quinta-feira, julho 03, 2008

Sócrates no fim da linha?



O autor, José Paulo Gascão, analisa a presente situação política portuguesa, criada pela política de direita do Governo PS de José Sócrates






(josé Socrates 1º Ministro actual)
José Paulo Gascão - 27.06.08

Não é já apenas a classe trabalhadora a lutar contra a política de direita do governo PS: classes e camadas intermédias da sociedade (armadores, pequenos empresários de camionagem, e de reboques), engrossaram a torrente de contestação e transformaram o mês de Junho num pesadelo sem fim para José Sócrates.

Em resposta aos 250.000 trabalhadores que a 5 de Junho desceram a Av. da Liberdade, com uma confiança e alegria como há muito se não verificava, José Sócrates declarou que não lhe interessavam os números, só os argumentos, e procurou apresentar-se como um benfeitor de trabalhadores ingratos, num «discurso que, pelo tom e estilo, traz à memória, num contexto diferente, o dos epígonos do fascismo». No entanto, quando o país paralisou com as lutas de empresários disse ter tomado consciência da vulnerabilidade do Estado.

Com esta involuntária inconfidência, José Sócrates apenas quis dizer que não podia reprimir o pequeno patronato da camionagem e de reboques (eram patrões), mas também mostrou desconhecer que os interesses da grande burguesia, são diferentes dos do pequeno patronato, cada vez mais condenado à proletarização, agora acelerada pela opção neoliberal do PS, consequência da sua fusão ideológica com a direita.

Toque a rebate

Ninguém duvida que o tempo de Sócrates caminha num ritmo uniformemente acelerado para o fim. A previsível perda da maioria absoluta nas eleições de 2009, provocou já uma movimentação de forças não coincidentes, mas convergentes nos objectivos e interesses: Cavaco Silva, em plena luta dos docentes, preveniu sub-repticiamente que «não se deve hostilizar os professores», agora foi Mário Soares o primeiro saltar, chamando a atenção para «algum autismo» do governo e a necessidade de mostrar mais preocupações sociais. Como acrescentou que o governo tem tido uma «actuação globalmente positiva», fica claro que não diverge na essência, apenas no modo de fazer…

Seguiu-se a sessão pública no Trindade, larga e empenhadamente mobilizada pela comunicação social de expressão nacional, onde Manuel Alegre foi a personagem principal da encenação.

Alegre é, de todos os políticos portugueses o mais parecido com S. Tomás: não há qualquer coincidência entre o que diz (nomeadamente nos seus poemas) e o que faz: nesta legislatura, votou favoravelmente os três Orçamentos de Estado do governo, instrumentos estruturantes da política do governo de Sócrates de que pretende agora fazer crer que discorda, onde se definiram os salários dos trabalhadores do Estado que serviram de orientação ao patronato, os cortes nas verbas do Serviço Nacional de Saúde, da Educação, e também os benefícios fiscais para bancos e grandes empresas…

A encenação do Trindade foi mais uma manobra de diversão, como muito bem compreendeu João Soares, que logo veio em defesa de Alegre, no que pode ser o prenúncio do regresso de uma ovelha tresmalhada ao clã.

A opção de classe do PS

Foram já várias as pessoas que muito prezo a mostrarem-me o seu incómodo pela afirmação de que, com José Sócrates, o PS acabou o processo de fusão ideológica com a direita. Não apresentando argumentos contra, consideram excessiva a afirmação.

Mas a verdade é que com Sócrates acabou no PS o tempo de uma memória antifascista e de luta pela democracia e entrou-se num tempo de rendição clara e indisfarçável, e indisfarçada aos interesses dos grupos monopolistas portugueses e do imperialismo.

