sexta-feira, janeiro 07, 2011


PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 302/XI/2.ª
 
SUSPENDE O PROCESSO DE INTRODUÇÃO DE
PORTAGENS NA VIA DO INFANTE
A Via do Infante constitui um eixo rodoviário fundamental na região do Algarve, cujo impacte ultrapassa largamente a região. Desenvolvendo-se transversalmente ao longo de todo o distrito de Faro, esta via articula as ligações Norte-Sul Nacionais do IP1 (A2) com a ligação a Espanha pela Andaluzia (A49).
A implementação de portagens na A22 redundará em perda de competitividade do Algarve, com danos incalculáveis para a economia regional e para a actividade turística. No plano da mobilidade regional, esta via constitui-se como um mecanismo fundamental no combate às assimetrias regionais, desertificação e carência de vias de comunicação.
A história deste eixo rodoviário começa em 1990, com as primeiras obras, que estabeleceram a ligação entre Guia e Vila Real de Santo António, sendo que apenas o troço final, entre Lagoa e Lagos, concluído já em 2003, foi construído após a criação do regime Sem Custos para os Utilizadores (SCUT).
Criado pelo Decreto-Lei nº 267/97, de 2 de Outubro, o regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT) surgiu com o objectivo de «acelerar por novas formas a execução do plano rodoviário nacional de modo a permitir, até ao ano 2000, a conclusão da rede fundamental e de parte significativa da rede complementar». As concessões SCUT constituíam, assim, auto-estradas em que o Estado se substituía ao utilizador no pagamento da portagem, sendo o investimento suportado pelos impostos de todos os contribuintes.
Inicialmente traçada como Itinerário Complementar, a Via do Infante foi construída com recurso ao orçamento público durante os XI, XII e XIV Governos Constitucionais, assim como através de fundos comunitários, nomeadamente do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
A maior parte do financiamento, no valor de 132,9 milhões de euros, foi disponibilizada entre 1990 e 1993, durante o Quadro Comunitário de Apoio (QCA I), sendo que apenas o troço entre Guia e Alcantarilha foi financiado no período compreendido entre 2000 e 2006, no valor de 9,1 milhões de euros.
Em Julho de 2003, o então ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação do Governo de Durão Barroso (PSD), Carmona Rodrigues, defendeu a urgente revisão do modelo das auto-estradas sem custos para o utilizador, no sentido de as portajar.
Desde 2006, os Governos do Partido Socialista sustentaram que as condições de implementação de introdução de portagens nas Concessões SCUT deveriam obedecer a um conjunto de critérios, matéria enquadrada no sítio oficial do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Assim, em Outubro de 2006, o Governo justificou a decisão de introduzir portagens nas SCUT Costa de Prata, Grande Porto e Norte Litoral com base na acumulação dos dois critérios de desenvolvimento económico (PIB per capita e Índice do Poder de Compra Concelhio) e da existência de vias alternativas consideradas como razoáveis. Estes critérios advêm do estudo, O regime SCUT enquanto instrumento de correcção das assimetrias regionais – estudo de critérios para aplicação de portagens em auto-estradas SCUT”, efectuado pela F9 Consulting – Consultores Financeiros, SA, para Estradas de Portugal, EPE.
Não obstante a aprovação ministerial, nunca o Governo verteu os critérios de «desenvolvimento socioeconómico das regiões em causa» e as «alternativas de oferta no sistema rodoviário» para diploma legislativo. Recorde-se que nem mesmo o recente Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho, que identifica os lanços e sublanços de auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores, faz referência a quaisquer critérios para justificar a introdução de portagens nuns lanços e isentar noutros. Vingou, apenas, o critério financeiro.
Em Outubro de 2006, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações anunciou que, pese embora a região do Algarve cumprir os requisitos de desenvolvimento económico, o tempo de percurso da Estrada Nacional 125 ditava a ausência de alternativa rodoviária viável. De acordo com o relatório de, “Cálculo dos tempos de viagem nos corredores rodoviários associados às concessões SCUT e aos percursos alternativos”, no caso da concessão do Algarve, «o tempo de percursos através do itinerário alternativo é 1,4 vez (ou 140%) superior ao tempo de percurso através do corredor da SCUT». Assim, concluiu o Governo, aquela SCUT permaneceria sem portagens.
Em Maio de 2008, a tutela assumiu que «enquanto se mantiverem para o Algarve aqueles critérios, não está equacionada a implementação de portagens naquela auto-estrada».
Em Abril de 2009, o então Ministro das Obras Públicas admitiu que «o Governo de José Sócrates decidiu não cobrar portagens em auto-estradas em zonas desfavorecidas, pobres e em locais sem vias alternativas» e que «o Algarve não tem alternativa à Via do Infante» enquanto a requalificação da EN 125 não for uma realidade.
Em Dezembro de 2009, o Governo esclareceu que «as SCUT deverão permanecer como vias sem portagem enquanto se mantiverem as condições que justificaram, em nome da coesão nacional e territorial, a sua implementação, quer no que se refere aos indicadores de desenvolvimento socioeconómico das regiões em causa, quer no que diz respeito às alternativas de oferta no sistema rodoviário».
