Siga o exemplo do Luís Costa. Saiba como estoirar o modelo burocrático sem cometer ilegalidades
Exmo Senhor Presidente do Conselho Executivo
Venho, por este meio, solicitar a V.ª Ex.ª a suspensão imediata do meu processo de avaliação de desempenho, com base no amplo conjunto de razões que passo a expor:
1- O modelo de avaliação do desempenho aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 2/2008 não está orientado para a qualificação do serviço docente e, consequentemente, não contribui para a melhoria da qualidade da educação, enquanto serviço público;
2- O referido modelo de avaliação destina-se, sobretudo, a institucionalizar uma cadeia hierárquica dentro das escolas e a dificultar, ou mesmo impedir, a progressão dos professores na sua carreira;
3- A avaliação de desempenho dos professores realizada por colegas — que trabalham e convivem na mesma escola, há muito tempo — está fortemente condicionada pelas relações de intimidade geradas, pelas inimizades criadas, pelas posições e divergências assumidas, não sendo, pois, expectável uma avaliação imparcial;
4- Toda a polémica e sentimento de rejeição generalizada, relativamente a este modelo burocrático e administrativo imposto, já subtraíram ao processo as condições mínimas de serenidade;
5- A formação que o Ministério da Educação proporcionou aos coordenadores e professores avaliadores — apressada, extemporânea e, não raras vezes, ministrada por professores situados na posição de avaliados — leva a que estes não acreditem na imparcialidade do processo, nem aqueles se sintam preparados para desempenhar as funções que lhes foram impostas;
6- A operacionalização do actual modelo de avaliação do desempenho está a prejudicar o desempenho do corpo docente, na sua generalidade, devido à carga burocrática e às inúmeras reuniões que exige: por falta de tempo, o trabalho lectivo tem de ser relegado para segundo plano, tomando a avaliação de desempenho uma importância tal que, diária e sistematicamente, nos consome a energia e o ânimo que deveriam ser investidos na concepção das actividades lectivas;
7- O modelo de avaliação reveste-se de enorme complexidade e é objecto de leituras tão discrepantes que se instalou uma enorme confusão, que envolve todo o processo e seus intervenientes;
8- Alguns dos itens das fichas de avaliação não são pertinentes, outros não são exequíveis e outros ainda, pelo seu grau de subjectividade, são praticamente indefensáveis por parte dos avaliadores: não existem quadros de referência em função dos quais seja possível promover a objectividade, a equidade e a justeza requeridas num processo de avaliação desta natureza;
9- A incapacidade objectiva de compreender e dominar todos os conceitos, parâmetros e critérios resultará, inevitavelmente, numa avaliação injusta e de honestidade duvidosa;
10- O próprio Conselho Científico da Avaliação dos Professores — inactivo, devido à demissão de alguns elementos, entre os quais a própria presidente —, nas suas recomendações, critica aspectos centrais do modelo de avaliação do desempenho: a utilização dos instrumentos de registo feitos pelas escolas, a utilização dos resultados dos alunos, o abandono escolar e a observação de aulas;
11- Existe uma possibilidade real deste Modelo de Avaliação do Desempenho colidir com normativos legais, nomeadamente, o Artigo 44º) do Código do Procedimento Administrativo, o qual estabelece — no ponto 1, alíneas a) e c)—, a existência de casos de impedimento sempre que o órgão ou agente da Administração Pública intervenha em actos ou questões em que tenha interesses semelhantes aos implicados na decisão. Ora, os professores avaliadores — que, por delegação de competências, podem nem ser titulares, estando em igualdade de situação na carreira com os colegas avaliados — concorrem com estes no mesmo processo de progressão na carreira, disputando lugares nas quotas a serem definidas;
12- A imputação de responsabilidade individual ao docente, pela avaliação dos seus alunos, cuja progressão e níveis classificatórios entram, com um peso específico na sua avaliação de desempenho, configura uma violação grosseira do Despacho Normativo nº 1/2005 — o qual estipula, na alínea b) do Artigo 31º, que a decisão quanto à avaliação final do aluno é, nos 2º e 3º ciclos, da competência «do conselho de turma sob proposta do(s) professor(es) de cada disciplina/área curricular não disciplinar»;
