da Eurolândia e do Japão) são incapazes de resistir a esta formidável mudança de paradigma [29] .

  • a outra, gerada nos Estados Unidos, é o fim reconhecido do motor estado-unidense do crescimento mundial [30] num fundo de paralisia política completa do país que de facto vai terminar o ano de 2011 tal como a Grécia terminou o ano de 2009: o mundo descobre pouco a pouco que o país tem uma dívida que já não é capaz de assumir, que seus credores não querem mais emprestar e que sua economia é incapaz de enfrentar uma austeridade significativa sem mergulhar numa profunda depressão [31] . De certa maneira, a analogia pode ir mais longe:   assim como a UE e os bancos, de 1982 a 2009, emprestaram generosamente à Grécia ... e sem lhe pedir contas seriamente, no mesmo período o mundo emprestou generosamente aos Estados Unidos acreditando na palavra dos seus dirigentes quanto ao estado da economia e das finanças do país. E em ambos os casos, o dinheiro foi dissipado em booms imobiliários sem futuro, em políticas de clientelismo dispendiosas (nos Estados Unidos, o clientelismo, está na Wall Street, na indústria petrolífera, nos operadores de saúde), em despesas militares improdutivas. E em ambos os casos, todo o mundo descobre que não se pode em alguns trimestres reparar décadas de inconsciência.
A "perfeita tempestade" político-financeira dos EUA de Novembro de 2011

Assim, em Novembro de 2011 prepara-se nos Estados Unidos uma "perfeita tempestade" político-financeira que fará com que os problemas do Verão pareçam-se a uma ligeira brisa do mar. Os seis elementos da futura crise já estão reunidos [32] :
  • o "supercomité" [33] encarregado de decidir cortes orçamentais para os quais não houve qualquer acordo neste Verão verificará ser incapaz de resolver as tensões entre os dois partidos [34]

  • o automatismo dos cortes orçamentais que supostamente vai ser executado sem acordo implicará uma crise política de grande magnitude em Washington e tensões crescentes nomeadamente com os militares e os beneficiários das ajudas sociais. Ao mesmo tempo, este "automatismo" (uma verdadeira abdicação do poder decisional por parte do Congresso e da Presidência dos Estados Unidos) gerará grandes perturbações no funcionamento do aparelho de Estado.

  • as outras grandes agências de classificação juntar-se-ão à S&P na degradação da classificação dos EUA e a diversificação para fora dos Títulos do Tesouro estado-unidenses será acelerada, sabendo que os Estados Unidos doravante dependem essencialmente de financiamento a curto prazo [35] .

  • a incapacidade do Fed em fazer outra coisa senão falar e manipular as bolsas ou os preços do combustível nos Estados Unidos [36] daqui em diante torna impossível qualquer "salvamento" de último minuto.

  • no decurso dos próximos três meses, o défice público dos EUA vai aumentar consideravelmente pois as receitas fiscais actualmente já estão em vias de afundar-se sob o efeito da recaída em recessão [37] . Isto equivale a dizer que o tecto de endividamento acrescido votado há algumas semanas será atingido muito antes das eleições de Novembro de 2012 [38] ... e isto é uma informação que se vai difundir como um rastilho de pólvora no 4º trimestre de 2011 ... reforçando todos os temores dos investidores de verem os Estados Unidos seguirem o exemplo da Eurolândia para a Grécia e obrigarem seus credores a assumir perdas pesadas.

  • o novo plano de Barack Obama em matéria de luta contra o desemprego não terá qualquer efeito significativo. Por um lado, ele não está à altura do desafio e não pode por isso mobilizar as energias do país; e por outro, ele vai ser despedaçado pelos republicanos que não conservarão senão as reduções de impostos ... cujo resultado único será aumentar ainda mais o endividamento do país [39] .
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Para o LEAP/E2020, é portanto a conjunção de todos estes elementos no fim de 2011 que vai desencadear este grande choque financeiro ... uma espécie de choque final projectando definitivamente o planeta para fora do mundo anterior à crise. Mas restará construir o mundo posterior pois vários futuros são possíveis, a partir de 2012. Como antecipa Franck Biancheri no seu livro, o período 2012-2016 constitui uma encruzilhada histórica. Há que tentar não se enganar de caminho! [40]
Notas:

(1) No momento, e como repetimos desde há vários trimestres, a histeria mediática e financeira em torno da crise grega pertence essencialmente ao domínio da propaganda e da manipulação. Para perceber isso, basta constar que, fora da Grécia, nenhum cidadão da Eurolândia perceberia que há uma crise na Grécia se os media não publicassem regularmente manchetes a este respeito. Ao passo que nos Estados Unidos, as devastações quotidianas da crise não precisam de cobertura mediática para serem duramente ressentidas por dezenas de milhões de americanos.

(2) Pois ela visa confundir e manipular a percepção da realidade ao passo que o nosso trabalho visa, ao contrário, tentar revelar esta mesma realidade.

(3) A cada três ou quatro meses, há uma "lufada" de crise grega/fim do Euro, que se desvanece tão rapidamente quanto chegou quando todo o mundo acaba por constatar que não se passa nada senão o prosseguimento do processo tortuoso de decisão da Eurolândia e da lenta saída da Grécia do seu "buraco negro orçamental". Os que os disparam naturalmente variam pois do contrário o público não engoliria: num trimestre vai-se utilizar "a revolta dos gregos contra a austeridade" para explicar que tudo se vai incendiar ... inclusive o Euro (os encadeamentos que conduzem de Atenas ao conjunto da Eurolândia são sempre muito vagos ou simplistas, mas pouco importa uma vez que os jornalistas não colocam questões); no trimestre seguinte, como por exemplo neste Verão, utilizar-se-á uma queda das bolsas mundiais para designar um culpado ... a Grécia ... mil vezes mais importante naturalmente que acontecimentos tão insignificantes como a entrada dos EUA em recessão ou a degradação da classificação estado-unidense! E assim por diante. Os deuses gregos estão decididamente sempre bem vivos e muito poderosos para chegarem a fazer o mundo tremer desta maneira.

(4) Ver este extracto do GEAB n°55

(5) Fontes: MarketWatch , 14/09/2011; New York Times , 13/09/2011; USAToday , 07/09/2011; La Tribune , 05/09/2011; Mish's , 29/08/2011; USAToday , 29/08/2011; CNBC , 17/06/2011

(6) Isso não deve surpreender os leitores do GEAB, uma vez que no GEAB nº 49 de Novembro de 2010 havíamos antecipado "a paralisia política geral e a entrada dos EUA na austeridade em 2011".

(7) Para descansar com um assunto sério, pode-se assistir a este clip de rap com tema muito político: "Aumenta o tecto da dívida". Fonte: Telegraph , 29/07/2011

(8) Fonte: Telegraph , 31/08/2011

(9) Assim, acumulando dívida privada e pública, o Reino Unido é o país mais endividado do mundo. Fonte: Arabian Money , 28/08/2011

(10) As associações humanitárias e sociais do país lutam actualmente pela sua sobrevivência financeira devido à falta de doações e subvenções. Fonte: Guardian , 02/08/2011

(11) Os dois tratam a informação aproximadamente da mesma maneira.

(12) Mesmo a Suíça daqui em diante atrelou ("peg") a sua divisa ao Euro. O que deveria fazer reflectir os eurocépticos como o título da Spiegel de 07/09/2011

(13) Imagine-se o estado do Dólar e da Libra se os media e peritos dedicassem a mesma energia a descrever e fantasiar todos os problemas dos Estados Unidos ou do Reino Unido. Se por exemplo se tirasse para a Grã-Bretanha aquando dos tumultos do Verão o mesmo tipo de conclusões que aquelas tiradas para as bem sensatas manifestações gregas (comparadas à violência inglesa).

