terça-feira, junho 08, 2010

Crise económica, teatro grego, nosso drama

por Rick Wolff [*]
A dívida externa da Grécia e a de Portugal. O teatro político agora captura a Grécia. Tal como nas antigas peças gregas, o drama actual também atinge e afecta todos nós. Sentimos os dilemas gregos tornarem-se nossos.

Seus dominadores declaram agora que a crise ameaça a Grécia. Lançam a culpa sobre as massas. Para ultrapassá-la, dizem, devem impor-lhe grande sofrimento. O coro dos dominadores entoa a necessidade absoluta, a total inevitabilidade deste sofrimento como única solução. Não há, insistem, qualquer outra opção. As massas estremecem. Muitos inclinam-se à resignação, aceitando o sofrimento como punição pelos seus pecados que causaram a crise. Por agora, os dominadores exultam pois o seu elaborado teatro político da culpa parece ter tido êxito ao comutar os custos da crise deles para as massas. Ainda assim, há também sinais de iminente ira antagónica por parte das massas. Enormes manifestações abalaram Atenas em Maio. Momentos catárticos assomam.

Também em Maio, todos os empregados públicos gregos tiveram os seus salários cortados em 15-20%: professores, administrativos, polícias e mesmo soldados. O governo anunciou novos cortes neste Verão. "Austeridade" mais ou menos semelhante está planeada para muitas outras economias capitalistas. Também ali o coro ideológico dominante repete: (1) Não há alternativa, e (2) isto tudo é culpa dos trabalhadores.

Este coro é enganoso, as afirmações feitas são falsas. "Salários, pensões e outras condições de trabalho gregas são excessivamente generosos". Isto gentilmente ignora o facto de que os salários e os padrões de vida da Grécia estão abaixo daqueles nos principais países europeus. "A produtividade do trabalho grega é baixa porque 'eles não trabalham' ". Isto igualmente ignora o facto de que as decisões acerca de em qual tecnologia investir e que bens e serviços produzir são tomadas pelos patrões, não pelos empregados. "As indústrias da Grécia estão a estagnar porque os preços dos produtos gregos são 'não competitivos' ". Esta afirmação ignora o facto de que os preços dos produtos gregos são estabelecidos pelos patrões e destinam-se não só a cobrir os salários dos trabalhadores como também os seus próprios salários, bónus, lucros corporativos, etc.

Estas afirmações não são análise; elas são culpabilização. Elas são amplamente promovidas pela mesma colecção de líderes de negócios, políticos, mass media e académicos apoiantes que celebraram o "desenvolvimento económico" que produziu a crise actual. Culpar os trabalhadores e chamar a crise de "nacional" destina-se a desviar a atenção do papel do capitalismo como sistema e dos capitalistas como os decisores chave neste sistema. Tal estratégia também prepara a população para a austeridade como punição necessária e correctiva das dificuldades da Grécia.

O teatro económico grego não constitui nada de novo. Ele replica um padrão velho e recorrente do capitalismo por toda a parte. Empresas capitalistas gregas e seus accionistas e administradores de topo (os ricos) evadem ou evitam a maior parte dos impostos. Enquanto isso os problemas e contradições do capitalismo grego levam patrões e empregados a pedirem sempre mais ao governo para apoio às suas actividades. Finalmente, o governo já não pode financiar mais seus serviços em expansão pela colecta de mais impostos das massas. As massas resistem e o movimento social para tributar as empresas e os ricos acelera-se. Então, os capitalistas gregos e os ricos propõem-se rapidamente a emprestar ao governo mais do dinheiro que haviam salvo dos impostos. O governo, então, toma deles emprestado (e muitas vezes também de capitalistas e cidadãos ricos de outros países) para financiar mais alguns anos de expansão dos serviços. Ele incorre em défices orçamentais crescentes e assim paga juros crescentes às empresas capitalistas e aos indivíduos ricos que são os credores do governo. Finalmente, aqueles credores respondem à dívida acumulada do governo que eles ajudaram a criar e com a qual lucraram dizendo que novos empréstimos tornaram-se demasiado arriscados.

Nesse ponto, as empresas capitalistas e os ricos ameaçam parar de emprestar ao governo. Os principais políticos entram em pânico, declaram uma crise nacional e anunciam uma solução nacional que exige austeridade nacional. Para sobreviver, os credores da Grécia devem ser persuadidos a retomar os empréstimos. Como o governo grego teme tributar as suas próprias empresas capitalistas e os seus cidadãos mais ricos, evita tomar este caminho. Como o governo juntou-se ao coro que culpabiliza os trabalhadores pela crise, o seu programa é a austeridade: reduzir o emprego público, cortar salários públicos e diminuir serviços do governo para o povo. O governo deve diminuir a tomada de empréstimos, reduzir a dívida nacional e dessa forma "recuperar a confiança dos prestamistas".

No próximo acto deste teatro, as consequências económicas da austeridade provavelmente desempenharão os seus papéis habituais. Primeiro, a economia grega contrairá quando a redução de empregos no sector público, salários e despesas cortarem a procura por bens e serviços, levando assim o patronato privado a despedir as pessoas que produziam tais bens e serviços. Segundo, o patronato privado cortará salários porque as suas vendas reduzidas tornam isso necessário enquanto a ascensão do desemprego torna isso possível. Terceiro, grandes investimentos estrangeiros ou internos não recuperarão a Grécia porque os seus salários em queda ainda não podem competir com salários muito mais baixos na Ásia e alhures. A entrada da Grécia na Comunidade Europeia nunca gerou o prometido influxo de investimentos por razões semelhantes. Quarto, estes desenvolvimentos mais uma vez deprimirão receitas fiscais do governo e portanto os défices orçamentais que a austeridade falsamente anunciava ultrapassar.

No possível acto final, se a austeridade atingir o ponto perigoso da possível reacção política das massas, desdobrar-se-á um drama cuidadosamente coreografado. Ou oficialmente pela bancarrota (incumprimento da sua dívida nacional) ou não oficialmente pela recompra dos seus títulos depreciados em mercados privados, o governo grego reduzirá sua dívida pendente em 20 a 50 por cento. Àquele nível, a tributação da classe trabalhadora da Grécia proporcionará receita suficiente para o governo grego induzir os seus credores a retomarem a concessão de empréstimos. Como mostram incontáveis exemplos passados do mesmo drama agora encenado (o mais recente foi na Argentina, cinco anos atrás), é isto que farão os credores. Afinal de contas, as taxas, pagamentos de juros e decisões favoráveis que os credores obtêm dos governos dependentes aos quais emprestam já estão estruturados para compensarem os credores dos riscos de incumprimento – oficial ou não oficial – da espécie que a Grécia agora contempla.

Uma questão fundamental emerge deste teatro grego. Que cena final a classe operária grega (só ou com outras classes operárias europeias) representará? Será que esta peça terminará como uma tragédia de resignação em massa grega, de sofrimento e declínio? Ou haverá uma viragem dramática que desvendará a austeridade imposta à classe operária grega como um resgate verdadeiramente grotesco do capitalismo grego dos seus próprios fracassos bem como da sua participação na crise capitalista global? O mundo agora observa a Grécia porque sabemos que dramas semelhantes e finais alternativos semelhantes confrontam todos nós.
04/Junho/2010
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst e professor visitante na New School University em Nova York. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).   Acerca da crise económica actual ver o seu filme documentário Capitalism Hits the Fan, em www.capitalismhitsthefan.com .

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff040610.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

0 comentários: