Para que haja bom senso na avaliação do desempenho
Pois é. O tema da avaliação dos professores é mesmo incontornável. E percebe-se porquê. Nesta altura do campeonato, todos os professores estão a sofrer (enfim, alguns julgam que estão a gozar…) as consequências do modelo em vigor de avaliação do desempenho.
Todos os dias o Paulo Guinote tem publicado no seu blogue exemplos da mais desbragada patologia que campeia por aí em matéria de avaliação dos docentes. Muitos desses exemplos não se devem, directamente, ao Ministério, mas ao “zelo” de professores que, nas mais diferentes escolas, se viram “promovidos” para a posição de “peritos” em avaliar colegas. O que só diz da barrela profunda que, no futuro, terá de ser feita em muitos cérebros com responsabilidade na orientação das escolas. E ainda há quem pense que o “eduquês” ou o “pedagogês” não são vírus letais!
Seja como for, e porque recordar é viver, voltamos a publicar aqui algumas premissas que – desgraçadamente para nós – não perderam actualidade. Pelo contrário, elas voltam a ter uma tremenda pertinência. Podem encontrá-las aqui. Mas, para facilitar, aqui vão elas:
1 – A avaliação do desempenho docente tem de ser expurgada, como tantos outros aspectos do sistema educativo em Portugal, da substância e dos efeitos da ideologia pedagógica posta a circular pelos “especialistas” que têm dominado o Ministério da Educação.
Tal ideologia pretende impor um formato único de professor, pelo qual todos os profissionais do ensino teriam de planificar ao milímetro cada uma das suas aulas, utilizar metodologias «diversificadas» – apenas porque sim – e usar «recursos inovadores» como as «tecnologias de informação e de comunicação», ainda que nem sempre representem uma clara mais-valia acrescentada à leccionação ou à especificidade dos conteúdos lectivos.
Na verdade, a pulsão uniformizadora subjacente a estas concepções mostra-se totalmente incapaz de lidar com a pluralidade do trabalho docente e com o facto de o melhor desse trabalho decorrer, muitas vezes, da abertura à surpresa, do desvio à fórmula, da transgressão do plano. Professores haverá que necessitam de planificar as aulas ao pormenor, e outros que atingem excelentes resultados com base na improvisação (ainda que sujeita a planificações gerais de grupo disciplinar), e na capacidade de inscrever o imprevisto na sua prática lectiva; há professores que recorrem a novas tecnologias e conseguem, com isso, aulas bastante dinâmicas e interactivas, mas existem também docentes que galvanizam os alunos com aulas ocupadas pela análise de textos e até mesmo pela mera exposição oral. Se as formas são importantes, os conteúdos são fundamentais. Acontece que o modelo dominante, mercê da influência de uma ideologia pedagógica que aposta tudo nas metodologias lúdicas, tem sacrificado sistematicamente os conteúdos às formas. Mas tudo isto são evidências que nenhum “cientista” da educação com alma de burocrata, convicto de que as suas “grelhas” captam a intangibilidade da paixão de ensinar, conseguirá alguma vez entender.
(…) No caso dos professores, o âmbito da avaliação excede largamente a simples competência científica, pois o que se está a avaliar é, acima de tudo, a capacidade de
transformar essa competência em conteúdo mobilizável e de encontrar a forma mais adequada de o tornar claro e significativo, para grupos de alunos diversificados em função da idade, dos percursos de aprendizagens e de experiências culturais multifacetadas. E é o facto de as boas práticas de ensino serem de uma enorme diversidade que torna a pedagogia não uma ciência exacta, mas uma arte feita de aproximações, de ensaios e erros, impossível de codificar num receituário supostamente objectivável.
transformar essa competência em conteúdo mobilizável e de encontrar a forma mais adequada de o tornar claro e significativo, para grupos de alunos diversificados em função da idade, dos percursos de aprendizagens e de experiências culturais multifacetadas. E é o facto de as boas práticas de ensino serem de uma enorme diversidade que torna a pedagogia não uma ciência exacta, mas uma arte feita de aproximações, de ensaios e erros, impossível de codificar num receituário supostamente objectivável.