13- Este modelo de avaliação do desempenho é igualmente condenável, porque, além de configurar uma arquitectura burocrática absurda e desajustada daquilo que é relevante no processo de ensino/aprendizagem, pode desencadear, no quotidiano escolar, processos e relações de extraordinária complexidade e melindre, mercê de contingências atípicas e anómalas: avaliadores de hoje poderem ser avaliados amanhã, e vice-versa; avaliadores com formação académica de nível inferior aos avaliados; avaliações da qualidade científica e pedagógica de práticas docentes empreendidas por avaliadores oriundos de grupos disciplinares muito díspares;
14- O Ministério da Educação não está em condições de poder assegurar às escolas que muitos dos avaliadores possuam, além das competências de avaliação requeridas, uma prática pedagógica modelar, ou apenas razoavelmente bem sucedida, nos parâmetros em que avaliam os colegas. Em contexto escolar, parece-me anti-pedagógico e contraproducente impor a autoridade por decreto, a partir de uma perspectiva autocrática e monolítica;
15- Ao contrário da convicção dos responsáveis pela área da Educação, considero que não é legítimo subordinar, ainda que em parte, a avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira, ao sucesso dos alunos e ao abandono escolar — Decreto Regulamentar nº 2/2008, Artigo 8º, ponto 1, alínea b), desprezando-se uma enormidade de variáveis e de condicionantes que escapam ao controlo e à responsabilidade do professor. Desta forma, criam-se condições desiguais entre colegas: atribuição de turmas com diferentes espectros socioeconómicos e historiais de sucesso escolar; comparação de resultados em disciplinas com competências e níveis de exigência totalmente diferentes; disciplinas que são submetidas a exame nacional comparadas com outras que não têm semelhante exigência; um processo “administrativo” rígido e míope, que não distingue, nem número de disciplinas que cada docente lecciona, nem o grau de exigência das mesmas, nem o número de níveis que cada professor tem, nem o número de turmas e de alunos que cada profissional tem a seu cargo;
16- Tendo em conta o afirmado anteriormente, existem dinâmicas sociais e locais, cujo impacto nas escolas é real, mas de mensuração difícil e, como tal, não se encontram estudadas ao pormenor (como pressupõe o Modelo de Avaliação do Desempenho). Relativamente a essas variáveis, os professores são impotentes, não podendo assumir, naturalmente, o ónus de variáveis que os transcendem: acentuadas desigualdades económico-sociais, que afectam a sociedade portuguesa; elevado número de jovens que vivem em situação de pobreza, em famílias desestruturadas ou cujos pais são vítimas de desemprego ou de ocupações precárias e mal remuneradas; o ostracismo a que são votadas algumas áreas residenciais, indutor de formas de socialização desviantes, de marginalidade e, consequentemente, de indisciplina na escola; a existência de elevados défices de instrução e de literacia entre os pais de muitos jovens que frequentam a escola; a falta de tempo, de motivação ou de saberes que permitam aos pais efectuar o acompanhamento escolar dos filhos ou, ao menos, incutir-lhes o valor da aprendizagem escolar; as pressões familiares ou sociais para o abandono precoce da escola em troca de expectativas de trabalho e de remuneração;
17- É de recusar a rigidez e a inflexibilidade, meramente administrativas, nos critérios para a obtenção da classificação de Muito Bom ou de Excelente, penalizando o uso de direitos constitucionalmente protegidos — como ser pai/mãe, estar doente, acompanhar o processo educativo dos filhos, participar em eventos de reconhecida relevância social ou académica, acatar obrigações legais ou estar presente nos funerais de entes queridos;
18- Este Modelo de Avaliação do Desempenho produz um sistema predominantemente penalizador e que não é garante de uma melhoria dos futuros desempenhos, além de não discriminar positivamente os docentes que leccionam ou desenvolvem projectos com as turmas mais problemáticas e com maiores dificuldades de aprendizagem;
Esperando que os meus colegas desta escola tomem idêntica decisão — tal como o fizeram mais de quinhentas escolas do país — para que todos possamos recentrar a nossa atenção no ensino e educação dos alunos — despeço-me de V.ª Ex.ª
