No primeiro período, faltas no terceiro ciclo foram quase três milhões
31.03.2009 - 20h13 Clara Viana
Os alunos do ensino básico e secundário estão a faltar menos, como agora anunciou o Ministério da Educação (ME), ou são as escolas que estão a contabilizar menos faltas do que aquelas que foram dadas? A polémica estalou na sequência dos dados divulgados segunda-feira, pelo ME, apontando para uma redução, no primeiro período, de 22,5 por cento no número de faltas registado no 3º ciclo e de 22,4 por cento no secundário.A ministra da Educação atribui o feito ao novo Estatuto do Aluno, que obriga os faltosos à prestação de provas de recuperação. Os números revelam que há meios mais racionais para combater o absentismo do que a “ameaça de chumbo”, disse Maria de Lurdes Rodrigues. “Um progresso absolutamente extraordinário”, comentou o primeiro-ministro.
Mas nas escolas o anúncio está a ser recebido com alguma “perplexidade”. Responsáveis contactados pelo PÚBLICO recordam, a propósito, que por força do novo Estatuto do Aluno, aos estudantes que fizeram provas de recuperação e tiveram positiva, são retiradas as faltas registadas, o que não quer dizer que tenham faltado menos.
“Podem ir acumulando faltas, acumulando provas e ir voltando sempre à estaca zero. É o que a lei prevê”, resume Isabel le Gê, presidente do conselho executivo da escola D. Amélia, em Lisboa. É uma das “perversidades” que aponta ao novo Estatuto do Aluno. O de ir contra a acção formativa que deve ser a da escola: “Promove-se o oportunismo.” “Para os alunos que trabalham e são responsáveis é um insulto”, diz, dando conta de queixas que tem vindo a receber.
“Até se pode estar a promover mais o absentismo e as estatísticas mostrarem o contrário”, admite Maria José Viseu, professora e presidente da Confederação Nacional Independente de Pais, que acrescenta: “Para sabermos se houve ou não uma redução, é preciso ver primeiro quantas faltas foram retiradas do cadastro na sequência das provas de recuperação”.
Nos blogues de professores, a coberto do anonimato, são vários os docentes que dão conta de outras realidades. Por exemplo, casos de directores de turma que não passam para o sistema informático todas as faltas dos alunos de modo a evitarem, assim, a proliferação de provas de recuperação; de professores que, com o mesmo objectivo, começaram a poupar nestes registos.
Uma professora de uma escola problemática de Lisboa confessou ao PÚBLICO que, só neste período, teve mais de 60 provas agendadas: “Faltaram mais de metade.” Nos termos do Estatuto do Aluno, quem falta a estas provas fica imediatamente de fora ou seja, chumba. É outro problema.
“A minha percepção é de que se registou uma redução, mas não no grau anunciado”, diz Álvaro Santos, presidente do Conselho das Escolas, um órgão consultivo do ME, e responsável pela escola Dr. Joaquim Alves, de Valadares. Este responsável admite que a limpeza pós-provas de recuperação possa ter contribuído para os resultados anunciados, mas frisa que nem todas as escolas entenderam a lei do mesmo modo. E defende que existem muitas variáveis a ter em conta e não só o Estatuto do Aluno. Um exemplo, que é também apontado por Maria José Viseu: devido à diversificação actual de currículos e à multiplicação da oferta de cursos profissionais nas escolas, os alunos que, no ensino regular, eram tradicionalmente mais faltosos estarão agora “mais presentes”.
Apesar da redução anunciada, no primeiro período o número de faltas no terceiro ciclo do ensino básico foi de quase três milhões. O que dá uma de cinco faltas injustificadas por aluno. Luís Fernando, presidente do agrupamento Fernando pessoa, nos Olivais, não se surpreende. “O absentismo continua a ser um dos grandes problemas da edução”, do país” e “reflecte, antes do mais, as atitudes das famílias para com a escola”.
Ministério da Educação diz que apagamento de faltas é irregular
O Ministério da Educação não tem conhecimento de que as escolas estejam a "limpar" as faltas dos alunos que tenham realizado, como aproveitamento, as provas de recuperação, que o novo Estatuto do Aluno tornou obrigatórias para os faltosos. E considera que essa prática é irregular.
Em resposta a questões levantadas pelo PúBLICO, o assessor de imprensa do ME enviou ao princípio da noite a seguinte informação: "Não há no Estatuto do Aluno a figura de apagamento de faltas.Não há qualquer limpeza de cadastro. As faltas são justificadas ou injustificadas, mas nunca desaparecem. Se houver conhecimento dessa situação, deve ser comunicada para a Inspecção-Geral de Educação averiguar o que se passa".
In Público
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