terça-feira, novembro 09, 2010


Com os juros da dívida a 6,9 por cento, mostrando que o orçamento aprovado não tem nem terá qualquer influência na famigerada falta de confiança dos mercados, os olhos de muitos portugueses viram-se para a China. E se a potência económica nos comprasse uma parte substancial da dívida?
Do ponto de vista económico, a ideia não é desinteressante. Ao contrários dos jogadores que brincam com o nosso dinheiro, a China tem todo o interesse que Europa e EUA estejam de saúde e que americanos e europeus tenham dinheiro para consumir. São os seus principais mercados e o aprofundamento da crise nos países desenvolvidos seria péssimo para a China. E o seu interesse nas dívidas do primeiro mundo é acima de tudo político e estratégico. O Mundo na mão da China, é um sonho cumprindo. Sem armas nem exércitos. Apenas graças à absoluta incompetência das duas potencias económicas, que se deixaram enterrar no lodo ideológico que lhes destruiu a capacidade de definir políticas económicas racionais. A Europa e os EUA, em vinte anos de domínio do neoliberalismo, desfizeram-se em crises sucessivas. Os chineses apanham os cacos e aproveitam a sua oportunidade.
Só que a economia e a política são um casal inseparável. Este domínio chinês levantará problemas gravíssimos. Com ele virá um domínio daquilo a que poderíamos chamar de modelo social chinês: enorme aumento de produtividade com um amento dos rendimentos do trabalho medíocre e um capitalismo autoritário, que garante através da repressão a contenção dos direitos laborais.
Esta ascensão chinesa dá à maior ditadura do Mundo um poder que devemos temer. Com a Europa e os EUA subjugados a este extraordinário credor, qualquer denúncia ou acção contra a violação dos direitos humanos na China poderá sair bastante cara. A imagem de umas dezenas de manifestantes obrigados a protestar, em Lisboa, bem longe dos olhos do presidente da China é um pequeno exemplo do que nos espera. A verdade é esta: a principal potência do Mundo é uma ditadura e uma das razões porque é uma potência económica é a falta de liberdade dos seus trabalhadores.
Ao imporem, a partir de final dos anos 80, os seus dogmas ideológicos, os neoliberais condenaram o Ocidente ao seu próprio ocaso. A destruição sistemática do modelo social que garantiu décadas de prosperidade, a financialização do capitalismo e o enfraquecimento do poder político sobre o poder económico foram uma opção deliberada e tiveram um preço: a Era do Ocidente está a chegar ao fim. Infelizmente, ela não foi substituída por mais justiça nas relações internacionais. O novo império tem sede numa ditadura. E o seu domínio é um perigo para as democracias no Mundo, para os direitos dos trabalhadores e para a nossa liberdade.
Publicado no Expresso Online

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