(14) Assim, a UE aumenta significativamente seu orçamento para a investigação ao passo que as restrições multiplicam-se nos Estados Unidos. Fonte: Nature , 05/07/2011

(15) Mesmo o Wall Street Journal de 12/09/2011, pouco suspeito de eurofilia aguda, reconhece que a Eurolândia prepara-se para passar a uma nova etapa de integração via um novo tratado. A Spiegel de 02/09/2011 confirma esta tendência.

(16) Como explica claramente John Tammy no Real Clear Markets de 25/08/2011: "O problema da Europa não é realmente o Euro".

(17) Sublinhamos a propósito que a antecipação política , metodologia sobre a qual são fundamentados os trabalhos do LEAP/E2020, não visa agradar tomando seus sonhos (ou seu pesadelos) por realidades (abordagem ideológica por excelência), mas é um instrumento de ajuda à decisão, bem ancorada no mundo real. E aconselhamos os leitores a guardar na memória um teste muito simples para verificar a diferença entre as duas abordagens e determinar assim qual grau de fiabilidade conceder a uma análise sobre a evolução da crise: as análises passadas permitiram prever correctamente e de modo regular os desenvolvimentos da crise? Ou, muito pelo contrário, nada ou quase nada do que foi anunciado realizou-se? A seguir, cabe a vós escolher o que quer utilizar para tomar vossas decisões; mas ao menos fará com conhecimento de causa!

(18) A este respeito, no que se refere à crise actual, o LEAP/E2020 considera que a tomada de consciência crescente, no seio dos dirigentes e das opiniões públicas da Eurolândia, devido ao facto de que há no mínimo uma operação de propaganda vinda do outro lado da Mancha e do outro lado do Atlântico destinada a "quebrar a confiança no Euro", vai implicar no próximo ano uma revisão radical das referências e da credibilidade dos jornalistas e dos peritos que tratam da crise. Pois quem diz manipulação ou complot, para retomar as palavras de Laurence Parisot , a presidente do MEDEF , organismo que reúne os patrões das grandes empresas francesas, diz ligações inconscientes ou agentes manipuladores. E a Eurolândia que se acreditava, ainda há pouco, numa grande fraternidade com os Estados Unidos e o Reino Unido descobre que as coisas são muito mais complicadas do que isso. Em 2012 consideramos portanto que um certo número de medias da Eurolândia vai começar a questionar a objectividade, mesmo a honestidade, de jornalistas formados quase exclusivamente nos Estados Unidos ou no Reino Unido e/ou nos grandes media anglo-saxónicos na vanguarda em matéria de ataque contra o Euro. O canal France2, onde a situação descrita acima é muito frequente, acaba de fornecer um exemplo notável. Entrevistando a presidente do MEDEF sobre suas declarações a propósito de um complot americano contra o Euro ( France24 , 05/09/2011), a jornalista Stéphanie Antoine não cessou de por em dúvida sem argumento a posição de Laurence Parisot, acrescentando caras eloquentes para mostrar que não acreditava nem uma palavra do que dizia a sua interlocutora. O CV de Stéphanie Antoine na Wikepedia é claro: ela trabalhou em Nova York e Londres para a ABC, CNBC e Bloomberg. Como Laurence Parisot acusava nomeadamente os media dos EUA, compreende-se melhor a ausência de objectividade da jornalista sobre este assunto. Para a nossa equipe, é certo que os jornalistas e peritos dotados deste tipo de referências, essencialmente e mesmo unicamente os EUA e Reino Unido, vão ser progressivamente postos de lado durante o próximo ano no conjunto dos grandes media da Eurolândia. Também neste domínio o mundo de antes está em vias de desaparecer.

(19) Há um bom exemplo com a entrevista do antigo ministro alemão das Finanças, Peer Steinbrück , realizada por dois jornalistas da Spiegel em 12/09/2011. O primeiro diálogo é eloquente: os jornalistas começam por afirmar que o Euro não pode ser salvo. O antigo ministro perguntam-lhes de onde tiraram esta "verdade" e os jornalistas justificam-se repetindo um cliché veiculado pelos eurocépticos de todo tipo desde há ano: "porque de facto não pode funcionar pois nossas economias são diferente". Dois ensinamentos a extrair deste exemplo: os jornalistas posicionam-se como "peritos" ... é o político que eles entrevistam que é obrigado a colocar-lhes perguntas sobre a legitimidade das suas afirmações. E na ausência de conhecimento, eles não fazem senão repetir lugares comuns sem nenhuma análise do assunto que devem tratar. Esta é infelizmente a situação dominante nos media europeus desde há meses sobre tal assunto. Em desculpa dos jornalistas, eles são vítimas da incapacidade dos actuais dirigentes da Eurolândia para apresentar uma visão a longo prazo. Este simples facto permitiria dissipar este "nevoeiro de guerra" em um minuto. Os comentários de Peer Steinbrück são muito interessantes e descrevem, segundo LEAP/E2020, bastante fielmente o processo dos próximos meses.

(20) E os eurocépticos de direita e de esquerda em manobra no continente europeu, que crêem ter encontrado a justificação das suas análises mesmo que as mesmas sejam desmentidas a cada dia pelos factos e os progressos da integração europeia. Eles seriam mais avisados se se concentrassem sobre a maneira de obter uma democratização da governação da Eurolândia que está em vias de se estabelecer, ao invés de sonhar seus "amanhãs que cantam" e que já caíram no esquecimento da História.

(21) Pode-se ler este artigo muito interessante retomado da Vanguardia pela PressEurop de 08/09/2011 sobre as duas maneiras de estar em crise, comparando a Itália e a Espanha.

(22) Retornaremos daqui até o fim de 2011 à antecipação pormenorizada da evolução da Eurolândia no horizonte de 2015; mas uma coisa já é certa: Londres não pode mais se opor e será visto nas próximas semanas que o Reino Unido procurará unicamente negociar algumas vantagens em troca da sua inelutável aprovação à integração acrescida da Eurolândia. Londres tão pouco pode permitir-se o menor choque económico suplementar sob pena de ver a economia britânica entrar em colapso. Fonte: Telegraph , 15/09/2011

(23) A decisão 15/09/2011 dos bancos centrais ocidentais de recomeçar a inundar de dólares os grandes bancos não terá mais efeito durável do que anteriormente. Isso não faz senão confirmar a situação muito frágil de todos os estabelecimentos financeiros ... supostos terem passado nos "stress tests" que garantiriam a sua solidez. De resto, isso pressiona os bancos da zona Euro a emprestar em Euro: 2012 deveria ver tal situação impor-se rapidamente. Fontes: MarketWatch , 15/09/2011; Les Echos , 12/09/2011

(24) Mas não unicamente: com Weber e Stark assiste-se também ao fim da geração dos "Bundesbankers" da RFA. Sua visão das coisas era certamente adaptada à gestão do banco central da Alemanha do Oeste, mas os desafios do BCE para os próximos anos são de outra ordem. A geração "Erasmus" dos banqueiros centrais deve agora tomar o seu lugar por inteiro. E quaisquer que sejam suas convicções, esta geração sabe da importância estratégica do debate entre europeus antes de se lançar em grandes reformas. Entre a urgência da crise e o necessário debate de fundo entre europeus, é mais do que tempo de renovar as elites alemãs e francesas em particular uma vez que elas estão no núcleo do processo: acabadas as certezas "científicas" dos peritos/decisores alemães e terminada a arrogância brilhante dos tecnocratas/decisores franceses. Dos dois lados assiste-se à necessidade de pessoas que saibam trabalhar com a equipe Eurolândia: uma qualidade que todos os eurolandeses devem manter em mente antes de eleger seus próximos dirigentes.

