AS PERGUNTAS E AS RESPOSTAS AO SOL
Questões que me foram colocadas pela jornalista Margarida Davim, do semanário SOL, e respectivas respostas.
O trabalho da jornalista encontra-se aqui.
Este acordo assegura que todos os professores com ‘Bom’ vão chegar ao topo da carreira em tempo útil? Porquê?
Não assegura. Quase quarenta anos de serviço para poder chegar ao topo da carreira são demasiados anos para uma função desgastante, como é a do professor. Temos de ter em conta que não foram abolidas as quotas, embora se tenham diluído, ainda que muito pouco, os seus efeitos relativamente ao princípio anterior. Os professores contratados e todos os que se encontram abaixo do 8º escalão dificilmente chegarão ao topo. É fácil perceber porquê: são necessários, no mínimo, trinta e oito anos para lá chegar. Ora, a maior parte dos professores contratados tem acima de uma dezena de anos de serviço e, naturalmente, se entrarem na carreira, vão já com dez, onze, quinze, dezassete e mais anos de serviço... portanto, sem tempo para chegar ao topo antes da reforma. O mesmo acontece com os professores que estão abaixo do 8º escalão. E convém dizer que estes representam a maior parte dos professores actualmente em exercício. Na prática, só um jovem que entrar agora na carreira tem possibilidade de chegar ao topo, depois de, no mínimo, trinta e oito anos de serviço.
Pode dar-me exemplos de situações em que isso não esteja garantido?
É uma questão de se fazer as contas, como dizia o ex-Primeiro-Ministro António Guterres. Se são dez escalões, em que nove implicam a permanência de quatro anos e um a permanência de dois, dá um total de trinta e oito anos. Ora, considerando as quotas, um professor pode levar mais anos até chegar ao topo da carreira. Mesmo assim, tal como mencionei na questão anterior, estamos a falar de um jovem que entre agora na carreira docente.
Tal como referi, no caso dos contratados não está assegurado. Veja-se também o exemplo de alguém que actualmente se encontre no índice 205, tem 17 anos de serviço e iniciou aos 24 anos, necessita de mais 23 anos de serviço e só chega ao topo aos 64 anos se tiver sempre classificação de Excelente.
Os professores que tiveram Muito Bom e Excelente vão beneficiar já da bonificação este ano lectivo?
Não tenho resposta para esta questão, na medida em que não me parece clara no acordo. Tal facto terá, provavelmente, de ser regulamentado, esperando que deste ciclo de avaliação não sejam colhidos quaisquer benefícios ou prejuízo para qualquer professor, tendo em conta o contexto em que se processou. Aproveito para referir que este é um acordo de princípios. Resta saber como depois, no papel, artigo a artigo, o que ficará claro e o que restará nas entrelinhas.
De que modo é que as novas regras vão acentuar a desigualdade salarial entre professores? Pode dar exemplos?
As desigualdades vão verificar-se sobretudo entre quem está nos escalões mais baixos e quem está nos escalões mais elevados. A manutenção de quotas no 5º e 7º escalão leva a que o tempo de permanência nos respectivos índices seja mais prolongado para os professores avaliados com Bom. Por outro lado, desempenhos com Regular - e chamo a atenção para o facto de Regular ser uma avaliação positiva - não vão ter qualquer hipótese de subir na carreira.
Quais são, em seu entender, os aspectos mais graves do acordo que foi assinado?
O acordo teve essencialmente duas bases de negociação: o ECD e o modelo de avaliação docente. No que ao ECD diz respeito, os aspectos mais graves são a manutenção de quotas e a longevidade da carreira para se poder chegar ao topo. Relativamente à avaliação de desempenho, mantêm-se os aspectos mais negativos do modelo anterior, na medida em que o "simplex" mantêm-se quase intacto: ciclo de avaliação de dois anos, cinco menções de avaliação (em vez de apenas três), algumas das quais sujeitas a quotas, a avaliação inter pares num contexto de gestão que dá ao director todas as rédeas de poder, na medida em que é ele quem preside ao conselho pedagógico, quem nomeia os coordenadores e, mesmo que indirectamente, o relator.
