A 1ª REPÚBLICA E A GREVE GERAL DE 1912 |
A greve geral de 1912 marcou o ponto culminante da agitação social que se seguiu à proclamação de República, em 5 de outubro de 1910. Logo nos momentos posteriores à revolução, ainda em 1910, eclodiram inúmeras greves. Esses conflitos demonstraram que o operariado e o movimento sindicalista não se dispunham a esquecer as penosas condições de vida dos sectores mais desfavorecidos da população portuguesa. Todavia, não era essa a opção da grande maioria dos dirigentes republicanos que assumiram o poder após o 5 de outubro. A sua intenção não era realizar ou dar cobertura a uma revolução de carácter social, mas apenas a uma mudança nos órgãos e no regime político. Logo após o 5 de outubro, mesmo nos dias e meses posteriores à revolução, um movimento grevista eclode especialmente na zona de Lisboa e Setúbal. Os carroceiros a 24 de outubro, os ferroviários a 5 e a Carris a 15 de novembro, são alguns exemplos de um vasto movimento social. A contestação aos termos em que o Governo Provisório legaliza o direito à greve, apelidado pelos sindicalistas de "Decreto-Burla", em dezembro de 1910, é outro momento de fricção entre o operariado e o novo regime. O operariado encara a proclamação da República como o momento ideal para conseguir a satisfação das suas aspirações de liberdade e igualdade, de melhoria de um quotidiano de privações e miséria. A República era o seu regime, proclamado graças ao seu sangue, já que tinham sido os civis (Carbonários ou outros) a aguentar firme em 4 e 5 de Outubro nas ruas de Lisboa, quando os chefes militares ou os dirigentes do Partido Republicano partiam em debandada, julgando a revolução perdida. Em 1911, a conflitualidade social vai acentuar-se, estendendo-se a muitas classes e ultrapassando o âmbito geográfico do eixo Lisboa - Setúbal. Alguns conflitos foram particularmente importantes como a greve da CUF em março, opondo os trabalhadores ao industrial Alfredo da Silva, chefe de fila do patronato que não aceita os princípios democráticos inerentes ao regime republicano. Porém, a história social desse ano foi marcada pela greve das conserveiras de Setúbal e pela morte de dois operários pelas balas da recém – formada Guarda Republicana em 13 de Março. Os "fuzilamentos de Setúbal" ou "assassinatos de Setúbal", como então ficaram conhecidos por todo o país, ocupando as primeiras páginas dos jornais, indignaram quem considerava a República também como o seu regime. Uma Guarda, qualificada de Republicana, não podia disparar contra aqueles que tinham sido decisivos na luta travada em 4 e 5 de outubro, pela implantação da República. O caso motivou, de imediato, a marcação de uma paralisação geral de trabalho, convocada pela Comissão Executiva do Congresso Sindicalista. Pela primeira vez, em Portugal, se falou em Greve Geral. Em 1911 eclodiram igualmente greves rurais no Alentejo que vão ter estreita ligação com os acontecimentos que vão levar à Greve Geral de 1912. A greve de junho de 1911, com especial incidência em Évora, mas abrangendo inúmeros concelhos alentejanos e ribatejanos, terminou com uma vitória dos assalariados rurais em matérias como salários e horários de trabalho. AS GREVES RURAIS DE ÉVORA No Verão de 1911, o primeiro após a revolução republicana, é visto como o momento propício para lançar um movimento reivindicativo nos campos alentejanos. É na época das ceifas que a premência das tarefas agrícolas, dá mais força aos trabalhadores rurais e a possíveis greves. Assim no fim de maio e inícios de junho as greves alastram. Em 31 de maio, a Associação dos Trabalhadores Rurais de Évora convoca a greve[1]. Os grevistas dos campos em redor de Évora acorrem à cidade e acampam no Rossio de São Brás cerca de 8000 trabalhadores. Mas é a 3 de junho que na Praça de Touros se realiza um comício decisivo. Estiveram presentes cerca de 16000 grevistas, o dobro do dia anterior. Perante tal mobilização os lavradores presentes, temendo que a greve degenerasse para uma revolta generalizada, cederam perante as reivindicações dos sindicalistas. É aprovada a chamada "Tabela de Évora", consagrando um conjunto de direitos até então negados aos assalariados. Esta "Tabela de Évora", vai ser usada como estandarte reivindicativo pelos rurais dos outros concelhos alentejanos, nas greves que se vão desencadear no mês de Junho de 1911. Os direitos conquistados pelos assalariados nas greves de Maio – Junho de 1911, nunca mereceram uma verdadeira concordância patronal. Obrigados a ceder no Verão, devido à necessidade imperiosa de contratar mão-de-obra para as tarefas próprias daquele momento, esperaram que o Inverno invertesse a situação. Terminado o Verão a situação invertia-se. Começava a tradicional crise de trabalho do Inverno. O Inverno era para os assalariados rurais alentejanos sinónimo de falta de trabalho. A crise