domingo, maio 10, 2009


CONTINUAR A LUTA PELA MUDANÇA DE RUMO

NAS AUTARQUIAS

Desde o seu início, o Bloco tem vindo a aplicar a táctica de nada esperar do PS e de não ficar à espera do PC. Sem exclusivismos nem radicalismos exagerados, mas, em geral, com bastante firmeza e coerência. É assim que o BE tem aumentado a simpatia e o voto nas franjas do PS e mesmo do PSD, captando novo voto jovem e alguns abstencionistas. Assim tem sido na intervenção autárquica. Julgo que alguns erros e insucessos, para além de situações de pouca acção e visibilidade, resultam de desvios e falhas no seguimento desta táctica.

Também para as próximas eleições autárquicas devemos afirmá-la e melhorá-la. Fugindo de algumas tentações desviantes e reforçando posicionamentos que se têm mostrado positivos.

Em 1º lugar fugindo da tentação das chamadas “coligações da esquerda”. Em que BE, CDU e PS juntariam forças para derrotar a direita. A experiência de derrotar a direita mas da sua política continuar e até ser reforçada, tem levado à desorientação e impotência de grande parte dos eleitores de esquerda (e do centro) e à degradação do país. O partido socialista há muito tempo que não faz parte da solução, antes é o problema. Ainda mais hoje com a grande crise instalada e o seu agravamento continuado.

O PS aderiu, aplicou e aplica, a política neo-liberal capitalista. Não tem retorno. Foi Soares quem meteu na gaveta as ideias sociais-democratas, keynesianas, do Estado-Providência, mesmo que ainda quisesse lá voltar. Só que a globalização fez desaparecer a chave e a gaveta nunca mais se abriu. Hoje, o que Soares defende é apenas limar os aspectos mais selvagens do capitalismo. Sócrates, nem isso. Mostra-o bem o antagonismo das suas medidas de apoio aos ricos e as de apoio aos pobres e remediados. Sócrates macaqueia-se de campeão da luta contra o desemprego e de defensor do Estado regulador, mas apenas porque tudo fará para ganhar as eleições, porque a crise desmentiu todas as suas parangonas anteriores e porque a salvação do sistema, da Banca e dos grandes grupos, também precisa dessa demagogia para melhor enganar a população.

Veja-se o exemplo de outros PS’s, de história e raízes populares muito mais fortes, cujas dissidências sociais-democratas têm acabado por romper e integrar ou constituir outros partidos como o Die Linke, na Alemanha, ou o Partido da Esquerda, em França. Com toda a justeza e ao invés de querer alimentar ilusões no PS, o Bloco tem procurado encontrar posições e iniciativas comuns com os elementos sociais-democratas no interior e fora do PS que se opõem, ou se indignam, com o seu governo e a sua política.

Há quem diga, em defesa das “coligações da esquerda”, que uma coisa é a política nacional, outra são as políticas locais. No que respeita ao essencial da política do PS, não se vê a diferença para além desta ou daquela idiossincrasia pessoal e em algumas autarquias, por diversas circunstâncias, uma maior cedência às movimentações populares ou partidárias. O mesmo se pode dizer em relação ao PSD.

Por isso, aqui em Faro é comum ouvir-se que o Vitorino (PSD) era menos permissivo à corrupção e aos interesses dos construtores do que a gestão socialista anterior, apontada como mãos largas e aproveitadora. Por isso, a conivência e a falta de combate à corrupção se vêem tanto a nível do governo central, em que o PS rejeitou as propostas do seu ex-deputado Cravinho, só em parte as aceitando agora, por pressão entre outros do BE e do momento pré-eleitoral, como essa conivência se vê também no poder local, consensualmente considerado como um esteio onde a corrupção prolifera. Foi bem sintomático o recente caso do empresário Domingos Névoa que, logo de imediato à sua condenação em tribunal por tentativa de corrupção, foi colocado, como prémio de consolação, pela Câmara PS de Braga, no cargo de presidente da Braval, uma empresa de responsabilidade do município, e que lá continuaria não fosse o escândalo público que isso desencadeou.