Não menos negativo neste acordo foi a não recuperação de tempo de serviços dos professores, especialmente daqueles que se encontram praticamente "congelados" há muitos anos, em virtude das alterações impostas pelo executivo anterior.
Como é que o acordo foi recebido nas escolas?
O acordo foi recebido com um misto de descompressão e de desilusão. Os professores menos atentos receberam-no com algum alívio, porque a divisão da carreira era para eles o essencial a resolver. Mas convém lembrar, em abono da verdade, que a decisão do fim da divisão entre professores titulares e não titulares foi tomada na Assembleia da República. Os professores mais atentos, depressa percebram que, globalmente, era um mau acordo, que não contemplava aspectos essenciais do que foram quatro anos de luta e que havia condições para se ir mais longe. É bom não esquecer que os partidos da oposição na Assembleia da República, tinham-se comprometido a resolver o problema no caso de não se chegar a um acordo satisfatório para os professores.
Quem é que fica verdadeiramente a ganhar com este acordo?
Não vislumbro outro ganhador que não seja o Ministério da Educação. A fasquia do Ministério da Educação estava demasiado elevada, pelo que as poucas cedências representam um ganho. Não é por acaso que a senhora ministra declarou publicamente que estava "satisfeitíssima". Conseguiu perceber que muitos professores não chegarão ao topo da carreira, conseguiu manter o seu modelo de avaliação e manteve o sistema de quotas, abrindo caminho à concretização principal objectivo desta "reforma": mais do que elevar a qualidade do ensino, interessava-lhe poupar os millhões necessários para tapar muitos buracos...
Em que pontos é que os sindicatos deveriam ter sido mais inflexíveis?
Os sindicatos deveriam ter sido mais inflexíveis na exigência da supressão das quotas, no acautelar de que, efectivamente, todos os professores na recuperação do tempo de serviço. É bom lembrar que os colegas dos Açores conseguiram a recuperação integral do tempo de serviço. Ora, num país, não pode haver um peso e duas medidas. Outro aspecto em que os sindicatos deveriam ter ido mais longe prende-se com a garantia de um modelo de avaliação mais formativo e menos classificativo, bem como na exigência de uma escala de avaliação apenas assente numa escala tripartida: insuficiente, regular e bom. Poderiam ter também introduzido, desde já,outros temas que urge discutir, como o modelo de gestão e o estatuto do aluno, por exemplo.
O que é que terá levado os sindicatos a assinar o acordo? Perceberam que já não tinham o mesmo tipo de apoio junto dos docentes e da opinião pública?
Objectivamente, essa questão só poderá ser respondida pelos sindicatos que assinaram o acordo. No entanto, parece-me que, para além do desgaste sentido por estes últimos quatro anos de luta, com os inerentes custos económicos, sentiram que poderiam ir perdendo alguma força interventiva e quiseram recuperar a sua imagem de negociadores, quer perante os professores, quer perante a opinião pública.
O que é que poderá acontecer agora? A assinatura do acordo representa o fim da luta contra o modelo de avaliação do ME e o ECD?
O que vai acontecer a partir de agora talvez suceda em dois momentos distintos. Nesta altura, assiste-se a alguma descompressão inicial por parte de muitos professores, muito pelo fim da divisão da carreira. No entanto, sobretudo à medida que o modelo de avaliação for sendo aplicado, a "guerra" voltará às escolas. A classificação de Bom vai ser disputada até às décimas - porque ela pode permitir a progressão no mesmo ano da transição, no ano seguinte ou mais tarde. As classificações de Muito Bom e Excelentes, em virtude das quotas, vão gerar - como aconteceu no último ciclo avaliativo - "guerrilhas" entre muitos professores que, cooperativamente, deveriam concorrer para a melhoria da prática lectiva. Além disso, a avaliação apenas assente no princípio do inter pares e muito dependente do director pode gerar (vai acontecer em muitos casos, certamente) injustiças em virtude de amizades e empatias.
Por isso, a assinatura deste acordo não representa, de forma alguma, o fim da luta contra os aspectos mais perversos do ECD e do modelo de avaliação. Os movimentos independentes de professores, os sindicatos que não assinaram o acordo e muitos docentes já o fizeram saber publicamente. Os dirigentes das póprias estruturas sindicais que subscreveram o acordo também o têm vindo a dizer.