Com os meus respeitosos cumprimentos
Luís Fernando Ribeiro da Costa
ProfAvaliação
1- O modelo de avaliação do desempenho aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 2/2008 não está orientado para a qualificação do serviço docente e, consequentemente, não contribui para a melhoria da qualidade da educação, enquanto serviço público;
2- O referido modelo de avaliação destina-se, sobretudo, a institucionalizar uma cadeia hierárquica dentro das escolas e a dificultar, ou mesmo impedir, a progressão dos professores na sua carreira;
3- A avaliação de desempenho dos professores realizada por colegas — que trabalham e convivem na mesma escola, há muito tempo — está fortemente condicionada pelas relações de intimidade geradas, pelas inimizades criadas, pelas posições e divergências assumidas, não sendo, pois, expectável uma avaliação imparcial;
4- Toda a polémica e sentimento de rejeição generalizada, relativamente a este modelo burocrático e administrativo imposto, já subtraíram ao processo as condições mínimas de serenidade;
5- A formação que o Ministério da Educação proporcionou aos coordenadores e professores avaliadores — apressada, extemporânea e, não raras vezes, ministrada por professores situados na posição de avaliados — leva a que estes não acreditem na imparcialidade do processo, nem aqueles se sintam preparados para desempenhar as funções que lhes foram impostas;
6- A operacionalização do actual modelo de avaliação do desempenho está a prejudicar o desempenho do corpo docente, na sua generalidade, devido à carga burocrática e às inúmeras reuniões que exige: por falta de tempo, o trabalho lectivo tem de ser relegado para segundo plano, tomando a avaliação de desempenho uma importância tal que, diária e sistematicamente, nos consome a energia e o ânimo que deveriam ser investidos na concepção das actividades lectivas;
7- O modelo de avaliação reveste-se de enorme complexidade e é objecto de leituras tão discrepantes que se instalou uma enorme confusão, que envolve todo o processo e seus intervenientes;
8- Alguns dos itens das fichas de avaliação não são pertinentes, outros não são exequíveis e outros ainda, pelo seu grau de subjectividade, são praticamente indefensáveis por parte dos avaliadores: não existem quadros de referência em função dos quais seja possível promover a objectividade, a equidade e a justeza requeridas num processo de avaliação desta natureza;
9- A incapacidade objectiva de compreender e dominar todos os conceitos, parâmetros e critérios resultará, inevitavelmente, numa avaliação injusta e de honestidade duvidosa;
10- O próprio Conselho Científico da Avaliação dos Professores — inactivo, devido à demissão de alguns elementos, entre os quais a própria presidente —, nas suas recomendações, critica aspectos centrais do modelo de avaliação do desempenho: a utilização dos instrumentos de registo feitos pelas escolas, a utilização dos resultados dos alunos, o abandono escolar e a observação de aulas;
11- Existe uma possibilidade real deste Modelo de Avaliação do Desempenho colidir com normativos legais, nomeadamente, o Artigo 44º) do Código do Procedimento Administrativo, o qual estabelece — no ponto 1, alíneas a) e c)—, a existência de casos de impedimento sempre que o órgão ou agente da Administração Pública intervenha em actos ou questões em que tenha interesses semelhantes aos implicados na decisão. Ora, os professores avaliadores — que, por delegação de competências, podem nem ser titulares, estando em igualdade de situação na carreira com os colegas avaliados — concorrem com estes no mesmo processo de progressão na carreira, disputando lugares nas quotas a serem definidas;
12- A imputação de responsabilidade individual ao docente, pela avaliação dos seus alunos, cuja progressão e níveis classificatórios entram, com um peso específico na sua avaliação de desempenho, configura uma violação grosseira do Despacho Normativo nº 1/2005 — o qual estipula, na alínea b) do Artigo 31º, que a decisão quanto à avaliação final do aluno é, nos 2º e 3º ciclos, da competência «do conselho de turma sob proposta do(s) professor(es) de cada disciplina/área curricular não disciplinar»;