2 – Uma avaliação do trabalho dos professores digna desse nome não pode fragmentar a actividade docente em actos parcelares e atomizados, nem pode esperar que o avaliador consiga encontrar “provas empíricas” isoladas para dimensões tão complexas como a «concessão de iguais oportunidades de participação, promoção da integração dos alunos e da adopção de regras de convivência, colaboração e respeito», como constava de uma das grelhas de avaliação produzidas no âmbito da aplicação do modelo de avaliação de desempenho preconizado pelo ME. No trabalho de um docente, o todo é sempre maior do que a soma das partes. Ora, a burocratização da avaliação do desempenho não significa apenas a produção de um excesso de fichas e de grelhas de registo, mas representa, sobretudo, o domínio de uma atitude reducionista e quantitativista, segundo a qual é possível reduzir um processo complexo e plural como o ensino a uma listagem de comportamentos fragmentados e supostamente mensuráveis. Entendemos que esta perspectiva, alheia à natureza qualitativa do trabalho docente, não está em condições de contribuir para a sua valorização ou de identificar o seu mérito.
3 – A avaliação do desempenho docente não pode estar sujeita ao modelo da “performance” empresarial.
O formato quantitativista que criticámos no ponto anterior resulta, em grande medida, do cruzamento entre as ideologias pedagógicas que imperam no Ministério da Educação e o modelo da avaliação «por objectivos» concebida por teóricos da gestão empresarial. Como é sabido, esse modelo pretende avaliar o desempenho de um trabalhador em função de objectivos previamente fixados e com tradução quantitativa, convertendo os professores em fabricantes de “sucesso” escolar e as escolas em linhas de montagem “educativa”.
4 – A avaliação do desempenho docente não deve basear-se, exclusivamente, na avaliação entre pares.
Ao invés dos que pensam que só a avaliação entre pares assegura o rigor do processo avaliativo, e que aquela constitui, em si mesma, uma situação pacífica, consideramos que a relação entre avaliadores e avaliados, num processo como este, suscita dificuldades estruturais que deveriam aconselhar a maior prudência. Antes de mais, convém lembrar que toda a relação avaliativa orientada para a diferenciação e seriação dos avaliados é uma relação de poder, assentando numa hierarquia passível de ser legitimada. Sucede que, no caso da avaliação entre professores, uma tal relação está, por natureza, fragilizada na medida em que é eminentemente contestável. De facto, os professores obtiveram a sua formação científica e pedagógica para avaliar alunos com os quais mantêm uma relação que é, para todos os efeitos, essencialmente assimétrica: pressupõe-se que os alunos não dispõem do capital de conhecimentos e de competências que os seus avaliadores possuem, e é nessa distância ou nesse desnível que se joga a sua avaliação. Mais: essa assimetria é a condição mesma para que uma avaliação, nos termos acima referidos, possa decorrer.
Ora, uma avaliação dos professores que não seja meramente formativa irá dar-se numa situação relacional diametralmente oposta: os professores estarão a avaliar os seus pares, com os quais se supõe manterem uma relação de simetria em matéria de competências científicas e pedagógicas. A delicadeza desta simples situação é de molde a criar os maiores problemas, pois ela põe em causa a própria autoridade do avaliador face ao avaliado. A isto acrescem as dificuldades próprias do contexto relacional intrínseco aos diferentes grupos disciplinares. Avaliadores e avaliados, muitos deles com um historial de convivência já longo, estão ligados por relações afectivas que podem ser de amizade, de cumplicidade, mas também de rivalidade, de tensão e de conflito, se não mesmo de hostilidade. Afigura-se como praticamente impossível que estas modalidades de relacionamento não venham a produzir ruídos e
interferências mais ou menos incontroláveis, abrindo a velha e incontornável questão da subjectividade na avaliação.
interferências mais ou menos incontroláveis, abrindo a velha e incontornável questão da subjectividade na avaliação.
5 – A avaliação do desempenho deve abandonar toda a pretensão de encontrar critérios universais para definir, de uma vez por todas, o que um professor deve ser, pois é certamente muito mais viável reunir consenso sobre o que um professor não deve ser:
- Um professor não deve cometer erros científicos graves e, ao mesmo tempo, mostrar uma relutância persistente em corrigi-los.
- Um professor não deve pautar a sua actuação na sala de aula por uma sistemática dificuldade de relacionamento com os alunos, quer por total incapacidade para impor a disciplina, quer por autoritarismo desproporcionado ou ineficaz.
- Um professor não deve desrespeitar reiteradamente as planificações e os critérios de avaliação acordados no interior dos grupos de docência.
- Um professor não deve assumir, para com os seus alunos, comportamentos inequívoca e comprovadamente discriminatórios ou injustos.
- Um professor não deve exibir um desleixo recorrente no cumprimento das tarefas associadas ao serviço que lhe é distribuído.
- In APEDE
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