segunda-feira, abril 06, 2009

A ideologia na derrota da revolução PDF Imprimir e-mail

«Se separas a verdade da realidade, a realidade torna-se cega e a verdade torna-se louca.»
Henry Barbusse


A alternativa ao capitalismo, enquanto sistema auto-sustentado na exploração do proletariado e no seu empobrecimento relativo e absoluto, só pode entender-se como sistémica, com um programa político radical, de ruptura total.

Por tal, a utopia enquanto representação de um mundo novo é fundamentalmente crítica e recusa liminarmente o mundo velho.

No universo marxista a utopia acaba quando estão criadas as condições materiais para a sua realização, ou seja quando à própria humanidade se coloca não só a necessidade, mas a possibilidade real de lá chegar. O comunismo não é uma utopia, é já, desde a revolução industrial, "o movimento real que leva à extinção do Estado actual" nas condições decorrentes "das bases actualmente existentes".

Mas a sua ideia transformada em projecto traduz o desejo profundo das massas associado ao avanço da história. A utopia é a representação ideal desse desejo de definir um sentido para a vida e para a história. Mas o sentido da história, como o sentido da vida, não existe. É a actividade humana, a vida concreta do ser social, que faz a história e que permite encontrar o sentido da vida e da história na medida da sua concretização e, até certo ponto, à medida da sua idealização.


A ideologia na derrota da revoluçãoUma tragédia cósmica

Depois da revolução de Outubro, a vitória bolchevique e a consolidação do poder do partido comunista, tornaram-se referência e força de atracção irresistível que aumentou de forma espantosa depois da vitória contra o nazi-fascismo.

Os países onde partidos comunistas detiveram o poder foram olhados como exemplo da concretização das esperanças de milhões de explorados e oprimidos em todo o mundo - o socialismo.

Mas esse exemplo, embotado e amputado, inquestionavelmente sossobrou em consequência da sua própria degenerescência. É hoje um facto incontroverso que os partidos comunistas deixaram de o ser depois de acederem ao poder. Daí adveio a impossibilidade de o proletariado prosseguir a revolução nas condições historicamente existentes. E isso é tanto mais paradoxal quanto 2/3 da humanidade puderam gabar-se de ter dado um enorme passo rumo ao futuro saindo da pré.história a que tinham estado condenados. E quando naqueles países onde o capitalismo se reforçava e desenvolvia, os seus agentes motores, as massas trabalhadoras, estavam na sua quase totalidade lutando e organizando-se enquanto classe revolucionária, aprontando-se para, por sua vez, mudarem o rumo da história nos seus países. E ainda quando os povos oprimidos de todo o mundo se levantavam em armas para obter a sua libertação, saindo de situações coloniais para lançarem os caboucos do socialismo revolucionário.

Portanto o que falhou foi de facto a consumação de um projecto colectivo, materialmente realizável, assumido por quase toda a humanidade tarbalhadora e sofredora.Tamanho desastre assume as dimensões de uma tragédia cósmica.

Como foi tal possível?


A política ou a produção

A crença generalizada na realização do sonho soviético facilitou a expectativa acrítica perante a transformação do esboço do poder proletário em poder do partido durante a gestação de uma nova classe ancorada no poder do Estado. O mesmo Estado que Lenine havia definido, em jeito de alerta, como tendo "uma dupla natureza, Estado proletário na medida em que é dirigido por um partido proletário (e na medida em que este partido se conserve como tal[!]), e Estado burguês ou pequeno burguês por grande número dos seus traços: dependência dos administradores, técnicos e especialistas burgueses e pelas relações políticas que caracterizam de forma bastante ampla os seus aparelhos administrativos". Por isso mesmo, acrescentava, "a natureza desse Estado obriga os operários a dispor de organizações próprias, suficientemente independentes do partido que exerce o poder para estarem à altura de defender-se contra o Estado".O mesmo Lenine, em polémica com Trostky e Bukarine, considerava que o problema fundamental que se colocava ao poder soviético não era a luta pela produção, mas sim a luta para conquistar as massas: "só com uma posição política correcta, uma dada classe pode manter a sua dominação e cumprir o seu papel na produção".

Portanto, para Lenine, o principal dirigente e teórico da revolução soviética, a política e não a produção era a questão fulcral.

Como, aliás, não deixaram de papaguear os que se lhe seguiram no poder, ao mesmo tempo que se apoderaram da política e dela excluiram o proletariado, que passou a ter o mesmo papel que na sociedade capitalista, instrumento alienado da produção (é irónico ver como a crise do capitalismo tem a sua base e essência na produção pela produção) e não sujeito da transformção necessária à satisfação dos seus interesses e necessidades enquanto classe historicamente revolucionária.