13- Este modelo de avaliação do desempenho é igualmente condenável, porque, além de configurar uma arquitectura burocrática absurda e desajustada daquilo que é relevante no processo de ensino/aprendizagem, pode desencadear, no quotidiano escolar, processos e relações de extraordinária complexidade e melindre, mercê de contingências atípicas e anómalas: avaliadores de hoje poderem ser avaliados amanhã, e vice-versa; avaliadores com formação académica de nível inferior aos avaliados; avaliações da qualidade científica e pedagógica de práticas docentes empreendidas por avaliadores oriundos de grupos disciplinares muito díspares;
14- O Ministério da Educação não está em condições de poder assegurar às escolas que muitos dos avaliadores possuam, além das competências de avaliação requeridas, uma prática pedagógica modelar, ou apenas razoavelmente bem sucedida, nos parâmetros em que avaliam os colegas. Em contexto escolar, parece-me anti-pedagógico e contraproducente impor a autoridade por decreto, a partir de uma perspectiva autocrática e monolítica;
15- Ao contrário da convicção dos responsáveis pela área da Educação, considero que não é legítimo subordinar, ainda que em parte, a avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira, ao sucesso dos alunos e ao abandono escolar — Decreto Regulamentar nº 2/2008, Artigo 8º, ponto 1, alínea b), desprezando-se uma enormidade de variáveis e de condicionantes que escapam ao controlo e à responsabilidade do professor. Desta forma, criam-se condições desiguais entre colegas: atribuição de turmas com diferentes espectros socioeconómicos e historiais de sucesso escolar; comparação de resultados em disciplinas com competências e níveis de exigência totalmente diferentes; disciplinas que são submetidas a exame nacional comparadas com outras que não têm semelhante exigência; um processo “administrativo” rígido e míope, que não distingue, nem número de disciplinas que cada docente lecciona, nem o grau de exigência das mesmas, nem o número de níveis que cada professor tem, nem o número de turmas e de alunos que cada profissional tem a seu cargo;
16- Tendo em conta o afirmado anteriormente, existem dinâmicas sociais e locais, cujo impacto nas escolas é real, mas de mensuração difícil e, como tal, não se encontram estudadas ao pormenor (como pressupõe o Modelo de Avaliação do Desempenho). Relativamente a essas variáveis, os professores são impotentes, não podendo assumir, naturalmente, o ónus de variáveis que os transcendem: acentuadas desigualdades económico-sociais, que afectam a sociedade portuguesa; elevado número de jovens que vivem em situação de pobreza, em famílias desestruturadas ou cujos pais são vítimas de desemprego ou de ocupações precárias e mal remuneradas; o ostracismo a que são votadas algumas áreas residenciais, indutor de formas de socialização desviantes, de marginalidade e, consequentemente, de indisciplina na escola; a existência de elevados défices de instrução e de literacia entre os pais de muitos jovens que frequentam a escola; a falta de tempo, de motivação ou de saberes que permitam aos pais efectuar o acompanhamento escolar dos filhos ou, ao menos, incutir-lhes o valor da aprendizagem escolar; as pressões familiares ou sociais para o abandono precoce da escola em troca de expectativas de trabalho e de remuneração;
17- É de recusar a rigidez e a inflexibilidade, meramente administrativas, nos critérios para a obtenção da classificação de Muito Bom ou de Excelente, penalizando o uso de direitos constitucionalmente protegidos — como ser pai/mãe, estar doente, acompanhar o processo educativo dos filhos, participar em eventos de reconhecida relevância social ou académica, acatar obrigações legais ou estar presente nos funerais de entes queridos;
18- Este Modelo de Avaliação do Desempenho produz um sistema predominantemente penalizador e que não é garante de uma melhoria dos futuros desempenhos, além de não discriminar positivamente os docentes que leccionam ou desenvolvem projectos com as turmas mais problemáticas e com maiores dificuldades de aprendizagem;
Esperando que os meus colegas desta escola tomem idêntica decisão — tal como o fizeram mais de quinhentas escolas do país — para que todos possamos recentrar a nossa atenção no ensino e educação dos alunos — despeço-me de V.ª Ex.ª
Com os meus respeitosos cumprimentos
Luís Fernando Ribeiro da Costa
ProfAvaliação
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