terça-feira, junho 24, 2008


Assembleia Metropolitana do Algarve

Faro, 23 de Junho de 2008

Moção

Biocombustíveis – só com Sustentabilidade e não agravando a Fome!

1. A escalada dos preços do petróleo, a par da problemática das alterações climáticas, tem motivado a procura de energias alternativas. Os biocombustíveis surgem como uma das soluções para substituir o exponencial consumo de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito de estufa no sector dos transportes. A U. E. e os E. U. A. em conjunto estão a liderar este processo, estabelecendo metas ambiciosas que têm levado à produção de biocombustíveis a uma escala industrial.

2. No entanto, diversos especialistas e organizações têm vindo a alertar para os perigos da expansão dos biocombustíveis, como os impactos negativos, ambientais e sociais, desta opção: perda da biodiversidade, desflorestação, substituição da produção agrícola alimentar, aumento dos preços e esgotamento das reservas alimentares, trabalho sem direitos, conflitos pela terra, aumento da pobreza e exclusão social, etc.

3. Tornou-se um facto o agravamento da crise alimentar: em Julho de 2007, o relatório “OECD – FAO Agricultural Outlook 2007-2016” chamava a atenção que a procura crescente dos biocombustíveis estava a provocar alterações decisivas nos mercados agrícolas que podem levar a uma pressão para o aumento dos preços dos bens alimentares a longo prazo; em Março passado os preços do trigo e do arroz atingiam o dobro dos níveis do ano de 2007, enquanto o do milho era 1/3 mais elevado; de acordo com um relatório do Banco Mundial, publicado em Abril passado, o aumento do preço global do trigo atingiu os 181% nos últimos 3 anos, e o preço global dos alimentos aumentou 83%; ainda em Abril, os presidentes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional acusaram os biocombustíveis de serem a principal causa do aumento do preço dos alimentos básicos; o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, apelou a uma revisão da política sobre biocombustíveis devido à crise global dos preços dos alimentos ameaçar gerar uma crise global, enquanto que Jean Ziegler, relator especial da ONU para a alimentação, referiu há pouco tempo que as actuais políticas de promoção dos biocombustíveis são “um crime contra a Humanidade”.

4. Em 2003 a Comissão Europeia lançou a Directiva 2003/30/CE, de 8 de Maio, para promover o uso de biocombustíveris nos transportes, estabelecendo uma meta de incorporação de 5,75% até 2010 para cada Estado membro. Em 23 de Janeiro de 2008 a Comissão Europeia fez sair uma nova directiva para a promoção do uso de energia proveniente de fontes renováveis, traçando o objectivo de incorporação de 10% de biocombustíveis até 2020 para cada Estado membro e os critérios de sustentabilidade a serem cumpridos, no pressuposto que o impacto ambiental e social da produção de biocombustíveis poderia ser maior que o inicialmente previsto.

5. A própria meta dos 10% até 2020 tem sido objecto de intensas críticas, incluindo dos próprios organismos ligados à U. E., como é o caso do Joint Research. Em Janeiro de 2008 este organismo publicou um relatório onde indicava que esta política requeria enormes necessidades de terra fora da Europa, poderia ter um custo líquido de 65 mil milhões de euros e colocava em dúvida a poupança de Gases com Efeito Estufa – GEE. Por sua vez, o Comité Científico da Agência Europeia do Ambiente recomendou, muito recentemente, “a suspensão do objectivo de 10%”, pois este significará “a importação de grandes quantidades de biocombustíveis”, com a ocupação de largos milhões de hectares de solo, agravando os problemas ambientais e de crise alimentar. O próprio Parlamento Europeu, em Janeiro de 2008, considerou que a meta de se atingir um mínimo de incorporação de 10% de biocombustíveis até 2020 deveria ser removida.

6. O governo português aprovou no dia 17 de Janeiro passado uma Resolução estipulando o aumento da incorporação de biocombustíveis de 5,75% para 10% em 2010, antecipando em 10 anos o objectivo apontado pela Comissão Europeia, ou seja, de 20% em 2020. Considerando a mais recente discussão internacional sobre a matéria, esta atitude apresenta-se como altamente irresponsável.