(25) "Quem vai lentamente vai saudavelmente e quem vai saudavelmente vai longe".

(26) Esta é igualmente a grande evolução de 2011 do debate sobre a crise na Alemanha: acabados os delírios de 2010 sobre o retorno ao Deutsche Mark, existe doravante na Alemanha um debate real e sério sobre os melhores meios de vencer a próxima etapa de integração da Eurolândia. É lamentável que em França não exista um tal debate. Será preciso aguardar a eleição do ou da candidata socialista em Maio de 2012 para poder franquear esta etapa. Neste momento, os dois países poderão desempenhar novamente um verdadeiro papel motor. Actualmente eles actuam sobretudo em posição defensiva: é necessário mas não suficiente para 2012.

(27) Dito isto, os Eurobonds estão doravante ao alcance da mão. Fonte: MarketWatch , 30/08/2011

(28) Fonte: International Financing Review , 02/09/2011

(29) Já os hedge funds saem exangues do Verão de 2011. Fonte: Les Echos , 01/09/2011

(30) Pode-se ler este artigo interessante de The Nation de 19/07/2011 que descreve a passagem dos Estados Unidos, em 50 anos, de uma prosperidade em massa a uma recessão duradoura.

(31) As famílias americanas estão efectivamente ainda mais endividadas que o seu governo! Fontes: MSNBC , 09/09/2011; AlJazeera , 04/09/2011; Yahoo Finance , 28/07/2011

(32) No próximo GEAB nossa equipe desenvolverá suas antecipações sobre os Estados Unidos no horizonte 2015.

(33) Fontes: Washington Post , 14/09/2011; The Hill , 08/09/2011

(34) Fonte: Washington Post , 14/09/2011

(35) Fontes: Financial Post , 01/09/2011; CNBC , 08/08/2011

(36) Um número crescente de questões colocam-se sobre a estranha diferença entre o preço do petróleo bruto nos Estados Unidos e o do mercado londrino. Mesmo o Financial Times entrou na dança. E os índices tendem a orientar para um dos múltiplos intermediários do Fed que manteriam artificialmente baixo o preço de referência dos EUA para evitar uma alta do preço do combustível na bomba. As próximas semanas deveriam revelar mais elementos sobre esta história intrigante mas reveladora do ambiente de suspeição em relação a instituições federais que doravante reinam nos Estados Unidos. Fonte: Le Monde, 06/09/2011

(37) Fonte: ZeroHedge , 02/09/2011

(38) Fonte: ZeroHedge , 08/08/2011

(39) Fontes: USAToday , 09/09/2011

(40) Este será igualmente um dos temas abordados na conferência "Qual relação transatlântica após a crise global?" que haverá em Houston dias 3 e 4 de Outubro próximo, nomeadamente com a participação de dois responsáveis do LEAP/E2020, Franck Biancheri e Harald Greib.

[NR] Resistir.info publica este artigo para informação dos seus leitores, mas isso não significa um endosso a todo o seu conteúdo. Quanto ao dito "espaço de discussão" junto à opinião pública criado pela UE, os autores parecem de um optimismo delirante — eles parecem muito lúcidos em detectar as mazelas do dólar americano, mas altamente benevolentes em relação às do euro. Deve-se assinalar que o tipo de análise que efectuam evacua as relações de classe no interior da UE. Em relação à Grécia, descartam a possibilidade de vir a ser expulsa da zona euro mas nem sequer afloram a possibilidade de o próprio povo grego optar pela seu afastamento do euro e da UE. O tratamento bárbaro que a UE está a infligir à Grécia – e que agora começa a ser aplicado a Portugal – aponta nesse sentido. Embora os autores neguem que a sua análise seja ideológica, na verdade o seu europeísmo sem banqueiros também é uma posição ideológica...

15/Setembro/2011

[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

O original encontra-se em www.leap2020.eu/...


Este comunicado encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, setembro 18, 2011

Buraco na Madeira

Louçã: "Não se atrevam a esconder" a austeridade

por LusaHoje
Louçã: "Não se atrevam a esconder" a austeridade
O Bloco de Esquerda advertiu hoje o PSD e o CDS para que "não se atrevam" a apresentar o programa de reorganização das contas da Madeira, com as suas medidas de austeridade, apenas depois das eleições regionais.
"Não basta uma auditoria que seja a soma das parcelas do desvio colossal da Madeira, porque agora vamos precisar esse número e perceber se há alguma empresa escondida. Queremos saber também cada uma das parcelas", sustentou o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, em conferência de imprensa. De acordo com Francisco Louçã, como consequência da auditoria haverá um programa de reorganização das contas públicas da Madeira, que exigiu ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que seja conhecido antes das eleições regionais de 09 de Outubro próximo.
"O Bloco de Esquerda vai apresentar alternativas consistentes sobre as contas públicas da Madeira. É sobre isso que se vai votar: Se quem ficou com o dinheiro vai ter de ser responsabilizado quando abusou do poder público que tinha, ou quando abusou das vantagens empresariais que tinha por favorecimento; ou se vão ser os pensionistas, os assalariados, os trabalhadores e contribuintes em geral que vão pagar", apontou o líder do Bloco. Francisco Louçã desafiou depois PSD e CDS para que "não se atrevam a apresentar esse programa de reorganização das contas depois das eleições, porque esse programa dura quatro anos".
"Quem vai votar deve ter a possibilidade de conhecer o que vai acontecer sobre os seus impostos, salários e direitos sociais. É indispensável que o programa seja apresentado", disse. Francisco Louçã observou depois que o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, vai estar ao lado do líder do PSD/Madeira, Alberto João Jardim, na próxima campanha das eleições regionais. "Será aliás um dos momentos mais importantes da política portuguesa até ao final deste ano. Será um dos momentos mais reveladores, porque depois do tudo o que aconteceu vamos ver Passos Coelho e Alberto João Jardim de braço dado", considerou o coordenador do Bloco de Esquerda.
Francisco Louçã reclamou então que, ainda antes das eleições, Passos Coelho diga aos madeirenses "se eles vão ter de pagar o custo daquilo que não provocaram". "Essa é a mais importantes de todas as decisões destas eleições. Quero a todo o custo evitar a fraude eleitoral que seria apresentar na segunda-feira, dia 10 de Outubro, um programa sobre os salários, pensões, saúde e impostos que não seja dito aos madeirenses a tempo de eles pensarem e escolherem nas eleições", frisou Louçã.

