Marilu Santana: «Só saio daqui morta ou com o meu dinheiro»
Por Sul Informação
Marilu Santana, a trabalhadora que na sexta-feira se acorrentou às escadas interiores do Clube Praia da Rocha
exigindo o pagamento de salários em atraso, passou a sua terceira noite
em protesto no local. Cá fora, do outro lado do vidro, continuam os
seus colegas, em solidariedade.
Esta segunda-feira, ao meio dia, o Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve
organiza uma concentração de apoio a Marilu e aos outros trabalhadores a
quem a empresa que explora os apartamentos turísticos do Clube Praia da
Rocha deve, no total, mais de 40 mil euros, referentes a dois meses e
meio de salários em atraso, subsídios e compensações não pagas.
Esta noite, mais uma vez, Marilu Santana, de 52 anos, teve de
ajeitar-se em cima de um degrau e de duas caixas de fruta, com almofadas
e cobertores, para conseguir dormir, mantendo-se acorrentada às guardas
metálicas de umas escadas interiores do
resort da Praia da Rocha.
Apesar do desconforto de três dias e três noites no mesmo sítio,
amarrada à volta da cintura por uma grossa corrente com cadeado, Marilu
garante, em entrevista ao
Sul Informação: «Estou muito bem, determinada, com força para continuar».
E continuar até quando? «Até o patrão abrir este cadeado. Ele é que
tem a chave, que é o meu dinheiro e o dos meus colegas, que ele nos deve
e não paga!», responde, determinada, a trabalhadora.
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Cá fora, os colegas vão-se revezando no apoio
Marilu Santana assegura que não está ali apenas por sua causa e do
seu filho, que, como ela, tem muito dinheiro a haver da empresa Green
Stairs, que explora o Clube Praia da Rocha. «Sou porta-voz de todos os
trabalhadores que estão a sofrer o mesmo que eu, aqui e noutras partes
do Algarve e do país, e que não podem falar para não perder o trabalho».
«Faço isto pelo meu filho, pela minha filha, pelo meu neto que há-de
vir, para que todos tenham um mundo melhor que este», acrescenta.
Marilu conta que, depois de ter trabalhado muitos anos como
«empregada de escritório, em imobiliárias e empresas de condomínios»,
ficou desempregada. «Com a idade que eu tinha, 50 anos, já ninguém me
queria dar trabalho, por isso aceitei o que me apareceu, que foi fazer
limpezas aqui. Vim trabalhar para aqui, para os corredores. No total,
trabalhei cá 18 meses. Mas vi que a empresa podia poupar mais de metade
do dinheiro que gastava se, em vez de comprar bolos lá fora, os fizesse
aqui. E fui propor isso ao patrão. Ele aceitou e transitei para o novo
serviço. Fui boleira e pasteleira desta casa durante três meses. Mas
acabei por nunca ver o ordenado desses três meses. Eu poupei dinheiro ao
patrão, mas ele nem o ordenado me pagou».
Cá fora, através do vidro que dá para a frente do Clube Praia da
Rocha (CPR), Marilu Santana vê os seus colegas, como ela também com
salários em atraso, que se vão revezando no apoio e também dormem ali,
ao relento, tapados com sacos cama e cobertores. «Já viu ao que a gente
chegou? Parecemos uns sem abrigo… Mas nós não somos vagabundos, somos
pessoas de trabalho! Apenas queremos aquilo que nos pertence, que são os
nossos salários», reclama uma das colegas.
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Marilu acena para os colegas que estão lá fora, a apoiá-la
A Marilu e aos restantes trabalhadores, além do Sindicato e da
entreajuda, tem valido também a solidariedade dos proprietários de
apartamentos no CPR, também eles há anos em luta contra as sucessivas
administrações do complexo turístico.
Também a PSP de Portimão se tem mostrado compreensiva em relação ao
protesto. Depois de, no primeiro dia, agentes da polícia terem tentado
demover Marilu, nestes últimos dias limitam-se a passar lá de vez em
quando, para saber se está tudo bem com a senhora e com os colegas.