O mesmo se passa com o conluio e a dependência enorme das autarquias em relação à especulação imobiliária, causadora do caos urbanístico, da degradação do património e da ausência de espaços verdes, e que tão dominadora continua a ser na maioria das Câmaras do Algarve. E que tem o reverso da medalha na lei das finanças locais que facilita esse domínio, bem como na política de solos e nas mais valias urbanísticas que necessitam de urgente alteração para passarem a ser fonte de verbas para o Estado e para as autarquias em vez de servirem a especulação. O mesmo se passa em torno da defesa do ambiente.

Muita da intervenção dos núcleos e dos eleitos do BE no Algarve, da sua afirmação e prestígio nestes quatro anos, fez-se em torno da denúncia destes problemas, na luta contra a cumplicidade dos Executivos camarários, os buracos da lei, ou o facilitismo das decisões do governo. Assim foi aqui em Faro, no caso mais recente que denunciámos e em que interrogámos Câmara e Ministros contra a intenção de uma empresa de capitais russos em avançar um Resort no Pontal, em plena Ria Formosa. Talvez com algum sucesso, pois a resposta do governo é de que o promotor do empreendimento desistiu de o avançar dadas as restrições ambientais ao mesmo. Semelhante foi, entre outras, a nossa intervenção em Portimão ou em Silves.

Por tudo isto, julgo que seria um tiro no pé sermos nós próprios a propor as tais “coligações da esquerda”. Estaríamos, por nossa iniciativa, a alimentar a ilusão de que é possível hoje, com este PS (e não apenas com esta ou aquela pessoa individualmente consideradas), encontrar plataformas políticas, medidas de fundo, que ajudem a inverter opções e rumos políticos tão errados, mas mantidos por gestões, precisamente do PS, em tantas Câmaras, seja no país, seja aqui no Algarve.

E, na mais do que provável não efectivação dessas coligações, o maior beneficiário seria sempre o PS. Caso fossemos nós a não aceitar, por falta de acordo em programa e medidas políticas, a vontade de apesar de tudo derrotar a direita, penderia para o apoio ao mal menor e ao partido em melhores condições para alcançar essa derrota. Caso fosse o PS a desistir e nós a invectivar essa desistência, o que estaria em causa seria sobretudo o seu sectarismo e muito pouco a validade da sua política, cuja ilusão seria alimentada, com resultados exactamente ao contrário do que se pretende com a táctica defendida pelo Bloco e com a qual temos vindo a crescer.

Julgo ser ilustrativa a situação de Lisboa em que, sem sequer termos manifestado qualquer disponibilidade para essa coligação, mas em resultado do acordo anterior e do movimento de cidadãos em torno da proposta de coligação contra o Santana Lopes, o Bloco enfrenta dificuldades de alargamento e corre-se o risco do PS tirar o maior proveito daquele movimento.

Faz todo o sentido seguirmos a decisão nacional de não propor e recusar coligações partidárias, de avançarmos listas próprias do Bloco, com o máximo de abrangência e abertura a independentes e cidadão sem partido, ou até de apoiarmos candidaturas independentes que queiram esse apoio e se identifiquem com o compromisso político mínimo que estabelecemos para os nossos candidatos.

Tem sido esse também o sentido das boas práticas que temos vindo a concretizar no geral da intervenção autárquica na região. Foi, desde logo, com a eleição em lista própria do Bloco dos nossos representantes na extinta AMAL, em vez de nos termos incluído numa lista conjunta com PS e PSD. Foi também na recente eleição da Comunidade Intermunicipal que substituiu a AMAL, em que através da candidatura própria do BE na Assembleia Municipal de Portimão, conseguimos eleger de novo um representante e uma suplente ao recebermos não só os votos dos nossos dois camaradas, mas também de outro partido e independentes. Sem que tal tenha correspondido a qualquer acordo político que, na circunstância, só seria viável em bases pouco coerentes, mas como resultado do reconhecimento do valor e prestígio do trabalho dos companheiros de Portimão. Quero realçar a diferença de método e de postura dessa eleição e da do elemento da CDU aqui em Faro, que passou, ao que tudo indica, por acordo de bastidores, desde sugestões que me foram postas e que recusei, até culminar num voto do PSD que possibilitou a eleição, com comentários jocosos para com a CDU por parte de alguns munícipes presentes na Assembleia.