Anarco qualquer coisa Versão para impressão
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Não falta quem tenha a opinião de que há um ressurgimento do anarquismo, pelo menos na Europa. Não há fumo sem fogo, dir-se-ia. Contudo, é importante precisar algumas distinções nessa análise.
1. Historicamente, o anarquismo corresponde à infância do movimento operário contra a opressão burguesa e a exploração capitalista. Tratou-se de uma fase natural, de revolta contra a máquina jurídico-económica que condenava milhões de trabalhadores a uma existência mais que miserável e perto da escravidão. Marx e os socialistas criticaram no anarquismo a sua inconsequência, a sua incapacidade de alternativa política: não tinham outra sociedade a propor que não fosse uma vaga auto-organização dos produtores, não tinham subjectividade política porque recusavam a mesma ideia de um operário participar na política. Não se exceda, porém, o campo das críticas socialistas. É um facto, que nesse tempo, Marx, e muito também Engels, foram adversários dos anarquistas, de Proudhon a Bakunine, e outros. Os “marxistas” foram ácidos e impiedosos no desmascaramento da cisão que os anarquistas protagonizaram na Internacional Comunista. No entanto, nunca negaram ao anarquismo, sobretudo no sul europeu, ligado ao sindicalismo, a maturação de uma nova consciência de classe, elemento indispensável para a construção de uma consciência da luta de classes.
Os fundadores do socialismo moderno acharam ingénua a ideia de “abolição do Estado”, ou da “abolição da autoridade”, acharam simplista a ideia de uma “greve geral” derrubar o capitalismo. Contudo, ressalvaram os objectivos em comum com o anarquismo. O desaparecimento do Estado, como máquina de opressão classista, só é possível com o advento de uma sociedade sem classes, asseveravam. As lutas do proletariado eram compreendidas como percurso até à revolução e à tomada do poder, o poder dos explorados para deixar despontar uma sociedade sem classes. Os militantes marxistas, no passado, no afã de recuperarem para o seu lado prosélitos do anarquismo, diziam-lhes, nessa vizinhança da doutrina proletária, que a Anarquia seria possível depois do comunismo. Era uma questão de inteligilibilidade do processo histórico previsível. Previsível à luz do materialismo histórico, claro.
2. Neste contexto geral, há uma dívida histórica ao anarquismo, pese a sua inconsequência, como um dos fautores da modernidade anti-capitalista, a par de todos os outros que fizeram a negação progressiva, a superação, dos objectivos da revolução francesa.
O anarquismo do século XIX e parte do século XX privilegiava organizações de massa, sindicatos e outras, e dotou-se de uma imprensa reconhecida, tinha uma lógica de choque de classe que hoje se chamaria multidinária. Mas isolou-se, pela inconsequência filosófica e pela proliferação do terrorismo que lhe foi associado em vários países.
Em Portugal, o anarquismo só se apagou no movimento operário após o levantamento anti-fascista de 18 de Janeiro de 1934. Como é conhecido, a corrente comunista impôs-se sobre a desagregação geral dos seguidores anarco-sindicalistas, agravado pelo destroço desta influente corrente na guerra civil espanhola.
Este apontamento, a traço grosso, não aflora a tradição libertária posterior. Foca-se, antes, naquilo que possam ser os movimentos anarquistas da actualidade.
3. Na primeira década de dois mil, deram na vista os “Black Bloc”, tirando vantagem das formidáveis manifestações anti-globalização imperialista para aí vandalizar “os símbolos” do capital, provocar confrontos com a polícia, envergando roupas negras e capuzes. As experiências prévias a estas acções provieram da Alemanha e generalizaram-se. Os Black Bloc não se consideram um movimento, uma rede, afirmam-se uma “táctica”. O seu sujeito é ser uma “táctica” de combate, a que podem aderir todos os “anti-autoritários”. É-lhes comumente atribuída a designação de anarquistas, que não rejeitam. A actividade é puramente provocatória, tem tido altos e baixos consoante a infiltração policial. A suposta “táctica” não faz avançar um milímetro a luta de classes, ao contrário tem dado pretexto para a repressão policial, e rouba os “headlines” das acções populares para os desacatos de um mini-grupo. A conveniência para a burguesia não pode ser mais gritante. A coisa tem um nome: Black Bloc. Mas não existe o sujeito, o sujeito é “uma táctica”, a coisa não interessa, só interessa “um” movimento, até só único artigo do imaginário estatuto: ter um passa-montanha preto.
A crítica a estas “organizações dissimuladas” é aqui feita a partir da ideia marxista de que a violência é a parteira da história, mas a violência das massas, as revoluções que os povos empreenderam nas fracturas da história. Como a burguesia nestes dias rejubila com a violência de massas contra alguns dos ditadores da zona árabe! Pensar que as acções de micro-grupos “excitam” a rebelião não tem prova histórica. Há trinta anos discutia-se o aventureirismo da “guerrilha urbana”, hoje a acção directa mistura-se com uma vaga “desobediência civil”, uma indefinida insurgência, e por vezes até de uma simpática inocência.
4. Não será possível abordar a “táctica” black sem perceber a origem do processo. Nos anos sessenta do século passado foram nascendo os chamados “autonomistas” em vários países da Europa ocidental. Esses sim, tinham programa e política. Ensaiaram uma simbiose entre anarquismo e marxismo. Do anarquismo retiravam a aversão ao Estado, ao “governo compulsório”, à hierarquia e burocracia dos partidos de esquerda, especialmente dos partidos centralistas de tradição comunista. Do marxismo recuperaram a teoria económica, os princípios gerais da luta de classes: “horizontalizar” a luta de classes é uma consigna que pode hoje parecer estranha mas motivou muitos radicais, em particular grupos estudantis e intelectuais. Para essa luta de classes não havia outro programa senão o anticapitalismo radical, não havia fases, nem alianças.
A estratégia, sem táctica, era a acção directa e a agitação vermelha. Essa foi a tese antiga de Toni Negri, de várias organizações italianas, francesas, alemãs, holandesas, entre outras de menor expressão.
Quem desse caldo, onde se misturavam outros grupos ditos de extrema-esquerda, emergiu para os protótipos de “brigadas vermelhas”, levou o raciocínio até ao fim. As memórias de alguns desses “brigadistas” são pungentes: não se sabe o que lamentam mais, se a ilusão brutal ou o cárcere.
Contudo, o “autonomismo” persistiu, apesar de criticado por muitos libertários que sempre excluíram aproximações ao marxismo, e que inclusivamente procuraram fazer valer a “pureza” do seu socialismo libertário perante a implosão da União Soviética.
5. Autonomistas e anarquistas partilham slogans que hoje vemos aparecer tais como “o povo unido não precisa de partido”, “o povo organizado não precisa de estado”, etc.
Desde logo, percebe-se que fazem coro com a direita populista “contra os partidos”, o voto branco subitamente é uma atracção, exactamente porque é o anti-voto. Pergunte-se: é uma crítica por junto aos partidos existentes? Seria compreensível, e matéria de discussão à esquerda, onde nem à direita nem à esquerda os partidos são todos similares. Todos e cada um estão sujeitos à crítica da cidadania. No entanto, não é isso que se passa. De facto, acham estes activistas é que os trabalhadores não devem ter partidos. Decretam a impossibilidade de um partido de classe para o socialismo. Não pretendem revolucionarizar sequer os partidos de esquerda existentes. Não pretendem fundar nenhum outro. São auto-proclamados contra-poder, como tal contra-cultura. E a contra-cultura é antipartido. A opressão cairá por levantamento, o tempo pouco importa, o povo auto-organiza-se. É matéria de fé. Assim percebemos que estamos num projecto de anarco-qualquer-coisa. A crítica que aqui se produz parte até de um ponto de vista que não é parlamentarista, nem eleitoralista, embora ninguém posa dispensar o voto popular a não ser as ditaduras. A crítica que aqui se perfila sabe e condena desvios autoritários de partidos de base popular, e repudia o controleirismo sobre organizações sindicais, movimentos sociais, cooperativas, etc. Mas nada disso habilita quaisquer activistas a achar que o proletariado não precisa de partido político. Nesse aspecto, este debate já não é dirigido a uma manifestação infantil do movimento operário, mas apareceu como uma caricatura do passado.
Esse “autonomismo” teve inclusivamente à ideia peregrina de que os movimentos sociais “autênticos” são apartidários e contra-partidários. Há uma classe que agradece, mas não são os trabalhadores.
6. Recentemente, houve quem procurasse aparentar o movimento dos “indignados” ao autonomismo. É, tudo o indica, uma simplificação e um erro. Ressalvando que o movimentos dos “indignados” em Espanha é bem diferente de França, ou doutros lados. O protesto português do Rossio não é de extracção ideológica, o que não quer dizer que não se cruzem vários pensamentos. A plataforma que conseguiu a revolta de jovens, contra o austeritarismo é uma justa direcção de luta, quem não o dirá. Mas dificilmente alguém vê ali um programa anti-capitalista. As reivindicações democráticas são por um poder diferente mas não se pode concluir que são “contra-poder”. Determinadas concepções basistas, o assembleísmo extremado podem ser o desejo de uma “política outra”, consideravelmente distante no entanto da abolição da autoridade. As referências reportam-se a escrito e slogans, sem prejuízo que individualmente pudessem compartilhar essa “tomada de espaço” outras causas de um vago libertarismo. A pergunta do Rossio é outra: qual o eco da espontaneidade?
Luís Fazenda
A Comuna