MUP
O trabalho da jornalista encontra-se aqui.
Este acordo assegura que todos os professores com ‘Bom’ vão chegar ao topo da carreira em tempo útil? Porquê?
Não assegura. Quase quarenta anos de serviço para poder chegar ao topo da carreira são demasiados anos para uma função desgastante, como é a do professor. Temos de ter em conta que não foram abolidas as quotas, embora se tenham diluído, ainda que muito pouco, os seus efeitos relativamente ao princípio anterior. Os professores contratados e todos os que se encontram abaixo do 8º escalão dificilmente chegarão ao topo. É fácil perceber porquê: são necessários, no mínimo, trinta e oito anos para lá chegar. Ora, a maior parte dos professores contratados tem acima de uma dezena de anos de serviço e, naturalmente, se entrarem na carreira, vão já com dez, onze, quinze, dezassete e mais anos de serviço... portanto, sem tempo para chegar ao topo antes da reforma. O mesmo acontece com os professores que estão abaixo do 8º escalão. E convém dizer que estes representam a maior parte dos professores actualmente em exercício. Na prática, só um jovem que entrar agora na carreira tem possibilidade de chegar ao topo, depois de, no mínimo, trinta e oito anos de serviço.
Pode dar-me exemplos de situações em que isso não esteja garantido?
É uma questão de se fazer as contas, como dizia o ex-Primeiro-Ministro António Guterres. Se são dez escalões, em que nove implicam a permanência de quatro anos e um a permanência de dois, dá um total de trinta e oito anos. Ora, considerando as quotas, um professor pode levar mais anos até chegar ao topo da carreira. Mesmo assim, tal como mencionei na questão anterior, estamos a falar de um jovem que entre agora na carreira docente.
Tal como referi, no caso dos contratados não está assegurado. Veja-se também o exemplo de alguém que actualmente se encontre no índice 205, tem 17 anos de serviço e iniciou aos 24 anos, necessita de mais 23 anos de serviço e só chega ao topo aos 64 anos se tiver sempre classificação de Excelente.
Os professores que tiveram Muito Bom e Excelente vão beneficiar já da bonificação este ano lectivo?
Não tenho resposta para esta questão, na medida em que não me parece clara no acordo. Tal facto terá, provavelmente, de ser regulamentado, esperando que deste ciclo de avaliação não sejam colhidos quaisquer benefícios ou prejuízo para qualquer professor, tendo em conta o contexto em que se processou. Aproveito para referir que este é um acordo de princípios. Resta saber como depois, no papel, artigo a artigo, o que ficará claro e o que restará nas entrelinhas.
De que modo é que as novas regras vão acentuar a desigualdade salarial entre professores? Pode dar exemplos?
As desigualdades vão verificar-se sobretudo entre quem está nos escalões mais baixos e quem está nos escalões mais elevados. A manutenção de quotas no 5º e 7º escalão leva a que o tempo de permanência nos respectivos índices seja mais prolongado para os professores avaliados com Bom. Por outro lado, desempenhos com Regular - e chamo a atenção para o facto de Regular ser uma avaliação positiva - não vão ter qualquer hipótese de subir na carreira.
Quais são, em seu entender, os aspectos mais graves do acordo que foi assinado?
O acordo teve essencialmente duas bases de negociação: o ECD e o modelo de avaliação docente. No que ao ECD diz respeito, os aspectos mais graves são a manutenção de quotas e a longevidade da carreira para se poder chegar ao topo. Relativamente à avaliação de desempenho, mantêm-se os aspectos mais negativos do modelo anterior, na medida em que o "simplex" mantêm-se quase intacto: ciclo de avaliação de dois anos, cinco menções de avaliação (em vez de apenas três), algumas das quais sujeitas a quotas, a avaliação inter pares num contexto de gestão que dá ao director todas as rédeas de poder, na medida em que é ele quem preside ao conselho pedagógico, quem nomeia os coordenadores e, mesmo que indirectamente, o relator.
Não menos negativo neste acordo foi a não recuperação de tempo de serviços dos professores, especialmente daqueles que se encontram praticamente "congelados" há muitos anos, em virtude das alterações impostas pelo executivo anterior.