Mas como os restantes trabalhadores, membros do sindicato e mesmo
jornalistas estão proibidos de entrar no edifício, mesmo para levar água
ou comida a Marilu, é graças aos proprietários que as coisas se têm
resolvido, já que entram como seus convidados. Mas a solidariedade não
fica por aqui, como faz questão de sublinhar a trabalhadora em luta:
«eles têm sido incansáveis. Trazem-me café e chá, trazem-me bolachas,
levam as minhas necessidades para despejar, carregam-me o telemóvel, vêm
para aqui conversar comigo».
«Nós também andamos há anos em litígio com a administração, tem
havido dezenas de processos em tribunal, mas, não se percebe porquê,
eles conseguem sempre fazer o que querem, prejudicando tudo e todos. E
isto arrasta-se há anos!», comenta um proprietário.
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Marilu lá dentro, os colegas cá fora, preparados para passar mais uma noite
«Ainda agora voltámos a ter o problema de ter a água e a luz cortada,
porque os apartamentos não têm contadores e eles cobram-nos o que
querem. Fomos à Câmara de Portimão para uma reunião e o argumento usado
pelo Sr. Paulo Martins, o administrador, foi: “não deixem isto fechado
por causa dos trabalhadores”. E mais uma vez eles abriram. Bem se vê o
que ele se preocupa com os trabalhadores…», acrescenta.
«Falta de dinheiro para nos pagar não é. Ainda agora estão a pintar
os edifícios aqui do Clube e tiveram dinheiro para se reabastecer para
abrir para a nova época. E o Sr. Paulo Martins continua a andar aí, para
trás e para a frente, de BMW, enquanto nós nem temos dinheiro para
pagar as nossas casas e dar de comer aos filhos. E ele anda a gozar com o
nosso dinheiro! Sabe qual é o problema? É que estes trabalhadores foram
mandados para o
spam, para a seguir virem outros. E quem lhes garante que o patrão não lhes faz o mesmo?», contesta Marilu Santana.
Tiago Jacinto, coordenador do Sindicato da Hotelaria, que assiste à
conversa sentado também nas escadas, faz questão de salientar que «ao
contrário do que o administrador tem dito, ele nunca fez qualquer acordo
com os trabalhadores, nem tem qualquer reunião marcada com o Sindicato.
Ainda em Fevereiro, o Sindicato pediu uma reunião com urgência, mas ele
diz que só está disponível a partir do dia 1 de Abril». «Isso é porque é
o dia dele, o dia das mentiras», comenta de imediato Marilu.
A trabalhadora duvida que, depois deste seu protesto, consiga
arranjar emprego noutro lado. «Fico conhecida como a sindicalista…mas eu
queria criar o meu próprio posto de trabalho. Se o patrão tivesse pago
os quase 5000 euros que me deve a mim e ao meu filho, eu criava o meu
próprio trabalho, era esse o meu plano. Mas ele ficou com o que é meu e
eu tenho que estar aqui…», diz, segurando na corrente que a prende às
escadas.
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Faixa na V6, a avenida frente ao Clube Praia da Rocha
Longe de perder o ânimo, Marilu diz estar cada vez «com mais força».
Ela e os seus colegas, com os colchões e cobertores no chão, as placas e
faixas com palavras de ordem, já despertam a atenção dos poucos
turistas que estão a chegar ao Clube Praia da Rocha. Mas, como o
aproximar da Páscoa, haverá mais turistas, em especial ingleses,
irlandeses e espanhóis.
É por isso que Marilu diz que vai endurecer a sua luta, se entretanto
a situação de falta de pagamento dos salários em atraso não for
resolvida. «Quando vir as primeiras carrinhas de clientes a chegar do
aeroporto de Faro, com os ingleses, deixo de comer, faço greve de fome.
Só saio daqui morta ou com o meu dinheiro. Não é por mim, é pelos meus
colegas, é pelos meus filhos, é por todos os trabalhadores de Portugal!»
Foi criada no Facebook uma página de apoio à luta de Marilu Santana e dos seus colegas, chamada «
Acorrentados por uma Vida Melhor – Solidariedade Marilu Santana e Colegas».