Capitalismo financeiro: o terreno fértil da crise alimentar Versão para impressão
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O sistema capitalista, actualmente de cariz financeiro, especulativo e global está a produzir a um ritmo nunca visto crises estruturais e sistémicas de gravidade e abrangência global: crise financeira, crise económica, crise climática, crise ambiental, crise alimentar, crise da dívida, crise social, são as diferentes faces da crise da globalização. Estas crises são fonte de grande preocupação e têm consequências gravíssimas crescentes para todas/os em múltiplos domínios da vida, mostram também, de forma cada vez mais evidente, as contradições de um sistema insustentável que rebenta por todos os lados. O desfecho será imprevisível.
Pretendemos neste texto demonstrar como o capitalismo financeiro, que alia o capital bancário ao capital industrial, tomou conta da produção dos alimentos e levou este sector vital a uma crise alimentar global que, para além da fome e da subnutrição leva ao aumento da pobreza, ao desequilíbrio demográfico campo-cidade que traz por si múltiplas consequências e ao agravamento ambiental e climático.
Como foi defendido por Marx, o modo de produção capitalista leva a fases de estagnação no sentido em que os investimentos quando saturam o mercado tendem a baixar a sua taxa de rentabilidade. O capital tem sempre de procurar novas formas de rentabilidade - a realização da sua vocação que é a realização de mais capital - e por isso adopta comportamento imperialista na procura do controlo de novos mercados e recursos, novas ou mais agressivas formas de se realizar. Ao longo dos tempos as crises do capitalismo têm sido inúmeras. A fusão do capital financeiro com o capital industrial, a transnacionalização e a concentração de investimento através de aquisições e fusões de empresas abriram novas oportunidades no fortalecimento do capital para fazer investimentos colossais e cada vez mais diversificados em múltiplas áreas e por todo o mundo.
O mercado de produção alimentar é um negócio atractivo e seguro que tem sido objecto de investimento ao longo do tempo. A crise financeira global de 2007/2008 acentuou isso fazendo com que os investidores procurassem investimentos mais seguros que activos tóxicos e outros que se têm mostrado muito instáveis. A terra, a água, a produção agrícola são seguros e, ao que parece excelente investimento, todas/os nós precisamos de nos alimentar e este mercado gera elevada rentabilidade se houver um forte controlo dos seus recursos e meios de produção, aposta na tecnologia e intensificação da produção. Várias transnacionais, muito fortalecidas pelo capital financeiro, têm apostado intensamente nesta área, com capital que vem do excedente de outros sectores e entra na agricultura com montantes outrora impossíveis. Mas, apesar de conseguir elevada rentabilidade, não ajuda a resolver as carências alimentares está a produzir o seu contrário, o aumento dos preços dos bens alimentares de base, aumento da fome, da pobreza e da desertificação. A sua função não é alimentar, mas acumular capital.
Vejamos a evolução do preço dos alimentos nos seguintes gráficos da FAO(1) (Food and Agriculture Organization of the United Nations):
Fao_Food_Price Fao_Food_Price_2Os preços estão actualmente mais elevados que nunca, o acesso a alimentos por milhares de milhões de pessoas está cada vez mais difícil de assegurar, a fome, a subnutrição crónica são realidades. Segundo também este organismo da ONU, o número de pessoas com fome aumentou de 900 milhões para 1,2 bilhão(2). No chamado Corno de África são estimados em 12 milhões a morrer de fome, na época em que os preços dos alimentos de base estão mais elevados que nunca. O problema não é só a seca e o conflito.
Há quem tente demonstrar que este aumento será rapidamente ultrapassado pela mão invisível do mercado que, perante o aumento do preço dos produtos, aumentará a produção, acontecendo a regulação automática que os neoliberais tanto gostam, apesar desta mostrar sistematicamente que não funciona assim: outras variáveis se atravessam no caminho, as quais, curiosamente, nunca são contabilizadas por tais economistas. Desde 2008 – um pico dos preços – que esta teoria é defendida e afinal continuamos com preços muito elevados, mais do que nesse mesmo ano. Outros, tentam direccionar as causas deste fenómeno para razões apenas conjunturais como o aumento do preço do petróleo que será ultrapassado ou alterações climáticas (estas podem ser vistas como conjunturais, obra do acaso, mas para quem aceita o impacto do aquecimento climático na atmosfera compreende que temos pela frente uma maior instabilidade do tempo, com as múltiplas consequências que isso provoca); outros, avançam a perigosa teoria da sobrepopulação mundial. No entanto, estes esquecem que milhares de milhões perdem o acesso à alimentação por serem expulsos da terra de onde sempre se sustentaram e que, actualmente, se desperdiça cerca de 1/3 da produção alimentar.
Ao contrário, o que queremos demonstrar aqui é que apesar de haver causas conjunturais, as causas estruturais são as fundamentais, porque apesar da produção industrial, a fome crónica é uma realidade há décadas e a tendência de elevação dos preços não mostra querer inverter-se mesmo quando determinadas condições são ultrapassadas. As causas da crise alimentar estão ligadas ao modo de produção e de comercialização. O planeta tem capacidade para produzir alimentação para toda a humanidade se alterar o modo de produção e a forma de acesso aos alimentos. As medidas de emergência anunciadas como o aumento dos pacotes de “ajuda alimentar” ou o aumento das facilidades à importação e a plantação de mais transgénicos não são a solução, apenas aprofundam a dependência e o problema.
As condições estruturais ligadas à fome são várias e cumulativas e estão fortemente ligadas à entrada do capital financeiro internacionalizado no investimento e controlo da produção alimentar nos seus vários domínios: terra, sementes, fertilizantes, pesticidas e maquinaria, produção agrícola, processamento, transporte e distribuição, comercialização. Este controlo faz-se de várias maneiras, desde a posse dos meios de produção até à política de produção, desde a politica monetária aos tratados de comércio, aos subsídios e à legislação.
A “dolarização” da economia, os tratados de livre comércio e as políticas do FMI e Banco Mundial, assim como a prática de subsídios à produção nos países ricos têm promovido de forma sistemática a entrada das grandes empresas e dos seus produtos nas economias mais fracas a preços demasiado competitivos, destruindo o seu mercado de produção interna e promovendo o abandono dos campos de inúmeros camponeses. Quer seja através de condições favoráveis de câmbio, quer seja através da liberalização dos mercados e suprimento de taxas de importação, os produtos locais deixam de ter capacidade de competir com o que vem de fora, subsidiado e produzido de forma altamente mecanizada e industrial. Esse é um primeiro passo para a dependência que não acaba aqui. A aposta forte do capital em investigação e tecnologia aliada à produção promove o domínio e controlo total dos mecanismos industriais de produção que acabam por ser impostos ao resto da produção que agora fica dependente deste modo. Simultaneamente, as políticas públicas de apoio à agricultura local e nacional são reduzidas, ficando restringida ao apoio do modo de produção capitalista. A produção industrial é altamente dependente do petróleo e de alguns outros nutrientes, quer seja para a maquinaria, quer seja para os aditivos químicos, assim, a vulnerabilidade dos preços relativamente a estes insumos aumenta. A pressão para políticas de privatização dos bens públicos como a terra, a água, ou as sementes é cada vez maior, sendo o seu comércio concentrado nas mãos de umas tantas empresas, a par dos outros meios de produção. A crise do petróleo tem levado o capital financeiro a apostar recentemente nos agrocombustíveis desviando grandes quantidades de terra e plantas oleaginosas e açucareiras para esta produção. A produção de carne para um mercado estimulado a consumir este produto em excesso é também uma aposta forte que consome quantidades colossais de cereais e de terra. Os países do sul têm servido como banco de recursos como a terra e a água, e onde a produção já não é controlada suficientemente por estes estando direccionada sobretudo para exportação de determinadas culturas, de acordo com a necessidade dos países ricos, ficando a segurança e a soberania alimentar desses mesmos países altamente comprometidas.
O investimento aposta num modelo agrícola industrial que, aparentemente, parece ter maior capacidade de produção, mas tem contradições importantes: expulsa os camponeses do campo que se transformam em exército de desempregados em cidades insustentáveis, com desertificação do interior; esgota os solos; uniformiza a produção e o consumo tornando-a mais dependente de insumos e do petróleo; torna a alimentação menos saudável; promove o aquecimento climático; retira à agricultura a sua multifuncionalidade: além da função económica, também a função de fixar pessoas no campo, a função social e cultural de manter comunidades e modos de vida diversos, a função de alimentar(!) e a função ambiental de manutenção da biodiversidade, importante chave da vida.
Existem vários estudos que mostram que a produção não industrial consegue uma elevada taxa de produção, muitas vezes maior produção por ano, por unidade de área que a produção industrial, mas que, como não é homogeneizada e não explora milhares de milhões de hectares não tem a mesma rentabilidade financeira. No entanto, o que deveria estar em causa é a produção de alimentos saudáveis e o direito à alimentação, ou não?
De acordo com a Via Campesina(3), estima-se que o domínio do capital financeiro sobre a produção agrícola ao longo de cerca de três décadas concentrou uma importante parte da produção e comercialização mundial de alimentos em 30 grandes empresas transnacionais. Por exemplo, os supermercados, altamente fortalecidos pelo capital financeiro, actualmente reduzidos a meia dúzia de grandes cadeias que controlam o grande quinhão do mercado mundial, têm a capacidade de comercializar impondo aos produtores os produtos, os preços, as quantidades e prazos de pagamento (às vezes a seis meses ou um ano, como se de um banco se tratasse) aniquilando a produção local, diversificada, ou independente.
A dependência foi assim crescendo continuamente, através de vários mecanismos e da perda de capacidade produtiva de milhares de milhões de camponeses e pequenas empresas, perda de soberania dos Estados, migração constante de pobres para a cidade e aumento da quantidade de desempregados e desenraizados nas cidades, altamente dependentes do preço da alimentação para a sua parca sobrevivência. Chegados a este ponto temos o monopólio de grandes empresas de toda a cadeia produtiva por um lado, e a dependência extrema das pessoas, por outro. A partir daqui a especulação tem terreno livre de actuação e os preços médios dos produtos já não têm muito que ver com os seus custos de produção, jogados entre dumping e a especulação. A especulação está nos produtos do supermercado, no preço das sementes, passando pelo mercado de futuros nas bolsas em que se aposta no preço dos cereais a 50 anos, ou nos fundos de investimento que actualmente compram milhares de milhões de hectares de terra a milhares de Kms de distância.
Não há dúvida que esta realidade vai deixando estalar contradições que podem vir a alterar o estado das coisas: a falta de credibilidade dos produtos que actualmente comemos em termos de saúde; o aumento exponencial das cidades, das suas periferias e do exército de pobres, desempregados e subnutridos; a fome que alastra. Exemplo disso são os motins de 2008 em vários países e a Primavera Árabe, conflitos que se iniciaram devido à subida do preço dos alimentos... Nunca se pensou que as consequências fossem aquelas.
Rita Silva
(1) http://www.fao.org/worldfoodsituation/wfs-home/foodpricesindex/en/
(2) Ledislau Dowbor, Carta Maior
(3) http://viacampesina.org/en/, rede global de movimentos sociais que se batem pela agricultura familiar e camponesa e pela soberania alimentar dos povos