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 9 de Setembro, verte a introdução de portagens reais nas concessões SCUT que, de acordo com os estudos técnicos efectuados, cumpram os critérios definidos para o efeito quanto ao desenvolvimento económico-social da região e à existência de alternativas. A RCM em apreço determina ainda a beneficiação do regime de discriminação positiva, sistema misto de isenções e descontos nas taxas de portagem, na SCUT do Algarve à população e às empresas dos concelhos inseridos na NUT III Algarve, em que uma qualquer parte do território dessa NUT diste menos de 20km da via rodoviária a portajar.
A Estrada Nacional 125 não constitui alternativa credível, sendo um dos eixos rodoviários mais perigosos da Europa e cuja requalificação está longe de estar concluída. O argumento de que há escolha é, por isso mesmo, absolutamente falso. Aliás, o estudo aprovado pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações em Outubro de 2006 confirma que aquela não é via alternativa, tendo concluído por essa ordem de razão a não introdução de portagens na A22.
Saliente-se que o traçado da EN 125 é caracterizado pelo atravessamento de povoações e localidades densamente povoadas, cruzamentos e sistema de semaforização, facto que resulta numa velocidade média de circulação de 50 km/h. A este facto acresce o impacto da sazonalidade, uma vez que, durante o período estival, aquela via rodoviária sofre um acréscimo de utilização muito significativo.
Por outro lado, o projecto de requalificação daquele eixo rodoviário inclui a criação de 84 rotundas, pelo que se compreende que as características daquele traçado implicam velocidades muito reduzidas e o atravessamento de inúmeras localidades, características manifestamente diferentes das encontradas na designada Via do Infante.
A situação da região não compactua com a introdução de portagens na A22: o Algarve apresenta uma das maiores taxas de desemprego do país, carecendo de medidas de urgência para a dinamização e diversificação da sua economia. Por outro, o peso actual do turismo na economia regional não suporta a introdução de mecanismos de desmotivação da procura, o que só agravaria o quadro de crise.
As estradas constituem um bem público colectivo, insusceptível de ser privatizado, que, enquanto instrumentos de uma política de acessibilidade, asseguram a livre circulação de pessoas e bens. É nesta medida que o Bloco de Esquerda repudia a aplicação do princípio do utilizador-pagador nas auto-estradas em regime de Sem Custos para os Utilizadores.
O contrato de confiança assumido com as populações menos desenvolvidas, para favorecer a acessibilidade territorial, não pode, nem deve, ser alterado, tanto mais quando as condições de atraso de desenvolvimento dessas localidades não foram superadas.
A introdução de portagens na A22 consubstancia uma medida intolerável que lesa gravemente a oferta turística, essencial para o produtor regional, lesa as populações, em particular os trabalhadores e as empresas, e que vêm apenas agudizar a situação de grave crise que se abateu na região.
Esta medida é tanto mais grave quando, nas suas bases programáticas para as Eleições Legislativas de 2009, o Partido Socialista assumiu o compromisso de «intervir na EN125, um investimento de quatrocentos milhões de euros, sem portagens na Via do Infante», pelo que a anunciada medida do Governo manifesta-se de inaceitável hipocrisia política.
É ainda de realçar o que o Programa de Governo do Partido Socialista para as eleições de Setembro de 2009 referia sobre as SCUT: «deverão permanecer como vias sem portagem enquanto se mantiveram as duas condições que justificaram, em nome da coesão territorial, a sua implementação: (i) localizarem-se em regiões cujos indicadores de desenvolvimento socioeconómico sejam inferiores à média nacional; e (ii) não existirem alternativas de oferta no sistema rodoviário» (página 32).
No final de Junho de 2010, em sede de debate quinzenal na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro assumiu que não deve haver portagens no Algarve «onde não há alternativa» à Via do Infante. Na sequência, o Bloco de Esquerda requereu ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações esclarecimentos face aos critérios em que se baseia para a introdução de portagens na A22, tendo em conta as consequências da crise na região e a ausência de outra opção rodoviária. Volvidos mais de três meses, o Governo ainda não respondeu à pergunta entregue, carecendo a decisão face ao Algarve de cabal explicação.
A instalação de portagens na Via do Infante é uma medida socialmente injusta e que não permite um combate eficaz às assimetrias socioeconómicas e regionais que caracterizam o país. Sem alternativa possível, os utentes passam a suportar directamente os custos de uma via construída maioritariamente por fundos comunitários, fora daquilo a que se viria a convergir nas vias SCUT mais tarde. Este princípio mina a coesão e solidariedade territorial e viola o contrato eleitoral do Partido Socialista, embora tenho o aplauso do PSD.
A alternativa defendida pelo Bloco de Esquerda assenta nos princípios da solidariedade e da defesa da coesão social e da promoção da melhoria das acessibilidades territoriais, quer em infra-estruturas, quer em meios de transporte, como instrumento essencial de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Com esta iniciativa, o Bloco de Esquerda pretende promover a coerência legislativa com os princípios da coesão territorial e os direitos dos cidadãos.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que suspenda a introdução de um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens na auto-estrada designada por SCUT Algarve, prevista até 15 de Abril de 2011, conforme o n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 14 de Junho.

Assembleia da República, 28 de Outubro de 2010.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,

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