Não se dá apenas a assumpção plena do neoliberalismo como praxis oficial do PS, aconteceu também a fusão ideológica com a direita, com a consequente perda de valores sociais e democráticos. A rendição do PS às políticas da direita é de tal monta que, no recente Congresso do PPD/PSD, apesar de instada a isso, Manuela Ferreira Leite não conseguiu (os media dizem “resistiu à tentação”…) apresentar propostas políticas» diferentes das do PS. Ficou-se pela promessa que «iria tomar em conta as preocupações que ouviu».

Se no campo social, as opções por soluções políticas de direita são óbvias, através da degradação e/ou o paulatino abandono das obrigações constitucionais do Estado e da criação de falsas condições de igualdade entre os sectores públicos e privado (é o caso da saúde e da educação), no sector financeiro essa cedência é menos visível, não faz as manchetes dos media.

Os dados há dias divulgados pelo Banco de Portugal, no Relatório de Estabilidade Financeira relativo a 2007, são exemplo de como o governo de Sócrates se rende aos verdadeiros detentores do Poder, de como transfere, a coberto de benefícios fiscais, recursos do Estado para os grandes grupos monopolistas: nos 4 anos que medeiam entre os exercícios de 2004 e 2007, a banca pagou de IRC+derrama uma taxa efectiva de imposto sobre os lucros de 15,6%, enquanto a taxa legal de imposto para as empresas é de 26,5% (25% de IRC+1,5% de derrama). Feitas as contas, foram “transferidos” do Estado para os senhores da banca neste período 1.563 milhões de euros (menos 42,5% do que deviam ter pago!), para eles gerirem com a falta de critério que se vai sabendo e de que são exemplos mais evidentes o BCP e o BPN.

E se em 2006, pela pressão das denúncias públicas, foram diminuídos os benefícios fiscais aos bancos, o que elevou a taxa efectiva de imposto pago em 4,4%, de 13,5% para 17,9%, o governo de José Sócrates já iniciou o caminho de regressão ao passado: a taxa efectiva de imposto pago diminuiu 2%, passando dos 17,9% de 2006 para 15,9% em 2007!

Sócrates: fim da linha

Longe vão os tempos em que Ludgero Marques, Presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), dizia: «Tenho apreciado a tenacidade do Governo e gostaria, portanto, que este Governo tivesse sucesso». Já devem ter explicado a Sócrates que o Poder considera o seu tempo acabado e que, mesmo que venha a ter uma promoção lateral com um salário de inveja, ele já está a ser tratado como material descartável.

E se o PSD de Luís Filipe Meneses nunca foi credível nem teve direito a um curto estado de graça, o de Manuela Ferreira Leite não é alternativa política ao PS, pois são partidos ideologicamente fundidos. Com a rendição do PS aos grupos monopolistas e ao imperialismo, o PS de Sócrates, objectivamente, ultrapassou pela direita o PPD/PSD, na destruição de direitos sociais e garantias democráticas. A cedência ao grande patronato que o PS e a UGT se preparam para fazer com a aprovação do novo Código de Trabalho (escrevo dia 23 de Junho), será o último e mais recente exemplo.

Com ou sem Manuela Ferreira Leite, o PSD nem sequer seria, ainda, a opção para o renovar de ilusões, que a alternância no governo entre estes dois Partidos tem criado no povo português, nos últimos 30 anos.

Foi a crescente luta de massas, de uma dimensão sem paralelo nos últimos 20 anos, que criou na direita e no Poder a necessidade de renovar falsas perspectivas e esperanças sem fundamento.

Também a sessão pública encenada no Trindade por Manuel Alegre e Francisco Louçã nada tem a ver com um primeiro passo para uma unidade da esquerda. A unidade da esquerda nunca será construída numa distribuição de quotas do poder e de satisfação de vaidades.

A unidade da esquerda terá de ser com uma base programática contrária à do actual governo PS e será estrategicamente conseguida quando o povo português se assumir como sujeito da história.

A criação de uma alternativa política é necessária, e uma mudança qualitativa virá inevitavelmente num futuro historicamente curto.

É uma evidência que as massas não aceitam o desgoverno da política de direita e de Sócrates.

In odiário.info

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