Bloco exige aplicação na Madeira da lei das incompatibilidades

Francisco Louçã afirmou hoje que o primeiro-ministro tem de dar respostas objectivas sobre o escândalo das contas da Madeira e sublinhou: “Espero que da reunião com o Presidente da República saia a certeza de que vai acabar agora, que não vai durar mais um ano sequer, o regime extraordinário de protecção da proximidade e da promiscuidade entre cargos públicos e interesses empresariais na ilha da Madeira”.
Foto de Paulete Matos
Foto de Paulete Matos
Em conferência de imprensa, o Bloco de Esquerda pronunciou-se, neste domingo, sobre o escândalo das contas falsificadas na Madeira. Francisco Louçã exigiu que Passos Coelho dê respostas objectivas e que da reunião entre o Presidente da República e o Primeiro-ministro, que terá lugar nesta segunda feira, seja feita uma especificação das dificuldades financeiras que a Região Autónoma da Madeira coloca a todo o país e que fazem com que Portugal “passe uma vergonha” a nível internacional “pela falsificação das contas da Madeira”.
Francisco Louçã afirmou: “São precisas soluções e uma das mais importantes, além de se saber quem ficou com o dinheiro, é impedir que continue um regime que desafia a Constituição e que permite que responsáveis políticos votem partes do Orçamento Regional para si próprios. Uma lei de incompatibilidades entre o exercício dos cargos públicos e os interesses privados é indispensável para a higiene política da Madeira”.
O coordenador da comissão política do Bloco de Esquerda referiu que “na Madeira, nos últimos dois anos, foi detectado um desvio de 1.600 milhões de euros - um desvio total que seria na ordem do país inteiro de cerca de 60 mil milhões de euros” e salientou que na Madeira, “o endividamento por pessoa é o dobro daquele que sofre o conjunto da economia nacional”.
Francisco Louçã exigiu ainda que a situação que se passa na região autónoma termine: “Espero que da reunião [do primeiro ministro] com o Presidente da República saia a certeza de que vai acabar agora, que não vai durar mais um ano sequer, o regime extraordinário de protecção da proximidade e da promiscuidade entre cargos públicos e interesses empresariais na ilha da Madeira. Isso não acontece em mais nenhum lugar do país, mas na Madeira a lei permite que um responsável político aprove um Orçamento para si próprio, para as empresas que dirige ou para os sectores económicos que lhe interessam”.