"A democracia não é nenhum fétiche"

O movimento Stakhanovista (o trabalhador heróico que se supera e supera a normalidade) foi a arma ideológica do partido comunista para ir ao ataque ao proletariado. Impôs o salário à tarefa como o mais indicado para o socialismo, quando Marx demonstrara claramente que o salário à tarefa é o que mais interessa ao capitalismo. Em 1936 as normas de trabalho são tornadas mais exigentes, quer nos ritmos quer na duração da jornada, onde o descanso era uma fraqueza. O Instituto Central do Trabalho, encarregado de verificar a compatibilidade das normas com a saúde dos trabalhadores, é extinto por ter oposto resistência à revisão das normas. Os trabalhadores que não acompanhavam os novos critérios, cada vez mais exigentes, perdiam parte do seu salário, enquanto os leques salariais eram cada vez maiores, mesmo ao nível dos salários base.

A crise que surge no movimento sindical obriga a que a maior parte da União Central dos Sindicatos, assim como das diversas direcções sindicais, fosse substituída, a partir de decisão superior do Partido... Trata-se de uma depuração dos sindicatos pela Comissão Central de Controlo do Partido a pedido do Conselho Central dos Sindicatos (resolução sindical do XVI Congresso). "Poder-se-ia dizer que se trata de uma violação da democracia proletária mas, camaradas, sabe-se desde há muito tempo que, para nós bolcheviques, a democracia não é um fetiche" (Kaganovitch).

O contrapeso para esta verdadeira inversão dos objectivos e do movimento revolucionário foi a substituição da política proletária pela polícia política que velasse pela genuinidade da adesão à "ideologia proletária"


Uma ideologia científica

A ideologia no comando tornou dispensável, indesejável e condenável toda e qualquer crítica, viesse de onde viesse. O marxismo-leninismo, "doutrina sempre jovem e científica", de Marx e de Lenin só tinha a apropriação simbólica e ilegítima. Mas a força do poder tornava a ideologia imbatível.

A lei do desenvolvimento da história humana e a lei específica do movimento do sistema capitalista, descobertas por Marx, foram substituídas por um sistema de ideias que reflectiram a visão do mundo desenvolvida pelo partido comunista e que sustentava a sua permanência no poder... sobre o proletariado e a afirmação da URSS como grande potência em disputa directa com o imperialismo ao arrepio das exigências do internacionalismo proletário.

À ideologia criada pelo partido comunista soviético atribuía-se uma característica arrasadora e única, de que nenhuma outra ideologia se podia gabar: estava legitimada pelo carácter científico da sua inspiração!...

A ideologia ia, portanto, buscar a sua garantia de verdade ao seu contrário.

Uma imensa e trágica petição de princípio tomou conta da luta revolucionária mesmo quando eram diversas as formações que se reivindicavam da fiel interpretação dessa estranha ciência que recusava o contraditório e, contra a essência do próprio pensamento de Marx, a prova da praxis. «Todo o conhecimento da realidade começa na experiência e acaba nela» já dizia Einstein.

A adopção de uma ideologia, também chamada de "pensamento" ou de "visão científica" - o "marxismo-leninismo" ou o "pensamento mao-tse-tung"- como sequela não autorizada do marxismo, e o próprio marxismo reduzido a uma ideologia e a uma referência moral com vista à reprodução fiel do status quo, tiveram consequências trágicas.

A ideologia marxista-leninista passou a justificar os meios pela grandeza proclamada dos fins, num arremedo de dialéctica materialista, quando esta aponta exactamente para o idealismo de tal conceito e nos assegura que, pelo contrário, os meios condicionam os fins.

A adopção da ideologia, em lugar do pensamento crítico e do programa político revolucionário, impediu milhões de trabalhadores e de militantes comunistas de pensarem e discutirem as questões substanciais e muito menos as teóricas relativas ao programa revolucionário, contribuindo assim para a divisão do trabalho no campo dos comunistas e portanto para a própria alienação na luta contra a alienação, o que não deixa de ser perverso.

Engels afirmara que "para o triunfo final das teses estabelecidas no «Manifesto Comunista», Marx contava unicamente e exclusivamente com o desenvolvimento intelectual da classe operária, como resultado necessário da acção unificada e da discussão".


