quarta-feira, abril 07, 2010

“Em face disto, porque é que em certos países há tanta corrupção e noutros tão pouca? Há pouca corrupção quando se verificam três condições: cultura de distinção entre o público e o privado e prevalência do público sobre o privado; prevenção por via de uma cultura de transparência e de mecanismos de acompanhamento a par e passo dos processos onde pode ocorrer corrupção; combate eficaz ao crime quando ocorre e punição rápida e exemplar. A presença de qualquer destas condições implica leis, instituições e meios; mas implica sobretudo cultura pública de prioridade do bem comum e do Estado como principal garante dele. No nosso país não se verifica actualmente nenhuma destas condições. Nos últimos trinta anos dominou uma cultura-armadilha de instrumentalização do Estado através do discurso anti-Estado (…) O PSD e o PS contribuíram por igual para a cultura da prostituição do Estado, servidos por uma bateria de comentadores e analistas conservadores que, com uma intensidade sem paralelo na Europa, foram convertendo diariamente a realidade do Estado a menos na ficção do Estado a mais. Inverter este processo durará décadas, e não há sinais de que tenha começado.”

Boaventura de Sousa Santos, O Crime Compensa, Visão.

Acrescentava apenas, repetindo esta crónica, que num dos países mais desiguais da Europa, numa “democracia dual”, este argumento parece ser corroborado por investigação sociológica recente: os países com maior desigualdade económica são também aqueles onde é maior a corrupção. A injustiça social torna a comunidade política uma miragem, dificultando a existência de movimentos cívicos robustos e de uma cidadania atenta e interventiva, uma das melhores formas de traçar e de legitimar as linhas morais e legais que dificultam a expansão do dinheiro para além da sua esfera própria, ou seja, a corrupção. A legitimidade das instituições, a confiança, as virtudes cívicas e a boa administração são hoje sobretudo erodidas pelo que o filósofo Michael Walzer apodou de “imperialismo de mercado”, em que um número crescente de esferas da vida social passa a ser regido pela lógica da compra e da venda promovida pelas incensadas empresas e pelos seus pouco escrutinados gestores. Os mercados, construções políticas que dependem sempre do Estado, têm de ser contidos para funcionarem decentemente. As desigualdades que estes geram também.

0 comentários: