terça-feira, agosto 26, 2008


imagesBloco de Esquerda

Rua 5 de Outubro, nº 39

8500-581 Portimão

Portimão, 21 de Agosto de 2008

Exmº Senhor

Procurador-Geral da República

Procuradoria-Geral da República

Rua da Escola Politécnica, 140

1269 – 269 Lisboa

Assunto: Pedido de investigação e apuramento de eventuais responsabilidades criminais na Quinta da Rocha – Ria de Alvor

Na qualidade de cidadãos e de autarcas eleitos pelo Bloco de Esquerda no concelho de Portimão, João Manuel Duarte Vasconcelos e Maria Luísa Vieira Penisga Gonzalez, membros da Assembleia Municipal de Portimão, e Simeão Leonor Quedas, membro da Assembleia de Freguesia de Portimão, vimos junto de V. Exª. expor o seguinte:

  1. A Ria de Alvor é uma das zonas húmidas mais importantes do Algarve, logo a seguir à Ria Formosa e ao Sapal de Castro Marim e a sua importância ecológica encontra-se publicamente reconhecida. Foi classificada como zona de protecção da Natureza pelo PROTAL e incluída na Reserva Ecológica Nacional, na Reserva Agrícola Nacional e na Rede Natura 2000, sendo protegida pela legislação portuguesa e por directivas comunitárias.
  2. Ao longo dos anos muitas das suas áreas têm sido objecto de uma grande pressão imobiliária e especulativa, o que, a acontecer, conduzirá à destruição inexorável desse bem público, patrimonial e ecológico.
  3. A Quinta da Rocha, uma propriedade de cerca de 200 hectares, encontra-se situada dentro da Área de Conservação Especial e Rede Natura 2000 da Ria de Alvor, portanto uma propriedade ecologicamente protegida.
  4. Conforme é do conhecimento público (Sol de 14/10/06, Correio da Manhã de 30/01/08 e Diário de Notícias de 11/02/08), a Quinta da Rocha foi comprada pela Butwell, do comendador Joe Berardo por 500 mil euros, em Outubro de 2000, vendendo-a posteriormente ao Grupo Imoholding, do empresário Aprígio dos Santos por 15 milhões de euros, em Junho de 2006. A propriedade foi comprada como “prédio rústico” e vendida como “prédio misto”, “em virtude de terem sido construídos 18 [prédios] urbanos de rés-de-chão”, de acordo com a Descrição nº 1791/160393 da Quinta da Rocha no Registo Predial de Portimão (Cfr. Averbamento ao registo AV. 03-Ap.21/150301; Av.04-Ap. 10/20070604). Conforme relata a comunicação social, a descrição da Quinta da Rocha no Instituto Cadastral de Faro apenas indicava “11 construções rurais”, mas nas Finanças e na Conservatória do Registo Predial de Portimão foram registados, ainda no ano 2000, 18 prédios urbanos (vivendas). Segundo Declaração emitida em Novembro de 2000, estas 18 casas destinam-se “a habitação e com a área total de 3 238 metros quadrados” – uma com 11 assoalhadas, outra com oito e outras com cinco ou seis assoalhadas (ver descrição dos prédios – Doc. 7). Por outro lado, a área das 11 casas iniciais não corresponderão à área dos 18 prédios inscritos. Já em Outubro de 2005, aquando da campanha eleitoral para as eleições autárquicas, o Bloco de Esquerda tinha feito a denúncia pública de eventuais irregularidades na alteração matricial da Quinta da Rocha (Docs. 1 a 7).
  5. Em nosso entender, a alteração matricial da Quinta da Rocha comporta graves irregularidades e ilegalidades, pois torna-se inexplicável que, de um momento para o outro, 11 ruínas rústicas se transformem em 18 prédios urbanos. Caso essas ilegalidades se comprovem, as mais valias obtidas com a compra e venda da propriedade – cerca de 14 milhões e meio de euros – representam um caso notório de especulação imobiliária.
  6. Segundo indica o jornal Sol de 14 de Outubro de 2006 (Doc. 1), o novo proprietário da Quinta da Rocha teria tentado vender a propriedade por diversas vezes por um valor de 30 milhões de euros, apresentando aos potenciais compradores um “projecto turístico” com “18 prédios urbanos, com 3.238 m2 de construção”, “um projecto de resort turístico de baixo impacto ambiental direccionado para o segmento alto” em que “os pontos fortes são a localização, a vista do mar e da lagoa, a dimensão do terreno e (…) a vontade política para a criação de um plano de urbanização”. Embora o negócio tenha falhado, “a única forma de passar por cima das condicionantes existentes é o Governo declarar a zona Projecto de Interesse Nacional (PIN), ideia que a Câmara de Portimão apoia”, conclui o jornal. Toda esta situação merece forte preocupação e apreensão da nossa parte.
  7. Nos anos de 2006 e 2007 foram praticados diversos atentados ambientais na propriedade Quinta da Rocha, com intervenções reincidentes não autorizadas pelas entidades competentes e violando a lei, como destruição de sapais, trabalhos em valas de drenagem, gradagens e remoção de terras, remoção de coberto vegetal, o que terá provocado a destruição de habitats e espécies prioritárias protegidas por lei. Tais factos, denunciados pela Associação “A Rocha” e outras associações ambientalistas e entidades, levaram à intervenção das autoridades que embargaram as obras em causa. Foram levantados processos de contra-ordenação e a empresa Butwell foi acusada “do crime de desobediência civil, ao não ter respeitado o embargo decretado a 16 de Março de 2006 e de ter continuado diversos trabalhos à revelia das autoridades”. O empresário Aprígio dos Santos, na qualidade de administrador da Butwell, foi constituído arguido pelo Ministério Público de Portimão (Docs. 19 a 49).