A revolução como problema prático

Nenhuma revolução proletária se sustentou numa ideologia mas soçobrou sempre que perdeu o seu carácter eminentemente político e se deixou apropriar pela ideologia.

Lénin não é conhecido por professar ou defender qualquer ideologia, mas pela sua capacidade de perceber o sentido da movimentação revolucionária das massas e perceber o momento em que deveria apresentar o programa adequado e que correspondesse a tal sentido, mesmo que tivesse que ir contra o que estava pré-determinado pelo próprio partido. As teses de Abril mais não são que o exemplo chapado disso.

Os revolucionários comunistas nunca determinaram a imutabilidade, nem sequer a permanência para além do historicamente necessário, do nome por que respondiam, nem da forma que devia assumir o partido, nem do nome, nem da cor da bandeira. Essas eram questões que deviam ser tratadas, não ao nivel da iconografia e da liturgia, mas de acordo com as exigências para a integração mais eficaz possível no movimento social e contribuirem para a elevação da consciência das massas e para a luta revolucionária. O comunismo opõe-se ao estabelecimento de uma doutrina que não seja a coerência do acervo de conhecimento científico legado por Marx e seu desenvolvimento dialéctico em função do processo histórico; assim como se opõe à imposição de qualquer ideologia de que Marx foi o crítico mais radical e que ele caracterizava como a abstracção e a inversão do real e associava directamente à dominação como última instância da exploração.

Engels nos seus manuscritos para o Anti-Düring dá-nos uma descrição mais singela, que não me canso de citar: "O conhecimento do todo único que é o mundo pressupõe o conhecimento de toda a natureza e de toda a história, conhecimento a que os homens jamais acedem. Portanto, aquele que constrói os sistemas tem de completar as inúmeras lacunas existentes através da sua própria invenção, ou seja, entregar-se à imaginação irracional, fazer ideologia". A mesma que o nosso Armando de Castro caracteriza como resultante de "posições sociais ocupadas pelos sujeitos diversos, em particular na sociedade, com as suas escalas de preferências, suas opções, suas finalidades de vida".

E se em «Materialismo e Empirocriticismo» Lenine sublinha que "não se pode esquecer que o critério da prática nunca pode, no fundo, confirmar ou refutar completamente uma ideia humana, qualquer que ela seja" não deixa de reconhecer que tal "critério, também suficientemente ‘vago' para não permitir aos conhecimentos do homem tornarem-se ‘absolutos' é, no entanto, bastante determinado para permitir uma luta implacável contra todas as formas de idealismo e agnosticismo". Eis Lenin o prático da revolução, o homem de ciência e de acção, o inimigo figadal da ideologia como critério revolucionário.

A concretização da revolução social e política exclui qualquer determinismo ou "destino manifesto", ela é contrária ao dogma. Ainda Engels: "O pensamento tem como conteúdo único o mundo e as leis do pensamento. Os resultados gerais do estudo do mundo surgem no termo desse estudo; não constituem princípios, pontos de partida, mas resultados, conclusões".

No mundo de hoje, as próprias ciências duras, desenvolvem-se com base em critérios
que pareciam ser próprios exclusivamente das ciências sociais, como a complexidade dos sistemas com que lidam e da qual as ciências da natureza fugiram enquanto puderam. A dialéctica da natureza já não pode ser olhada como era no tempo de Engels, com os limites inevitáveis das ciências da natureza na sua época, embora a essência do pensamento filosófico de Marx já intuísse claramente os parâmetros da ciência moderna como nomeadamente o carácter infinito da matéria em geral, a interpretação do infinito como um processo comportando saltos qualitativos, do movimento como modo de existência da matéria.
Hoje, o determinismo e a capacidade de previsão são desafiados pela própria ciência, que tem de se haver com a sensibilidade dos sistemas complexos às condições iniciais ou condições de fronteira, em que mesmo existindo leis matemáticas rigorosas de evolução, estas não levam a um destino único, como refere Jorge Dias de Deus na sua obra «Da crítica da ciência à negação da ciência».