estendia-se a toda a província; era a época da fome, dos bandos de desempregados que pediam ou roubavam comida, da caridade que nada modificava. O tempo da espera pelos meses de Primavera, quando os braços seriam novamente necessários e os homens e mulheres poderiam, até ao Outono, contar com trabalho certo, cujo salário apenas daria para não morrerem de fome. Era o momento esperado para os lavradores imporem as suas posições. Nos últimos meses de 1911 sucedem-se os conflitos motivados pela recusa patronal em cumprir as tabelas acordadas, nomeadamente os 400 réis da "Tabela de Évora". A ofensiva dos grandes proprietários no sentido de rasgar os acordos do Verão de 1911, terminou inevitavelmente por provocar uma resposta dos assalariados. Curiosamente é o Governador Civil a iniciar as hostilidades, tomando uma atitude “preventiva” face à esperada resposta dos trabalhadores através da greve. A 10 de janeiro de 1912 divulga toma posição contra as greves, ameaçando os grevistas com penas de prisão até seis meses e multas.[2] Perante tal atitude a resposta da Associação dos Trabalhadores Rurais, sublinha a justas razões da luta. Destacam a necessidade de cumprimento das tabelas assinadas no Verão de 1911, com o salário de 400 réis e o fim da crise de trabalho. Pretendem acabar com as ”vinganças e vilanias exercidas por parte dos proprietários” e declaram estar disponíveis para ”empunhar armas para defender a República”. O manifesto dos trabalhadores rurais verbera com particular destaque o Governador Civil, dizendo que “S. Ex.ª ou qualquer outro capitalista por certo não gastarão menos de 800 réis e querem SS. Ex.ª que o pobre trabalhador coma, vista, calce e sustente a família ganhando 300 réis”.[3] Em 16 de janeiro, 4000 trabalhadores entram em Évora.[4] Os republicanos radicais (Evaristo Cutileiro e jornal O Carbonário) apoiam os grevistas. O Governador Civil manda dispersar grevistas que iam esperar comissão republicana radical. A greve atinge outras localidades do distrito: Azaruja, Évora-Monte, Escoural, Estremoz, Montemor-o-Novo, Monte Trigo, Montoito, S. Manços, S. Miguel de Machede, Graça do Divor, Vale de Pereiro, Torre de Coelheiros, Vendas Novas, Vendinha, Viana do Alentejo…[5] A 24 de janeiro registam-se os confrontos mais graves. A Guarda Republicana ocupa o centro de Évora. Expulsa grevistas da Praça do Geraldo. Há um morto e vários feridos. A GREVE GERAL EM LISBOA Em 28 de janeiro de 1912 proclamava-se a greve geral em solidariedade com os rurais alentejanos vítimas de dura repressão em Évora. “Pode dizer-se que Lisboa, durante os dias 29 e 30 de janeiro, esteve nas mãos da classe operária, quase inteiramente paralisada”, refere Alexandre Vieira, destacado dirigente sindicalista. O governo suspende as garantias e forças militares e policiais cercam, na madrugada de dia 31, a Casa Sindical situada na rua do Século no Bairro Alto. Sob a ameaça das armas (incluindo artilharia) perto das 4 horas da madrugada, da Casa Sindical cerca de 700 pessoas começaram a sair para a rua debaixo de chuva. Metidos entre soldados da Guarda Republicana, em sucessivas levas e cantando A Internacional, são levados sob prisão para o Arsenal da Marinha. Dali foram embarcados para o navio Pero de Alenquer e para a fragata D. Fernando, prisões ancoradas no meio do Tejo. “A bordo do Pero de Alenquer, que não tinha condições para alojar 100 pessoas, estiveram durante alguns dias 500, transitando as restantes dos outros navios de guerra para a Penitenciária e por fim para o Limoeiro, onde cinco dos mais conhecidos militantes foram conservados além de 100 dias.”[6] A Greve Geral de 1912 marcará o momento de maior tensão entre o operariado e o regime republicano, no período anterior à Grande Guerra. Depois das mortes de Setúbal de 1911, constituirá um momento de rotura quase definitivo, entre o operariado organizado pelo movimento sindicalista e a República. Tornava-se evidente que o poder republicano não esperava uma tal profusão de conflitos sociais. De alguma forma, a elite republicana esperava que os trabalhadores lhe permitissem viver um alargado momento de estado de graça, após o derrube da Monarquia. A realidade era bem diferente. Os trabalhadores, não estavam dispostos a esperar mais pelo reconhecimento dos seus direitos básicos. Queriam que a República avançasse com medidas sociais básicas para modificar as suas condições de vida. Esperavam que o seu empenho patriótico nos combates para derrubar a Monarquia fosse recompensado. Como Afonso Costa reconheceu em 1929, numa carta a Teixeira Gomes, com um conhecimento proporcionado pelo exílio e pela derrota, o estado de guerra com as classes trabalhadoras, deu um contributo decisivo para tornar a República incapaz de resistir aos seus opositores e impedir a sua queda. Álvaro Arranja |
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