segunda-feira, maio 17, 2010

"Vivemos sob uma ditadura financeira" PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
   
Denúncia de Marisa Matias num comício em Atenas de solidariedade com o povo grego
marisagrecia01
Foto de Renato Soeiro
“Enfrentamos agora uma nova forma de ditadura: a financeira. É um tipo virulento de ditadura que se espalha por todo o lado”. As palavras foram proferidas pela eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias em Atenas num comício de solidariedade com o povo grego promovido pela coligação Syriza, que integra o grupo GUE/NGL no Parlamento Europeu. Muitas pessoas acorreram na sexta-feira à Praça Kotzia, mais um dos locais da capital grega onde nas últimas semanas se têm realizado actos de luta social e política contra a política de austeridade que, a pretexto do combate ao défice público, os mercados financeiros, o FMI e as instituições da União Europeia impõem ao povo grego.
Representantes de vários partidos europeus de esquerda estiveram presentes no comício de Atenas testemunhando a solidariedade internacional à resistência grega. Alexis Tsipras, presidente do partido Sinapismos e da coligação Syriza, e Manolis Glezos, resistente antifascista da Segunda Guerra Mundial, usaram da palavra salientando a importância da luta não apenas no contexto grego mas também europeu. Marisa Matias foi a oradora no comício em representação do Bloco de Esquerda. No sábado, Renato Soeiro representou o Bloco no colóquio “Marxism 2010”, que terminou igualmente com um comício em Atenas – cidade intensamente mobilizada para a luta contra as medidas económicas.
Reproduzimos na íntegra a intervenção de Marisa Matias proferida no comício de solidariedade.
Intervenção de Marisa Matias
A situação que estamos a viver em Portugal pode ser vista como um reflexo da situação grega num espelho. Tudo se faz em nome da estabilidade. Em Portugal estamos reféns tanto dos programas de estabilidade e crescimento como dos dois partidos que têm vindo a partilhar rotativamente o poder nos últimos anos. Recentemente, estes dois partidos (PS e PSD) puseram-se rapidamente de acordo para iniciar a “operação” de corte. É uma operação contra o bem-estar social e provoca condições precárias e desemprego.
Como resultado dos ataques especulativos contra as dívidas soberanas dos países do sul, os cidadãos portugueses estão agora ainda em pior situação.
Entre as propostas que têm surgido em nome da “estabilidade”, uma tem dimensões particularmente nocivas: a implementação de uma medida para reduzir o limite inferior dos subsídios de desemprego. Esta proposta foi sugerida pela Confederação da Indústria mas poderia perfeitamente ter sido feita pelo governo. De facto, num dia tivemos o presidente da Confederação da Indústria sugerindo esta medida e, no dia seguinte, tanto o primeiro ministro como o líder da oposição anunciando exactamente a chamada solução. Mas as implicações directas desta medida naqueles que ainda têm emprego é devastadora: tem como resultado que os seus salários também serão sujeitos a cortes.
Em Portugal, como na Grécia, o que era considerado um direito adquirido é tratado cada vez mais como um privilégio. O resultado é simples: enfraquecimento ainda maior dos que já era mais fracos, reduzindo os seus rendimentos. Os cortes nos subsídios de desemprego tem sido justificados com a necessidade de garantir – e as palavras que vou usar são as que actualmente têm sido usadas – que ninguém tire “vantagem” de estar desempregado precisamente porque estar desempregado pode ser “uma situação mais confortável do que ter emprego”. Estas palavras têm sido pronunciadas num contexto em que não existem esforços para criar empregos e em que metade das pessoas desempregadas não têm sequer direito a subsídio; em segundo lugar, eles são os primeiros a ser chamados para pagar a factura da crise. É importante mencionar que Portugal é o quinto país como mais elevada taxa de desemprego nos países da OCDE. Outras medidas como os cortes das pensões sociais estão igualmente a ser tomadas.
Em Portugal, como na Grécia, os Programas de Estabilidade e Crescimento nunca cortam onde estão os verdadeiros gastos (corrupção, obras públicas, parcerias público-privadas, nas quais as despesas são públicas e os lucros são privados, entre muitos outros problemas, sabem como é…), os privilégios são mantidos intactos enquanto se dão todas as garantias de impunidade aos incompetentes e aos responsáveis por gestão danosa. Este é o grupo dos intocáveis. Se os desempregados e os trabalhadores fossem bancos corruptos já teriam sido salvos!
Durante meses a fio o governo disse-nos que não era possível aplicar taxas sobre as transacções financeiras porque “os mercados ainda não estavam preparados”. Depois disso disseram que sim mas que as grandes empresas deveriam ficar fora desse controlo. O mais surpreendente é que estas coisas foram ditas de modo sério. Os que são atacados são sempre os mesmos, os que pagam a factura da crise são sempre os mesmos. As privatizações são outra resposta tradicional: seja dos recursos naturais seja dos serviços públicos.
Pode dizer-se que a capacidade produtiva do governo português se reduz quase à produção de pobreza, à produção de precariedade, à produção de injustiça social.
Em 2007, o primeiro ministro português anunciou como principal prioridade a redução das taxas de desemprego. Hoje afirma que a sua principal prioridade é a redução do défice público. De tempos a tempos surge a invocação do défice público. As únicas medidas sérias, dentro deste modelo, são as de austeridade, as quais, no final, representam sempre a mesma receita independentemente do local onde são aplicadas.
Não nos resignaremos, porém, a este status quo. Lutamos. E vós, povo grego, têm sido um exemplo de como lutar pela justiça social. Estamos a organizar várias iniciativas em Portugal e foi já marcado um dia nacional de protesto para 29 de Maio, apesar de o governo apelar ao consenso e à recusa de “tensões sociais”.
Tudo isto em nome dos Programas de Estabilidade e Crescimento, que caiem sempre sobre os ombros dos mesmos e que transformam em suspeitos todos os que, como resultado da crise, foram condenados a um insustentável modo de vida. Não podemos aceitar qualquer tentativa de lançar desempregados contra trabalhadores e trabalhadores contra desempregados ao mesmo tempo que continua a dar-se tudo aos que já têm tudo. Infelizmente, porém, é o que está a ser feito.
Este é um tempo de luta e de solidariedade.
Tanto o governo português como o governo grego mentiram aos seus cidadãos. E continuarão a fazê-lo. O vosso primeiro ministro, George Papandreu, foi recentemente ao Parlamento Europeu apresentar o seu Programa de Estabilidade e Crescimento. Disse que este programa tinha sido criado de modo a que fosse aceite pelo FMI sem quaisquer alterações. A razão era simples: já era o programa do FMI, mas garantindo a soberania grega. Vós sabeis, como os portugueses sabem, que este primeiro programa era apenas o primeiro e que o que agora está em foco não será o último. A razão é o facto de o capital especulativo nunca estar satisfeito e os governos serem incapazes de tomar posições fortes.
É nosso papel – da intervenção popular, dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda – promover a transformação social. O povo da Europa tem de estar unido e de lutar em conjunto.
Agora é tempo de apoiar a Grécia porque é tempo de nos apoiarmos a nós próprios. Lutamos hoje pela justiça social e económica, as mesma justiça social e económica que o povo grego tem vindo a defender nas ruas em representação de todos os europeus.

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