Equilíbrio precário na Líbia

Quanto tempo vai demorar para que o conselho de transição que assumiu o poder na Líbia seja comprado? Nesta entrevista, o prestigiado repórter Robert Fisk considera que isso já pode ter acontecido. Por Carolina Rossetti, O Estado de S.Paulo
Rebelde sobre os destroços do avião de Khadafi. Foto de Ammar Abd Rabbo
Com a visão privilegiada de quem enquanto repórter foi testemunha das revoltas populares no Médio Oriente, as de agora e as de antes; e com o olhar analítico de um cientista político, o britânico Robert Fisk falou ao Aliás sobre as possíveis saídas do labirinto que se tornou a “primavera-verão-outono árabe”.
Fisk, conhecido sobretudo pela coluna no jornal The Independent, é autor de um extenso conjunto de crónicas reunidas no livro “A Grande Guerra Pela Civilização: A Conquista do Oriente Médio”, da editora Planeta. Sediado em Beirute há mais de 25 anos, o jornalista passou os últimos seis meses cobrindo as revoltas no Egipto, Bahrein e Líbia.
Com amplo repertório sobre as idiossincrasias do Médio Oriente, Fisk contextualiza os avanços obtidos até agora pelas revoluções, ainda não concluídas, do despertar árabe. Se o que assistimos nesta semana foi o último capítulo da guerra civil na Líbia, com a tomada de Tripoli pelos rebeldes (e a revelação da decoração kitsch do bunker de Khadafi), não há como ter certeza. O que se sabe, segundo ele, é que a comunidade internacional se precipita ao confiar na difusa liderança rebelde, que já dá sinais de inconsistência. “O Ocidente aceitou o conselho de transição como legítimo representante dos líbios, e estamos dando estatuto de governo para rebeldes que não sabemos quem são.”
O correspondente fala sobre os perigos de uma transição sequestrada por velhos baluartes do poder; critica o papel dúbio das potências no tratamento com os ditadores; quebra o silêncio sobre a constrangedora aliança dos americanos com os sauditas; e, por fim, critica a atitude da única democracia no Médio Oriente: “Israel prefere ser rodeado por ditaduras que conhece do que por democracias que desconhece”. A entrevista a seguir foi concedida por telefone, durante uma breve pausa para as férias na Irlanda, de onde viajará para a Síria em alguns dias.
Estamos a testemunhar o desfecho da guerra civil na Líbia?
Robert Fisk– Tornou-se um padrão dos rebeldes, e eu vi isso acontecer repetidas vezes, invadir as ruas, dar tiros para os ar, declarar vitória, quando, na verdade. Khadafi e os seus tanques ainda estão lá. A natureza imprevisível da guerra na Líbia não nos permite tirar nenhuma conclusão definitiva do que pode acontecer por lá. Khadafi pode achar que o melhor seria continuar lutando, para desgastar ao máximo os rebeldes e, aos poucos, roubar a credibilidade ao conselho de transição.
Afinal, quem são esses rebeldes?
Eles não têm liderança, são formados por diferentes grupos, tribais e políticos. Nações ocidentais aceitaram o conselho de transição como legítimo representante do povo líbio, até cedemos o prédio da embaixada da Líbia em Londres para eles se organizarem. Estamos a dar estatuto de governo a rebeldes que, a bem da verdade, não sabemos quem são. Isso é perigoso. Quando o conselho nacional de transição liquida um dos seus e nada acontece, penso que não se pode confiar nele (o comandante Abdul Younes foi morto há um mês em Benghazi num desentendimento entre os rebeldes). A falsa prisão do filho de Khadafi, Saif, também mostra falta de integridade na palavra deles. E o Tribunal Internacional Penal, em Haia, confirmou a informação aceitando a versão dos factos de um grupo altamente duvidoso. Não são só as forças de Khadafi que cometeram assassinatos. Corpos encontrados em Tripoli com mãos atadas são de vítimas dos rebeldes. A Nato apoia pessoas que estão a cometer execuções.
Na quinta [25/8],a ONU descongelou US$ 1.500 milhões de fundos líbios que vão para o grupo que chama de duvidoso. Isso preocupa?
O dinheiro é do povo. Vai ser difícil para a ONU intervir em como as autoridades líbias, quaisquer que sejam, o vão usar. Demos prestígio e influência aos rebeldes. Eles dizem querer democracia, liberdade e o bem-estar do povo, mas todo o ditador disse isso um dia.
A captura de Khadafi pode ser o ponto final para o choque entre civis ou só o começo?
No Iraque foi depois da prisão de Saddam Hussein que a insurgência pegou fogo, isso porque os que antes tinham medo de que os americanos pudessem colocar o ditador de volta no comando perderam as inibições. Na Líbia a situação é diferente. Se Khadafi for apanhado, os governistas têm poucas razões para continuar lutando. Há divisões entre os aliados do ditador também. Os líbios têm experiência histórica de ocupação ocidental imperialista e também de ditadura nacionalista, e não parecem gostar de uma coisa nem de outra. Por isso a procura de uma forma de governo mais digna parece-me algo que a maioria dos líbios quer. Resta saber se o conselho de transição, que adoptou um discurso aparentemente conciliador, realmente pretende aturar os aliados de Khadafi.
A cidade natal de Khadafi, Sirte, foi bombardeada pela Nato. Num artigo, diz que “em breve essa cidade será a mais interessante na Líbia”. Porquê?
Sirte beneficiou no reinado Khadafi com a exploração de petróleo, por isso a lealdade tribal pode-se revelar mais forte que o medo da Nato. Há 70 anos, sob o regime de Mussolini, a Líbia era dividida em duas: a Tripolitânia, cuja capital era Tripoli, e a Cirenaica, cuja capital era Benghazi. Sirte sempre foi uma espécie de dobradiça entre as duas regiões e novas perguntas surgem da escuridão da história. Será que as pessoas algum dia foram leais ao ditador ou apenas a uma ideia de que a sua cidade é mais importante? Todo o libanês que entrevisto se considera primeiro como druso, maronita, sunita ou xiita, e só depois é libanês. Pode ser que os líbios pensem assim também. Não sabemos. Os repórteres passaram tempo demais correndo atrás das pickups dos rebeldes e não se interessaram pelas questões fundamentais que estão no pano de fundo do conflito.
Qual a sua opinião sobre a cobertura da imprensa internacional na Líbia?
Em Tripoli a imprensa foi sequestrada pelas forças de Khadafi. Os jornalistas no hotel Rixos viraram reféns. O máximo que puderam fazer foi olhar pela janela para olhar alguma coisa do que acontecia lá fora. Não dá para trabalhar assim. Lembro que na guerra do Iraque houve também um jornalismo de hotel, mas por opção. Os repórteres chegavam escoltados do aeroporto, faziam o check-in, comiam, dormiam e trabalhavam no quarto, às vezes cumprindo ordens directas das redacções. Não faço objecção ao jornalista que, por segurança e pela família, não quer ir para a zona de guerra. Mas não escreva como se estivesse nas ruas, conversando com as pessoas, dando a falsa impressão de que tem ampla visão da situação. Muitos contrataram repórteres iraquianos para ir às ruas por eles e depois assinavam “especial de Bagdade”. Ok, estavam lá, mas qualquer um com um telefone em Londres poderia fazer aquele trabalho. Eu e outros jornalistas circulamos de carro e, mesmo não podendo ficar mais que poucos minutos em certos lugares, deu para ter uma visão ao menos dos cacos da guerra.
E como foi cobrir a Primavera Árabe?