  8. As intervenções não autorizadas na Quinta da Rocha motivaram a sua condenação, por unanimidade, por parte da Assembleia Municipal de Portimão e por proposta do Grupo Municipal do Bloco de Esquerda, respectivamente nos dias 10 de Abril de 2006 e 26 de Fevereiro de 2007. Nas moções aprovadas, foi exigido a paragem imediata dos trabalhos ilegais, a condenação do proprietário e a exigência da reposição do que fora destruído a suas expensas, e o apuramento total de todos os actos praticados na área em causa (Docs. 8 e 9).
  9. Relativamente à matéria em causa, os deputados municipais do Bloco de Esquerda solicitaram ainda a intervenção do Grupo Parlamentar do BE na Assembleia da República (Requerimento da deputada Alda Macedo dirigido ao Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 3 de Setembro de 2007), requereram uma reunião da Comissão de Acompanhamento do Planeamento, Ambiente e Qualidade de Vida da Assembleia Municipal e fizeram um Requerimento à Câmara Municipal de Portimão (Docs. 10, 11, 12, 15 e 16).
  10. As referidas iniciativas visavam o esclarecimento de todo o processo que envolve a Quinta da Rocha – intervenções ilegais, conhecimento ou autorização dessas intervenções por parte da Câmara Municipal ou de outras entidades oficiais, conhecimento ou autorização de projectos de aquacultura ou outros, estudos de impacto ambiental desses projectos, ou projecto de um PIN.
  11. Conforme é do conhecimento público, os proprietários da Quinta da Rocha por meio da AquaRocha – Aquacultura e Turismo da Quinta da Rocha, Ldª, apresentaram um projecto/pedido de autorização de instalação de um estabelecimento de culturas marinhas (piscicultura), com a denominação “Aquacultura Quinta da Rocha”, a situar na Quinta da Rocha (Doc. 13). O referido projecto mereceu parecer desfavorável por parte da Câmara Municipal de Portimão na reunião de 14/11/2007 (Doc. 14) e não reunia as condições necessárias para ser autorizado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), podendo no entanto vir a ser viabilizado caso fosse reformulado, desde que, entre outros aspectos, tivesse parecer favorável do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e da Comissão Regional da Reserva Agrícola Nacional do Algarve (Doc. 17).
  12. O projecto de aquacultura mereceu uma forte contestação por parte das associações ambientalistas – destacando-se a Associação “A Rocha” –, pescadores, viveiristas e mariscadores da Ria de Alvor e população local, visto o referido projecto contribuir para degradar em larga escala importantes habitats naturais, agravar a situação de poluição da ria e provocar a perda de diversidade biológica.
  13. Finalmente, estamos em crer que todo o processo que tem envolvido nos últimos anos a Quinta da Rocha – alteração matricial de 11 ruínas rústicas em 18 prédios urbanos, o denominado “projecto turístico”, a destruição de habitats e espécies protegidas e outras intervenções à margem da lei, os projectos de turismo agro-ambiental e de aqualcultura apresentados pelo proprietário (todos os acontecimentos estarão co-relacionados, servindo alguns para legitimar o projecto turístico) – tem por finalidade a construção de um complexo turístico e imobiliário para a zona, o que a acontecer, irá gerar mais especulação e afectará gravemente ou levará à destruição de um bem patrimonial e ecológico de inestimável valor, a Ria de Alvor. Se tal acontecer, os interesses privados, de apenas alguns, irão prevalecer sobre e à custa de um bem público, que deverá ser preservado, defendido e usufruído por todos os cidadãos.

Assim sendo e de acordo com os pressupostos acima explanados, vimos junto de V. Exª, Senhor Procurador-Geral da República, solicitar que, no âmbito das suas competências, diligencie através do Ministério Público ou de outras entidades que julgar convenientes, se proceda a uma rigorosa investigação sobre todos os acontecimentos que tiveram lugar na Quinta da Rocha nos últimos tempos, particularmente a alteração matricial e a destruição de habitats e espécies prioritárias protegidas por lei, por nós referenciadas nesta exposição, com vista ao apuramento de todas as responsabilidades e ilícitos criminais.

Os autarcas do Bloco de Esquerda em Portimão

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(João Manuel Duarte Vasconcelos)

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(Maria Luisa Vieira Penisga Gonzalez)

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(Simeão Leonor Quedas)

Observação: anexam-se 49 Documentos contendo todo este processo 90 páginas.

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