Os pobres de hoje: jovens desempregados e mal pagos
Em 5 anos a noção que os portugueses têm sobre a pobreza mudou: pobres são hoje os precários e aqueles que ganham baixos salários. Há 300 mil pessoas a passar fome mas medidas de combate à pobreza prometidas pelo Governo não avançaram.
Os inquiridos demonstram muito pessimismo e têm baixas expectativas: 75% considera que a situação tem vindo a agravar-se e 50% está convencida de que irá continuar a piorar. Foto Ana Candeias.
Esta alteração é a principal conclusão do Estudo Sobre a Percepção da Pobreza em Portugal, que a Rede Europeia Anti-Pobreza apresentou na semana passada em conjunto com a Amnistia Internacional/Portugal (AIP) e o Socius - Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações do ISEG e UTL.
Os dados oficiais da pobreza em Portugal remontam a 2008 (ano do início da crise) e mostram que 19% da população – cerca de 2 milhões de pessoas - é pobre, quando a percepção das pessoas é de que mais de metade da população é carenciada. Daí que o responsável da Amnistia, Pedro Krupenski, defenda que as políticas de combate devam considerar não só as estatísticas, mas também a percepção que se tem sobre este fenómeno.
Não ter água ou electricidade em casa são indicadores de pobreza identificados pela maioria dos portugueses, mas surgiram entretanto outros bens que já começam a ser considerados como igualmente essenciais, como carro ou televisão.
A pobreza está envolta de um "sentimento de fatalidade"
Estudo indica que os portugueses mais pobres não acreditam na possibilidade de inverter a situação. “O pior é o sentimento de fatalidade. Não é só pensarem que a situação irá piorar - tem que ver com o facto de afirmarem que tanto os pobres como os seus filhos têm poucas ou nenhumas possibilidades de sair da pobreza”, revela Ana Monteiro, da AIP.
Quanto a medidas que possam alterar o panorama de pobreza, mais de 90% dos inquiridos apontam o combate ao desemprego como uma das forma mais eficazes de contribuir para a resolução do problema. O documento indica ainda que o Governo é apontado como o principal culpado pelas situações de pobreza em Portugal.
O certo é que os resultados do último Eurobarómetro sobre a pobreza e exclusão social, divulgado no início de Novembro, coincidem com as conclusões deste estudo: 88% dos portugueses considera que a pobreza é generalizada, um valor acima da média europeia (73%).
Um descrédito cada vez mais acentuado parece ser a tendência dos portugueses, que estão cada vez mais pessimistas face ao futuro do país. Quando questionados sobre os próximos cinco anos, os inquiridos demonstram um alto nível de pessimismo e de baixas expectativas: 75% considera que a situação agravou-se e 50% está convencida de que irá continuar a piorar.
Há pelo menos 300 mil pessoas a passar fome em Portugal
"Relativamente à fome faltam dados e temos de nos limitar ao que dizem as instituições que apoiam as famílias cadenciadas, nomeadamente o Banco Alimentar, que apontava para 280 mil pessoas há uns meses, antes da crise", explica o investigador Alfredo Bruto da Costa. "Pelo que temos ouvido, pelos apelos de instituições de apoio social, é possível que este número esteja a crescer", acrescenta o especialista que tem estudado a pobreza em Portugal desde os anos 80.
Além disto, é difícil incluir neste número a "pobreza envergonhada" que não procura ajuda. "Em 2008, antes de sermos atingidos pela crise, tínhamos 18% de pobres. Depois disso não sabemos o que aconteceu", conclui.
Recentemente a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) avançou com a iniciativa "Direito à Alimentação". A AHRESP espera que a rede que está a montar para recolher donativos dos cerca de 25 mil associados e entregá-los às pessoas com fome possa entrar em funcionamento já em Janeiro - abrangendo 4500 instituições de solidariedade espalhadas pelo País.
Medidas de combate à pobreza prometidas pelo Governo não avançaram
As duas medidas que o Governo pretendia implementar neste Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social não passaram de intenções. Os dois novos apoios financeiros - um apoio para as famílias trabalhadoras com filhos e um reforço financeiro para as pessoas com deficiência - foram travados por causa dos cortes orçamentais. As medidas tinham sido anunciadas em Fevereiro pela ministra do Trabalho e Solidariedade Social, Helena André.
A meta, assumida pelos 27 Estados-membros da União Europeia, apontava para uma redução, até 2020, de 20 milhões de pobres. Actualmente, os números apontam para a existência de 84 milhões. Em Portugal, são então pelo menos dois milhões.
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