Grande parte da vida de um correspondente no Médio Oriente resume-se a escrever sobre sofrimento, violência, tortura, morte e injustiça. Suponho que o momento depois da queda de Mubarak, quando comemoravam e cantavam na Praça Tahrir, tenha sido a reportagem mais feliz que já tive oportunidade de escrever. Foi um breve momento de alívio. Mas penso que as raízes do despertar árabe estavam lá muito antes da revolta na Tunísia.
Que raízes são essas?
A primeira revolta popular moderna foi no Líbano, em 2005, depois do assassinato do primeiro-ministro Rafic Hariri. O povo exigiu a retirada das tropas sírias e foi vitorioso. Quando estava a cobrir a mobilização de milhões em Teerão, em 2009, pessoas perguntavam-me como é que os libaneses tinham feito para mobilizar tanta gente. Os iranianos queriam aprender como fazer o mesmo. No caso do Egipto, as sementes de uma revolução futura foram plantadas na cidade de Mahalla, em 2006, num protesto por aumento de salários da indústria. Anos antes das cenas de Tahrir, Mahalla foi uma “cidade-tenda”, com manifestantes com barras de ferro e gás lacrimogéneo por todo lado. Ainda estou a tentar entender esse processo, e penso que a história terá de olhar para o papel que os sindicatos tiveram nos levantamentos árabes. Parece que nos países com sindicatos fortes, Tunísia e Egipto, foi possível reduzir a violência quando o despertar finalmente se consolidou, acelerando a queda do regime. Por outro lado, nos países onde não há sindicatos, Líbia e Iémene, ou onde sindicatos foram cooptados pelo governo, a Síria, as revoluções não foram imediatamente bem-sucedidas e mais sangue foi derramado. A grande pergunta agora é se a Jordânia, que tem sindicatos estruturados, vai pegar fogo ou não.
Como acha que as transições de regime podem se desenrolar na região?
Há algumas possibilidades. Cada um desses países vai descobrir por si o que quer fazer e como construir seu futuro. Talvez aos líderes do passado seja permitido fazer parte do novo governo. No Iraque os americanos não permitiram, e veja o que aconteceu. Talvez os Parlamentos sejam controlados pelos velhos regimes. No Egipto, o Ministério de Interior ainda é controlado por afilhados políticos de Mubarak. Talvez seja preciso fazer concessões a fim de preencher os vácuos de poder e fazer a máquina de governo andar de novo. Talvez para isso seja permitido aos partidos com as melhores máquinas políticas dominarem as eleições, mesmo que não tenham trabalhado pela revolução. Vejo fotos desses líderes gordos e velhos da Irmandade Muçulmana a negociar com os militares no Cairo e penso: onde estavam vocês na hora de revolução? Eu estava em Tahrir e nunca vi nenhum deles lá. A primavera-verão-outono árabe vai durar anos.
O que dizer do silêncio sobre o regime fechado saudita em que as mulheres nem podem conduzir automóveis?
Aí tocou no ponto chave. Todo o momento decisivo de transição histórica no Médio Oriente envolveu a Arábia Saudita. A primeira revolução do profeta Maomé foi lá; o movimento religioso do wahhabismo, no século 18, brotou lá; os pilotos do 11 de Setembro eram sauditas (não havia nenhum afegão); Bin Laden era saudita; os Talibans foram criados com dinheiro saudita. Mas o petróleo também está lá, logo eles são nossos amigos, certo? Causei desconforto a um diplomata americano numa conferência de imprensa ao dizer: “Eu não estou a perguntar sobre a sua vida sexual, mas meramente sobre Israel e a Arábia Saudita”. Tal é o constrangimento actual de se questionar certas alianças. Aliás, o rei Abdullah suplicou a Obama para que deixasse Mubarak no poder. Israel enviou um telegrama aos americanos, dizendo que o egípcio era melhor para a “estabilidade” da região. Justamente os nossos dois aliados na região.
Quais as hipóteses de os líbios consolidarem um governo de princípios democráticos?
Sempre me preocupo com o papel da democracia enquanto fórmula para se atingir o que chamamos de “civilização ocidental”. Os líbios conhecem a história do seu país, a colonização tirana da Europa, lembram-se do corrupto rei Ídris e sabem que às vezes é preciso tomar cuidado também com o que vem do Ocidente. O verdadeiro perigo não é se os líbios vão aceitar a democracia, mas quão corrupto será um novo governo. A corrupção, financeira e moral, é o problema fundamental do mundo árabe. O partido Baath é a instituição mais corrupta na Síria. No Egipto é a polícia. Quanto tempo vai levar para que o conselho de transição seja comprado? Suspeito que já possa ter sido comprado pelos interesses do Ocidente.
Como viu a posição da comunidade internacional de intervir militarmente na Líbia e apenas emitir sanções contra a Síria?
Duas palavras: petróleo e Israel. Obama deu a sua grande cartada com as sanções, mas a Síria não exporta petróleo, aliás, importa dos iraquianos porque é mais barato que usar o próprio. Há gente em Israel que considera Bashar Assad o único homem capaz de fazer paz pelas Colinas de Golã e por isso é melhor que ele fique no poder. Israel prefere ser cercado por ditaduras que conhece do que por democracias que não conhece. Melhor o inimigo que sabemos quem é. Obviamente há uma questão moral envolvida aí. A família Assad é responsável pela morte de mais sírios do que Khadafi de líbios. Para ficar num exemplo só, lembre-se do massacre de Hafez Assad (pai de Bashar) na cidade de Hama, em 1982, em que 20 mil morreram. Os americanos não estão a falar com Assad no mesmo tom com que os franceses falaram com Khadafi. São curiosos os termos usados pela administração americana para pedir a renúncia de Assad. Falou-se em step aside, dê um passo para o lado, mesmo que a certo ponto Hillary Clinton tenha cometido o deslize de dizer step down, mas logo se corrigiu. Essas pessoas não escolhem palavras aleatoriamente. Os EUA estão a sinalizar para Assad que ele poderá continuar a existir, nalguma medida, na cena política da Síria, mas agora é o momento de sair dos holofotes e parar o massacre de civis.
A comunidade internacional tem algum papel a desempenhar de agora em diante na transição dos regimes?
O grande problema da política externa do Ocidente para o Médio Oriente neste último milénio é que sempre nos oferecemos para proteger pessoas e construir liberdade e democracia, mas para isso desembarcamos com espadas, tanques e helicópteros, oferecendo o nosso tipo de liberdade. Os exemplos óbvio de fracasso disso são Afeganistão e Iraque. A nossa arrogância não é de agora, vem dos tempos da tomada de Bagdade pelo Império Britânico em 1917, quando andávamos pelas ruas como libertadores tiranos que diziam libertar os iraquianos da tirania do Império Otomano. George W. Bush retomou esse discurso em 2003. Mandem médicos e construtores de pontes, e economistas para fazer alianças comerciais, mas, por favor, mais nenhum soldado. Temos hoje seis vezes mais soldados ocidentais per capita no Médio Oriente do que na época das Cruzadas do século XII. Ainda não entendemos que a terra deles não é nossa, achamos que o petróleo deles nos pertence, mas não é verdade. Eles são nossos amigos, compartilhamos o planeta, mas não temos direito nenhum sobre o seu destino.
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Reproduzido do Observatório da Imprensa. Publicado originalmente no suplemento “Aliás” do Estado de S. Paulo, 28/8/2011; título original: “Equilíbrio precário”.