quarta-feira, maio 23, 2012


Tsipras: "Refundar a Europa e derrotar o poder financeiro"

Em visita a Paris, onde se reuniu com Jean-Luc Mélenchon, o líder da esquerda radical grega, Alexis Tsipras, fez duras críticas à política europeia conduzida pela chanceler alemã Ângela Merkel e ao setor financeiro. "Esse poder é o grande inimigo dos povos, não governa mas decide sobre todas as coisas", afirmou. Tsipras acusou Merkel de “estar levando a Europa a uma espécie de suicídio coletivo”. As últimas pesquisas dão ao partido de esquerda radical 28% dos votos, a frente da direita da Nova Democracia, que apresenta 24%. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Paris - O homem que colocou em xeque o mega plano de austeridade que o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia impuseram a Grécia enviou, desde Paris, uma mensagem muito clara: Alexis Tsipras, o líder da esquerda radical grega, Syriza, disse na capital francesa que era urgente “refundar a Europa e derrotar o poder financeiro. Esse poder é o grande inimigo dos povos, não governa mas decide sobre todas as coisas”.

Alex Tsipras veio a Paris para se encontrar com Jean-Luc Mélenchon, o líder da Frente de Esquerda francesa, candidato nas eleições presidenciais de abril e maio e, hoje, adversário direto da líder da extrema-direita, Marine Le Pen, nas eleições legislativas de 10 e 17 de junho.

Tsipras chegou na França em posição de força. A Grécia volta a realizar eleições legislativas no próximo dia 17 de junho e as sondagens indicam a vitória de seu partido, o que faria dele o próximo primeiro ministro. Dirigindo-se diretamente à chanceler alemã Angela Merkel, o homem que faz tremer a Europa fustigou com paixão e virulência os programas de austeridade e ajustes promovidos por Berlim, ao mesmo tempo em que desqualificou aqueles que não deixam a Atenas outra alternativa além de aceitar a austeridade ou morrer: “não se negocia com o inferno”, disse o responsável da Syriza. Quanto a Merkel, Alexis Tsipras acusou a chanceler alemã de “estar levando a Europa a uma espécie de suicídio coletivo”.

Para este político de 37 anos que surgiu no primeiro plano em plena hecatombe, o que está ocorrendo na Grécia não é uma crise passageira acompanhada por um enésimo plano de austeridade, mas sim um experimento que pretende ser ampliado: “não se trata de um simples programa de austeridade, mas sim de um experimento neoliberal de choque que conduz a Grécia a uma crise humanitária que, logo em seguida, deverá ser exportado a toda Europa”. O diagnóstico que Tsipras formulou em Paris é claro e combativo: “estamos vivendo uma guerra entre as forças do trabalho e as forças invisíveis da finança e os bancos”, disse ele junto a Mélenchon, que completou a mensagem dizendo que “a cadeia de resignação e de servidão que unia os povos europeus está se rompendo”.

O panorama eleitoral do partido Syriza tem contornos favoráveis para mudar as regras do jogo impostas pelo mundo financeiro. Esse “inimigo”, disse Tsipras, pode “cair” graças às eleições legislativas de 17 de junho. Segundo ele, a consulta eleitoral não será “um pseudo dilema entre o euro e o dracma – a antiga moeda grega -, mas sim uma escolha entre o memorando de austeridade e a esperança. Longe de ser um inimigo do euro, Tsipras se apresentou em Paris como um “partidário” da moeda única mas, ao mesmo tempo, como um adversário da “chantagem praticada pelos partidários da austeridade”. Os argumentos do Syriza ganharam muitos eleitores na Grécia. As últimas pesquisas dão ao partido de esquerda 28% dos votos, a frente da direita da Nova Democracia, que apresenta 24%.

O crescimento do Syryiza tem sido espetacular. Desde as eleições legislativas realizadas no último 6 de maio, quando surgiu como a segunda força política do país, o partido ganhou 16 pontos em intenções de voto.

Comparativamente, nas eleições de 2009, o Syriza havia obtido só 4%. Alexis Tsipras deixou bem claro em Paris que, em caso de vitória nas eleições de junho, não aceitará nenhuma negociação sobre o pacote de austeridade que a UE e o Fundo Monetário Internacional impuseram a Grécia em troca dos 130 bilhões de euros de resgate financeiro. Neste sentido, Tsipras defendeu os argumentos do presidente francês, o socialista François Hollande, a favor do crescimento como estratégia para sair da crise. “Se seguirmos como estamos agora, em seis meses será preciso aprovar um terceiro plano de ajuda e uma segunda reestruturação da dívida. Os governos europeus devem deixar de pedir aos contribuintes que sigam colocando seu dinheiro em um poço sem fundo. Sem crescimento, jamais poderemos pagar o dinheiro que nos emprestarem”.

Os cerca de 200 jornalistas credenciados na Assembleia Nacional nunca tinham escutado um discurso tão cirúrgico contra o sistema financeiro pronunciado dentro do sacrossanto recinto parlamentar. Tsipras definiu o plano de austeridade aplicado a Grécia como um “desastre humanitário”, como um “ato de barbárie ineficaz”. Tanto Tsipras como Mélenchon fustigaram a Europa por sua conduta em relação a Grécia e a condenação coletiva de Atenas no que diz respeito à crise. Ambos pediram uma “solução comum para um problema comum” porque, senão, a tragédia grega alcançará inevitavelmente outros países. “Ameaçar a Grécia é ameaçar a nós mesmos”, disse Mélenchon que, de passagem, recordou que 60% da dívida grega está em cofres públicos.

Apoiados pela brisa de uma mudança, Tsipras e Mélenchon defenderam uma associação completa da esquerda europeia destinada à “refundação da Europa baseada na coesão social e na solidariedade”. A linguagem juvenil e combativa de Alexis Tsipras não é angelical. O líder do Syriza sabe que, mesmo com a vitória política nas urnas, a estrada será árdua: “formar um governo não equivale a ter o poder. Se conseguirmos ser majoritários nas urnas teremos contra nós os bancos, os meios de comunicação e uma parte do Estado”, disse Tsipras.

O político grego se comprometeu em Paris a tomar uma série de medidas imediatas em caso de ganhar as eleições de junho: “um governo de esquerda – explicou – colocará fim imediatamente as medidas mais insustentáveis como a diminuição dos salários e das aposentadorias”. Tsipras reconheceu que para tirar a Grécia do marasmo será preciso fazer “sacrifícios”, mas também esclareceu que “do mesmo modo que todos os povos da Europa os gregos querem ter o sentimento de que seus sacrifícios são úteis e que os mais pobres não serão os únicos a pagar a conta”.
Carta Maior

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