Termino, abordando alguns aspectos da intervenção desenvolvida na Assembleia Municipal de Faro e que valorizam a orientação seguida de usar de toda a abertura e disponibilidade para apoio a propostas concretas válidas, independentemente das forças ou pessoas que as propõem, mas mantendo sempre a afirmação da sua própria política, de crítica e alternativa ao bloco central dos interesses instalados, e às suas duas faces no poder local – o PS e o PSD.

As posições mais vincantes dessa orientação, foram, nos quatro anos deste Executivo camarário, as relativas às GOPs e aos orçamentos anuais apresentados e que são as matérias e decisões de maior importância para a autarquia. Em todos os anos o voto do BE foi contra. Não foi um mero voto vazio ou de protesto. Antes foi a afirmação consequente da política do Bloco, sempre se pugnando e apresentando propostas para a mudança de rumo indispensável ao município de Faro. Voto isolado face às abstenções da CDU e à variação de voto do PSD, ora de abstenção, ora a favor. Semelhantes, com algumas variações, foram as posições sobre a Conta de Gerência de cada ano.

Em minha opinião, é uma posição e um voto que, no essencial, se devem manter idênticos, caso se mantenham as mesmas políticas seguidas até aqui, como tudo indica pelas principais candidaturas já avançadas. Mas em que é também muito importante superar as fraquezas e algumas propostas por apresentar na posição que tem sido defendida. Em primeiro lugar a análise mais pormenorizada e concreta da situação e de alternativas para alguns dos buracos negros da autarquia, como sejam o Estádio e o complexo do Parque das Cidades, o Mercado municipal e o Marf, as dificuldades de manutenção do Teatro municipal, a necessidade de remunicipalização da FAGAR e de sair da crescente dependência face às Águas do Algarve, de dissolução de outras empresas municipais, etc.

O mesmo aprofundamento é necessário para dar ainda maior força às propostas que temos feito para solucionar as grandes dificuldades financeiras em que as sucessivas vereações colocaram a autarquia. Propostas correctas que fizemos sobre o IMI em que conseguimos influenciar na aprovação, ainda por concretizar, da aplicação das majorações e reduções desse imposto. Também sobre a derrama, o IRS, e em geral sobre o crescimento da receita e a necessidade de exigir alterações à lei das finanças locais e das mais valias urbanísticas. Sobre a redução das despesas, desde a ruptura com investimentos e obras que estrangulam as finanças do município, à muito maior rentabilização dos recursos humanos e técnicos da Câmara, terminando com contratações de serviços externos desnecessários ou que podem ser feitos pela própria autarquia.

Sobre tudo isto e muito mais, estamos trabalhando na preparação de um programa eleitoral diferente e alternativo para as próximas autárquicas e no esforço de colaboração com mais aderentes e amigos do Bloco em Faro.

Uma das maiores falhas e em que muito precisamos de melhorar é na ligação directa aos farenses, sobretudo aos mais carenciados, no apoio e incentivo às suas reivindicações, movimentos e colectivos. Estamos dando alguns passos nesse sentido, embora tímidos, com as reuniões que temos vindo a fazer e queremos continuar, com associações de solidariedade social, com sindicatos e entidades oficiais, com vista a darmos o nosso contributo no enfrentamento do desemprego e da precariedade, entre outras chagas sociais, que estão a aumentar muito e agravam a crise das famílias e da população do concelho.

Julgo que, embora com todas as insuficências existentes e erros cometidos, a prática e a experiência destes quase quatro anos, marcaram um rumo correcto para a nossa intervenção autárquica, aqui em Faro, como também nas outras localidades onde intervimos, mesmo onde não temos representantes eleitos e em que afirmámos a política do Bloco e ganhámos prestígio pela coerência das nossas posições. É um crédito de confiança que devemos e podemos aproveitar nos próximos actos eleitorais.

Faro, 09/05/09

Vítor Ruivo

Observação: intervenção feita no III Encontro Autárquico do BE/Algarve, na Biblioteca Municipal de Faro e que subscrevo totalmente.

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