Quando soube da candidatura de Fernando Nobre à Presidência da República, uma semana antes de ser pública, fiquei com muitas dúvidas. Tenho por Nobre uma enorme admiração. O seu percurso cívico só me merece elogios. Irritou-me, é certo, saber que Mário Soares tinha andado a fazer convites num acto de vingança pessoal mesquinha e sem qualquer sentido político. Esperava, confesso, mais de Soares. Mas nem acredito que tenha sido essa a razão que levou Nobre a avançar, nem me parece que a mesquinhez dos outros o afecte ou diminua.
Quando a candidatura foi tornada pública pelo “Expresso” era isto que sentia: de um lado, um bom candidato comprometido com as causas fundamentais da esquerda, do outro, um candidato que nos últimos cinco anos foi das poucas vozes no PS que resistiu de forma clara e com muitas provas dadas à deriva liberal socrática. De um lado, um candidato capaz de convocar o descontentamento de muita gente com a política, dando a esse descontentamento um sentido, do outro, um candidato capaz de unir a esquerda para derrotar Cavaco Silva em torno de um discurso claramente dissonante com o de José Sócrates. A candidatura de Nobre tinha a desvantagem de pôr em causa a derrota de Cavaco, mas esperei.
Devo dizer que a apresentação de Fernando Nobre, no Padrão dos Descobrimentos, foi quase como um balde de água fria. Para mim a política faz-se de escolhas. Não devemos nunca ignorar o desencanto das pessoas com a política. Mas esse desencanto com a política só se combate com mais e melhor política. Tentar pescar nele sem isso é um caminho fácil e perigoso. E foi isso, para meu espanto, que Nobre (que continuo a admirar e cujo o carácter e a coragem não está nem estará para mim em causa) fez. A sua impreperação não me espantou. Uma coisa é ocupar o lugar de presidente da AMI, que só merece elogios públicos, outra bem diferente é o palco político. Mas isso, sendo um problema, podia ser resolvido. O que me espantou e entristeceu foi a indefinição como estratégia.
Quando voto para um Presidente voto em quem vai gerir crises políticas, vai vetar e promulgar leis, vai impedir abusos ou cooperar com a governação. Não passo cheques em branco a ninguém e o discurso estritamente moral e ético, sem o conteúdo que faz da política a escolha entre alternativas, nada me diz.
Pelo contrário, nunca fui um grande apreciador de Manuel Alegre. Nem como político, nem como poeta – não o conheço como pessoa. Critiquei-o várias vezes, de forma até bastante firme, nas últimas presidenciais. Por três razões: o facto das suas discordâncias com José Sócrates parecerem resumir-se ao facto de não ter sido o candidato escolhido, pela sua visão da esquerda parecer viver apenas da memória e por sentir que a sua candidatura sofria, de forma um pouco menos acentuada, do que vejo agora em Fernando Nobre. Um presidente é presidente de todos os portugueses. Um candidato não o pode ser. Isso é a negação da democracia.
Acontece que depois das últimas presidenciais Manuel Alegre fez um caminho. Votou contra o Código de Trabalho, uma das leis mais graves aprovadas nos últimos anos, contrariando assim o seu próprio partido. Defendeu, mais uma vez em oposição ao governo, o Serviço Nacional de Saúde. E, vendo o caminho que isto estava a levar, decidiu não se candidatar a deputado nas listas do PS. A incoerência e inconsequência que lhe via foi, ao longo dos últimos quatro anos, contrariada pelo próprio. Por isso mesmo estive no Teatro da Trindade e na Aula Magna, encontros que tanto incomodaram o circulo político de Sócrates.
Sendo verdade que o meu partido já tinha declarado o seu apoio a Manuel Alegre, entendo que as presidenciais são eleições de natureza diferente das restantes e dão total liberdade aos militantes. As direcções dos partidos apenas podem dar indicações de voto. Foi a minha leitura politica pessoal que, quando Manuel Alegre manifestou a sua vontade de ser candidato, me levou a escrever que o apoiaria.
Mentiria se negasse que a candidatura de Nobre instalou em mim muitas dúvidas sérias sobre a manutenção desse apoio. Dúvidas que aqui fui partilhando. Mas foi o próprio Fernando Nobre, pela estratégia de absoluta indefinição política que decidiu imprimir à sua candidatura, que me retirou todas essas dúvidas.
Assim, votarei Manuel Alegre nas próximas eleições presidenciais e tenciono por ele fazer campanha.
O meu voto e apoio tem três objectivos: retirar Cavaco Silva e o seu conservadorismo social e económico – que tantas vezes se encontra com a insensibilidade social e a arrogância política de Sócrates – de Belém; conseguir uma convergência à esquerda em torno de um programa em defesa dos serviços públicos e do Estado Social; e ter a certeza que na Presidência haverá quem defenda as conquistas sociais dos últimos 36 anos, quer fique Sócrates no governo quer, como é bem mais provável, venha a existir um primeiro-ministro do PSD.
Não farei, como já tinha dito sobre qualquer um dos dois candidatos à esquerda, campanha contra Fernando Nobre. Continuará a merecer o meu respeito e admiração. Mas não é, não podia ser quando acha que os grandes combates que me fazem de esquerda estão hoje ultrapassados, o meu candidato. O meu voto vai para o homem que tem condições para derrotar Cavaco e para, em Belém, ser um defensor dos direitos sociais que nos estão a ser retirados. O meu voto irá para Manuel Alegre.
Sobre o debate interno no Bloco de Esquerda e a proposta de um Congresso Extraordinário farei mais tarde um post à parte.
O Arrastão
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