segunda-feira, setembro 01, 2008

O aproveitamento do crime


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O eventual aumento da criminalidade em Portugal detectado neste Verão tem sido assunto habitual nos noticiários de TV, crónicas de jornal e comentários na rádio. Como sempre, a direita exige medidas e responsabiliza o governo, enquanto este anuncia iniciativas para combater o crime. O Bloco de Esquerda recusa-se – e bem – a participar do circo mediático e denuncia leis aprovadas pelo governo Sócrates e promulgadas por Cavaco Silva, como a nova Lei de Segurança Interna e a Lei da Organização e Investigação Criminal. Segundo a deputada bloquista Helena Pinto, ambas seguem uma lógica securitária e atentam contra a democracia e os direitos dos cidadãos.

Independentemente de a criminalidade haver aumentado ou não, os últimos crimes ocorridos em Portugal – do assalto a uma agência do BES em Lisboa, aos incidentes na Quinta da Fonte e na Quinta do Mocho, passando pela morte de uma criança cigana de 13 anos por balas disparadas pela GNR – estão a ser utilizados pela imprensa, pelos partidos da direita, pelos órgãos de repressão do Estado e pelo próprio governo para finalidades bem específicas: desviar a atenção da população da crise económica brutal que assola o País, encontrar bodes expiatórios nos quais esta mesma população possa descarregar a sua ira e, através de leis como as citadas acima, aumentar o controlo e a repressão sobre ela.

A crise económica ameaça transformar-se em recessão aberta não só em Portugal como na Europa – que pela primeira vez, na Zona Euro, registou uma quebra no valor do PIB (Produto Interno Bruto) de 0,2% no segundo trimestre deste ano, puxada pela poderosa Alemanha, que apresentou um índice negativo ainda pior, de 0,5%. Os responsáveis pela crise estão nos gabinetes das grandes multinacionais e bancos, vivem em mansões, na Casa Branca ou na Assembleia da República. Mas as suas vítimas são os milhões de trabalhadores que perdem diariamente o seu emprego, recebem salários cada vez menores ou chegam mesmo a passar necessidades, como demonstram as trágicas estatísticas sobre a pobreza em Portugal.

Os responsáveis pela crise não querem que as suas vítimas continuem a revoltar-se contra eles como está a acontecer, com greves e manifestações. Uma das fórmulas mais comuns para tentar desviar a atenção da população dos seus problemas é apresentar a criminalidade sob lente de aumento e associá-la aos “vilões” do costume: os moradores dos bairros populares, especialmente afro-descendentes, os ciganos e os imigrantes. Na edição de 26 de Agosto do jornal Público, um artigo sobre a criminalidade no país reproduzia a opinião do presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, Carlos Anjos. Segundo este, o aumento da criminalidade violenta estaria associado, primeiro, com o “aumento das comunidades africanas de segunda e terceira geração” e, depois, “com a abertura das fronteiras”, quando novos grupos de imigrantes fixaram-se em Portugal.

E prossegue o artigo: “Carlos Anjos refere, como exemplo, os brasileiros que, ‘se numa primeira fase eram qualificados, incluindo muitos médicos dentistas’, numa segunda fase o fluxo migratório integrou pessoas menos qualificadas que, aproveitando as facilidades, foram cometendo crimes”. Para culminar, uma verdadeira pérola da xenofobia: como “há 60 voos por mês entre Portugal e o Brasil”, “é fácil fazer três assaltos em Portugal e voltar calmamente para o Brasil”. Isso tudo sem que o jornal ouvisse representantes das comunidades citadas ou alguma opinião contrária, como se fosse a coisa mais natural do mundo associar as comunidades africanas e os imigrantes brasileiros ao mundo do crime. Responsabilizar os imigrantes pelo aumento da criminalidade não é um recurso original, mas acaba por ter uma utilidade extra para a burguesia. Ao reforçar a xenofobia, procura também dividir a classe trabalhadora, da qual fazem parte as comunidades imigrantes e afro-descendentes.

A criminalidade tem diversas causas e manifestações. As suas variantes mais lucrativas – e violentas – estão associadas ao tráfico de drogas e de armas, controladas por poderosos e obscuros cartéis, cujas ramificações envolvem vários sectores da sociedade. As mais corriqueiras e conhecidas formas de criminalidade alimentam-se da pobreza, da falta de perspectiva e da desigualdade social. As suas principais vítimas vivem nas periferias pobres das grandes cidades, onde são acossadas por bandidos, mas também pela polícia. Seja como for, o crime não acaba com a repressão e não tem final à vista no capitalismo – pelo contrário, é endémico e não há medidas milagrosas que possam reduzi-lo. Em outras palavras, não há como “reformar” a violência.

Cabe à esquerda denunciar o aproveitamento político da violência feito pelo sistema e reafirmar a única saída possível para erradicá-la em todas as suas variantes – tanto a dos patrões e do governo contra a população pobre e os trabalhadores quanto a da criminalidade em geral: lutar por melhores salários, contra a precariedade e o desemprego, contra o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e da educação pública, contra a política do governo Sócrates, para construir, enfim, uma alternativa de poder socialista a esta sociedade corrupta e criminal.

Ruptura/Fer

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