domingo, junho 26, 2011


E esta esquerda, para quê?

O Parlamento Europeu aprovou uma resolução "sobre os países vizinhos a Sul e, em particular, a Líbia, incluindo os aspectos humanitários", aprovada com 584 votos a favor, 18 contra e 18 abstenções: toda a direita, mais radical ou moderada, o centro, os verdes e parte da "esquerda" votaram a favor dessa proposta, incluindo os três euro-deputados do BE. Os votos contra vieram de outros partidos que integram a bancada do GUE / NGL (os partidos da esquerda), incluindo o PCP.

Esta declaração aprovada quase por unanimidade mas geradora de uma clivagem entre os diversos partidos de esquerda representados no Parlamento Europeu deixa em evidência que não há uma visão de esquerda para a Europa: mesmo nos assuntos de maior gravidade e de alcance mais global, que não se restringem a problemas nacionais, os deputados dos vários partidos não conseguem ter uma perspectiva comum de intervenção ou uma ideia comum do que deve ser o papel da Europa.

Não é coisa de somenos importância: quando tanto se fala da importância de internacionalizar as lutas políticas, de globalizar a construção de alternativas ao modelo económico neo-liberal e às estruturas de poder militar dominantes, nem sequer os euro-deputados, profissionais a tempo inteiro da actividade política e dispondo de todos os meios materiais necessários para uma intervenção eficaz (gabinetes, assistentes, assessores, financiamento para viagens, reuniões, congressos, conferências, publicação de livros, etc, etc), conseguem articular uma ideia mínima do que querem propor para o futuro da Europa. Se estes não conseguem, espera-se que sejam os cidadãos, cada um a viver do seu trabalho ou da angústia do seu desemprego, no seu lugar geográfico, a construir redes internacionais de solidariedade e alternativas políticas?

Do ponto de vista do Bloco de Esquerda, se já parece grave esta conformidade com a política possível e o alinhamento com as posições mais conservadoras no Parlamento Europeu, em nome de um suposto "humanitarismo" cujas consequências havemos de apreciar, há ainda um aspecto mais problemático: o da votação sobre a criação de "zona de exclusão aérea", que pressupõe uma intervenção militar só possível no quadro da NATO e que o próprio presidente desta organização veio saudar. Esta medida, votada em separado do resto das declaração, teve também o voto favorável de um deputado eleito pelo Bloco de Esquerda, partido que programaticamente se afirma a favor da dissolução da NATO. O mínimo da decência seria retirar a confiança política ao dito deputado.

Estas esquerdas que não são capazes de articular respostas comuns no plano europeu têm duvidosa utilidade no Parlamento. Mas pior do que isso é o seu alinhamento com as doutrinas dominantes de regulação internacional e a triste incapacidade de produzir qualquer proposta de alternativa. E ainda pior é legitimar a possibilidade de assistirmos a mais uma intervenção da NATO, depois das dramáticas experiências no Kosovo, no Iraque ou no Afeganistão.

Esta esquerda acomodada, onde se incluem os euro-deputados do BE, que responderam às naturais críticas com despropositada arrogância, não serve para nada porque nada traz de novo. Apesar de tudo, sempre houve 18 deputados, também da esquerda, que, sem terem apresentado alternativas visíveis, pelo menos recusaram alinhar nesta encenação de democracia. 
In Almareios
Comentário: Embora não concorde com algumas posições do meu amigo João Romão, nesta estamos perfeitamente de acordo. O post acima é de 7 de Março passado e concordo totalmente com o mesmo. E na altura manifestei o meu descontentamento na Mesa Nacional do Bloco. E mais uma vez, a História acabou por nos dar razão. Devido às posições inadmissíveis que tomou, a favor da intervenção militarista da NATO na Líbia, o Rui Tavares devia ter-se demitido logo de eurodeputado. Acabou por fazer agora, alegando que estava a ser "perseguido" pelo Bloco. Fracos argumentos. Afinal há já 2 meses que  andava a negociar a passagem para o Grupo Parlamentar dos Verdes, o que não deixa de ser vergonhoso. Se tiver mais respeito por quem o elegeu, deverá demitir-se imediatamente do PE e ceder o lugar ao 4º lugar da lista por onde foi eleito. Haja respeito e dignidade - é o mínimo que se lhe pede. E deixe-se de acusações torpes.
J. Vasconcelos

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