7. Em Portugal encontram-se em desenvolvimento diversos projectos de fábricas de biocombustíveis, recorrendo particularmente à importação de matéria-prima para a produção de biodiesel, e existindo o estímulo à produção nacional de milho para a produção de bioetanol.

8. A opção de produzir milho para bioetanol comporta vários riscos. O estudo do Instituto Superior Técnico (IST), realizado em Dezembro de 2007, intitulado “Análise Energética e Ambiental da Produção de Bioetanol a partir do Milho em Portugal”, refere que a substituição da gasolina por bioetanol produzido a partir do milho é uma solução cara e pode ter impactos ambientais significativos, nomeadamente pela substituição de pastagens, como por exemplo a mobilização do solo e a criação em estábulo pode resultar em mais emissões de gases de efeito de estufa, como o metanol.

9. Também não podemos ignorar o efeito da produção e consumo mundial no aumento do preço dos cereais e, por arrastamento, dos restantes bens alimentares. Torna-se necessário estabelecer alguns critérios de sustentabilidade para que as terras destinadas às culturas alimentares não sejam substituídas por culturas destinadas à indústria dos biocombustíveis. O governo português, ao estabelecer uma meta tão ambiciosa, está a dar o sinal errado em termos internacionais e a contribuir para a pressão inflacionista sobre os bens alimentares essenciais. Este aumento irá afectar os agregados mais pobres, inclusivamente no nosso país, uma vez que estes produtos têm um peso mais significativo sobre os seus orçamentos familiares.

10. Finalmente, também se afigura preocupante, o facto do governo estar a ignorar as preocupações ambientais e sociais levantadas a nível internacional pelos biocombustíveis. Não está previsto o cumprimento de quaisquer critérios de sustentabilidade, nem para a produção nacional e muito menos para a matéria-prima importada, nem se equacionaram os custos desta política.

Perante o exposto:

A Assembleia Metropolitana do Algarve, reunida em sessão ordinária no dia 23 de Junho de 2008, exige do governo as seguintes medidas:

a) Que a produção de biocombustíveis no nosso país não seja superior àquele que nos é imposto pela União Europeia, de modo a não criar incentivos de mercado para o seu crescimento acelerado e suas opções menos sustentáveis.

b) Que introduza critérios de sustentabilidade ambientais e sociais no ciclo dos biocombustíveis, capazes de garantir que apenas é apoiada a produção que respeite a protecção ambiental, reduza as emissões de GEE em termos globais, cumpra os direitos sociais das comunidades locais e tenha em conta os efeitos indirectos, como é o caso da pressão inflacionista sobre os bens alimentares essenciais.

c) Que promova a aposta nos biocombustíveis mais sustentáveis, valorizando a regeneração dos óleos alimentares usados, a fracção biodegradável dos resíduos urbanos ou congéneres, entre outros, face à utilização de culturas agrícolas.

d) Que estabeleça uma hierarquia de importância, para o cumprimento das metas, com recurso à redução do consumo total de combustíveis fósseis, a qual poderá ser obtida com a aplicação de medidas como a aposta na transferência de passageiros do transporte individual para os transportes colectivos. Esta será a política mais correcta para solucionar os problemas do crescimento galopante do sector rodoviário e, em particular, do transporte individual, o que corresponde a um consumo exponencial de combustíveis fósseis e emissões de GEE.

O Representante do BE na AMAL

João Vasconcelos

Nota: Esta Moção depois de aprovada deverá ser divulgada pela comunicação regional e nacional e enviada ao Primeiro-Ministro, Ministro da Economia e da Inovação, Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e Junta Metropolitana do Algarve.

Observação: Moção rejeitada por maioria, com 14 votos contra (PS e alguns PSD), 10 a favor (BE e alguns PSD) e 2 abstenções (PCP). Alguns membros do PS saíram da sala no momento da votação, em protesto pelo facto da Moção ter sido admitida para discussão (uma autêntica vergonha por parte destes elementos do PS. Alguns elementos do PSD foram atrás do PS – foi o bloco central a funcionar, em parte).

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