Como é que o acordo foi recebido nas escolas?
O acordo foi recebido com um misto de descompressão e de desilusão. Os professores menos atentos receberam-no com algum alívio, porque a divisão da carreira era para eles o essencial a resolver. Mas convém lembrar, em abono da verdade, que a decisão do fim da divisão entre professores titulares e não titulares foi tomada na Assembleia da República. Os professores mais atentos, depressa percebram que, globalmente, era um mau acordo, que não contemplava aspectos essenciais do que foram quatro anos de luta e que havia condições para se ir mais longe. É bom não esquecer que os partidos da oposição na Assembleia da República, tinham-se comprometido a resolver o problema no caso de não se chegar a um acordo satisfatório para os professores.
Quem é que fica verdadeiramente a ganhar com este acordo?
Não vislumbro outro ganhador que não seja o Ministério da Educação. A fasquia do Ministério da Educação estava demasiado elevada, pelo que as poucas cedências representam um ganho. Não é por acaso que a senhora ministra declarou publicamente que estava "satisfeitíssima". Conseguiu perceber que muitos professores não chegarão ao topo da carreira, conseguiu manter o seu modelo de avaliação e manteve o sistema de quotas, abrindo caminho à concretização principal objectivo desta "reforma": mais do que elevar a qualidade do ensino, interessava-lhe poupar os millhões necessários para tapar muitos buracos...
Em que pontos é que os sindicatos deveriam ter sido mais inflexíveis?
Os sindicatos deveriam ter sido mais inflexíveis na exigência da supressão das quotas, no acautelar de que, efectivamente, todos os professores na recuperação do tempo de serviço. É bom lembrar que os colegas dos Açores conseguiram a recuperação integral do tempo de serviço. Ora, num país, não pode haver um peso e duas medidas. Outro aspecto em que os sindicatos deveriam ter ido mais longe prende-se com a garantia de um modelo de avaliação mais formativo e menos classificativo, bem como na exigência de uma escala de avaliação apenas assente numa escala tripartida: insuficiente, regular e bom. Poderiam ter também introduzido, desde já,outros temas que urge discutir, como o modelo de gestão e o estatuto do aluno, por exemplo.
O que é que terá levado os sindicatos a assinar o acordo? Perceberam que já não tinham o mesmo tipo de apoio junto dos docentes e da opinião pública?
Objectivamente, essa questão só poderá ser respondida pelos sindicatos que assinaram o acordo. No entanto, parece-me que, para além do desgaste sentido por estes últimos quatro anos de luta, com os inerentes custos económicos, sentiram que poderiam ir perdendo alguma força interventiva e quiseram recuperar a sua imagem de negociadores, quer perante os professores, quer perante a opinião pública.
O que é que poderá acontecer agora? A assinatura do acordo representa o fim da luta contra o modelo de avaliação do ME e o ECD?
O que vai acontecer a partir de agora talvez suceda em dois momentos distintos. Nesta altura, assiste-se a alguma descompressão inicial por parte de muitos professores, muito pelo fim da divisão da carreira. No entanto, sobretudo à medida que o modelo de avaliação for sendo aplicado, a "guerra" voltará às escolas. A classificação de Bom vai ser disputada até às décimas - porque ela pode permitir a progressão no mesmo ano da transição, no ano seguinte ou mais tarde. As classificações de Muito Bom e Excelentes, em virtude das quotas, vão gerar - como aconteceu no último ciclo avaliativo - "guerrilhas" entre muitos professores que, cooperativamente, deveriam concorrer para a melhoria da prática lectiva. Além disso, a avaliação apenas assente no princípio do inter pares e muito dependente do director pode gerar (vai acontecer em muitos casos, certamente) injustiças em virtude de amizades e empatias.
Por isso, a assinatura deste acordo não representa, de forma alguma, o fim da luta contra os aspectos mais perversos do ECD e do modelo de avaliação. Os movimentos independentes de professores, os sindicatos que não assinaram o acordo e muitos docentes já o fizeram saber publicamente. Os dirigentes das póprias estruturas sindicais que subscreveram o acordo também o têm vindo a dizer.
MUP
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