Atribulações de um "corifeu da ciência"

Foi, no entanto, sustentados no "carácter idealista", logo "reaccionário", da imprevisibilidade das mutações na história da evolução - questão central das ciências da vida - que os mitchurianos sob a batuta de Lisenko impuseram a teoria da hereditariedade dos caracteres adquiridos contra toda a evidência das experiências da biologia mundial. O grande biólogo Jean Rostand queixava-se da cegueira ideológica dos seus colegas soviéticos herdeiros do instituto médico-genético dos Sovietes que, em1936, ainda era um exemplo brilhante e incomparável das possibilidades da pesquisa genética. Mas Rostand sabia bem que a própria ciência, enquanto produção humana, não está livre antes é influenciada pela organização social : "É perfeitamente possível que, como pretendem os marxistas, a própria ciência sofra a influência de preconceitos ideológicos em relação com a estrutura social; mas seria necessário não substituir os preconceitos burgueses pelos preconceitos de uma outra espécie e, parece, ainda mais fortes". E eram. O triunfo político do mitchurinismo (mas na realidade a derrota da brilhante e respeitada escola biológica soviética) era proclamado desta forma pelos promotores da ciência revolucionária: "Se a doutrina de Mitchurine entrou no tesouro dos nossos conhecimentos, no campo de ouro da ciência, a biologia progressista é devedora a Lenin e a Staline, estes génios da humanidade...Glória pois ao grande amigo e ao grande corifeu da ciência, nosso guia e nosso chefe, o camarada Staline".

Tal entendimento da ciência ter-nos-ia deixado na pré-história da ciência, na caverna de Platão, olhando deslumbrados para sombras difusas da realidade.


A ideologia como arma do poder burguês

A crítica da ideologia tem sido marcada, nas suas diversíssimas e aprofundadas versões, a partir da sua abordagem seminal na «Ideologia Alemã» de Karl Marx.
Uma ideia prática resulta da complexa teia de argumentos produzidos: a ideologia tem uma determinada função social na sociedade capitalista. Ela é, por um lado, o resultado de uma interpretação errónea da realidade e a expressão de ideias ou sonhos de superação dessa mesma realidade; e, por outro lado, a construção mítica de uma determinada representação da realidade social associada a determinadas formas de organização do pensamento, das emoções e dos comportamentos sociais em conformidade com os interesses da classe dominante, tendente a assegurar a perpetuação do seu domínio. O paradigma primeiro da ideologia é a religião.

A burguesia detentora do capital foi construindo o seu sistema concreto de dominação e um sistema organizado de ideias que, ao longo dos tempos, permitisse compatibilizar a violência inerente às condições do seu domínio com os avanços nos campos da ciência, da filosofia, da ética, da cultura e das ideias em geral, decorrentes do progresso e do avanço científico e tecnológico. No fundo a velha questão que se coloca desde o fim da II Guerra Mundial, a da assimetria entre "progresso técnico e progresso moral" que foi objecto de grandes debates sob os auspícios da UNESCO, e que permanece hoje como retórica desculpabilizante da violência essencial da sociedade capitalista.

A própria luta do proletariado pela conquista de direitos morais, cívicos e materiais, foi sendo incorporada ideológica, política e juridicamente ao ponto de a ideologia burguesa conseguir que seja aceite o seu axioma central. O de que só a violência burguesa é aceitável pois que o capital é o grande dinamizador das liberdades e dos direitos. Mas que, todos sabemos, lhe foram arrancados à custa de muito sangue suor e lágrimas dos trabalhadores enfrentando, antes como agora, a mais violenta extorsão, os mais bárbaros crimes, guerras, chacinas e genocídios.

A actual crise mostra como a ideologia capitalista, ou neo-liberal ou imperialista é, em última instância, uma arma impotente contra a realidade porque a realidade se ergue poderosamente contra os interesses gerais da burguesia. Resta-lhe, à burguesia, a fuga em frente, o crescendo da violência social, política e militar, acompanhada do refinamento e fundamentalismo ideológicos, pregados pelos seus próprios cardeais Ratzinger e pelo própriamente dito.


O marxismo-leninismo contra Marx

Da mesma forma, a ideologia do partido comunista foi impotente contra a realidade que se ergueu contra os interesses cristalizados no poder do Estado nos países comunistas, ou do Comité Central dos partidos comunistas fora do poder; e continua a sê-lo naqueles que ainda resistem à história.

E isso porque a ideologia se substituiu à grande arma do comunismo, o pensamento crítico, e foi arvorada em medida de todas as coisas.

O salto "epistemológico" das ideias revolucionárias, sustentadas pela análise de Marx e suas conclusões teóricas e consequente acção política, para a ideologia deve-se a Stalin que deu corpo estruturado de doutrina ao marxismo-leninismo, quando Lenin certamente diria que não era leninista, como Marx disse que de uma coisa tinha a certeza: "eu não sou marxista". E não estava a fazer ironia.

Com o achado do marxismo-leninismo a nova classe que se criou alapada no poder "proletário" usando o partido e a sua ideologia - ou seja a proclamação das verdades garantidas pelo politburo -, assegurou a neutralização da revolução e a adesão acrítica das massas em nome dessa mesma ideologia.

As ciências e as artes foram capturadas pelo marxismo-leninismo e submetidas ao "critério da ideologia", como dizia Stalin, recusando mesmo algumas novas aquisições da "ciência burguesa".

A ideologia tornou-se a mais poderosa arma do poder nos países e partidos comunistas e socialistas. Como criação "irracional" da nova classe no poder em defesa dos seus próprios interesses e como "ópio do povo".

A luta própria do proletariado foi derrotada e apropriada pelo poder e transformou-se no seu contrário. A "ideologia proletária" substituiu a luta revolucionária do proletariado.


A revolução, uma hipótese a exigir demonstração

Mas Marx é demasiado poderoso. Durante o último século os movimentos sociais e as lutas do proletariado, apesar da supremacia e do poder do imperialismo, foram lançando achas para a grande fogueira da revolução, enquanto pensadores e teóricos, tantas vezes desgarrados, e quase sempre académicos, se dedicavam a aprofundar o estudo e a desenvolver a crítica do capital e a teoria para a sua superação, num esforço sujeito a prolongado obscurecimento.

Depois da queda do muro, a renovação do movimento convergente do debate teórico e da acção política de massas em condições históricas concretas, abre perspectivas novas para a emancipação da sociedade a partir da emancipação do proletariado, com base na transformação radical da sociedade, criadas que estão as condições de base.

Os enormes avanços civilizacionais no conhecimento da humanidade, da natureza, da pessoa humana e das sociedades, reforçam a necessidade ética dessa transformação.

A tarefa da revolução é a construção da sociedade socialista que o pensamento filosófico de Marx projectou como objectivo materialmente possível e cientificamente concebível. Como tal apoia-se no conhecimento científico do desenvolvimento histórico das sociedades, no terreno da dialéctica materialista que incorpora a incerteza e a probabilidade como características nucleares; e impõe a legitimação da luta política no campo da ética, logo em toda a amplidão e profundidade da dignidade humana.

Pela mesma razão, et pour cause, é preciso recolocar a revolução fora do terreno da ideologia.


Um novo alento revolucionário

Em conclusão, os partidos e militantes comunistas, no poder ou fora dele, em todo o mundo, e seus compagnons de route, invocando valores imperativos da ideologia comum e o carácter não menos imperativo da necessidade histórica, iludiram, face às grandes massas em luta, a crítica racional e, à fortiori, a crítica radical de base marxista.

A captura do pensamento crítico pela ideologia dos partidos no poder, a inércia teórica e submissão ao grande Partido irmão por parte dos partidos oficiais em luta nas democracias ocidentais e nos países sob domínio colonial e imperialista e a segregação e exclusão dos pensadores heréticos pelos partidos comunistas, impediu o enlace da teoria crítica com o movimento social, na sua plataforma genuína de organização política de classe que são os partidos; e permitiu que o capitalismo e o imperialismo superassem as diversas e profundas crises por que passaram sem a devida resposta do proletariado mundial, apesar de tantos e tão dramáticos confrontos.

Este o grande drama por que passaram as ideias de Marx, as ideias socialistas.

Depois da queda do muro, assentada a poeira, apesar do novo cintilar da crítica e da proposta revolucionária, pressente-se como que uma recuperação da mitologia, lá onde e quando as massas explodem em movimento. E já vemos esboços ou mesmo construções de novo ideológicas a substituirem-se à necessidade de resposta política revolucionária, aos interesses gerais das massas em movimento, nomeadamente através da sectarização ideológica e hostilização e exclusão de sectores objectivamente interessados na revolução.

A roda do mundo solicita-nos para um novo alento na luta pelo comunismo, "o movimento real que abole o estado actual. As condições desse movimento decorrem das bases actualmente existentes". E esta não é, de todo, uma questão ideológica.

É acção política, conjuntamente com os movimentos sociais que se erguem e lutam contra a depredação capitalista e a hecatombe imperialista em defesa dos interesses dos trabalhadores e dos povos.

Essa luta é uma exigência objectiva das condições de exploração e dominação actuais e portanto terá de defrontar todas as ideologias: porque precisa de estar livre para levar até às últimas consequências a possibilidade material do socialismo respondendo assim à sua imperativa necessidade ética.

Mário Tomé
In A Comuna

0 comentários: