quarta-feira, setembro 24, 2008

Senhora ministra, demita-se. Para subscrever e enviar para mlurdes.rodrigues@me.gov.pt


Quem quiser pode subscrever, copiar e enviar para a Sra. Ministra.
(Maria de Lurdes Rodrigues - mlurdes.rodrigues@me.gov.pt)


SENHORA MINISTRA, DEMITA-SE

Muitas têm sido as vozes a pronunciar estas palavras, nos últimos e conturbados tempos que as escolas têm vivido. Cem mil, em uníssono, gritaram-nas bem alto, no dia 8 de Março, nas artérias e praças de Lisboa, que parecia minúscula para tanto e tão legítimo descontentamento. Ainda assim, fazendo tanta prova de tenacidade como de egocentrismo intelectual e de falta de sentido democrático, V. Ex.ª nem se demitiu, nem questionou a justeza das reivindicações. Limitou-se a reafirmar a sua intransigência e, uma vez mais, os seus incuráveis preconceitos relativamente à classe docente deste país, apoucando-nos, desautorizando-nos publicamente — “os professores não compreenderam ainda”; “ os professores têm de compreender”; “algumas escolas estão a ter dificuldades na aplicação deste modelo de avaliação” — como se nós não fossemos capazes de perceber aquilo que nos é imposto, justo ou injusto para nós; como se fosse necessário V. Ex.ª fazer-nos um desenho para nós percebermos. Ainda não chegámos a esse estado, Senhora Ministra, mas, se estas políticas continuarem, lá chegaremos — nós e os nossos alunos. Vou, pois, tentar expor algumas razões que justificam a sua demissão, a bem do futuro deste país.

Não encontro na memória um líder que tenha, publicamente, denegrido tanto a imagem dos seus subordinados como V. Ex.ª. Não consigo encontrar, na História Universal, nenhum general que tenha ganho uma só batalha, desautorizando e desmoralizando as suas tropas. O que eu constato é que todos, mas mesmo todos, convenceram os seus homens de que eram os melhores do mundo. E, nesse campo, até o futebol nos dá lições. Ora, o que V. Ex.ª fez desde que chegou ao cargo, foi passar para a sociedade a ideia — com todas as ilações que daí é possível retirar — de que teremos mais sucesso escolar, se os professores passarem mais tempo no recinto escolar. Quando se trata de vencer o insucesso, a questão é invariavelmente a mesma: o que vão fazer os senhores professores? Talvez por isso tenha “inventado” um modo de diminuir a nossa componente não lectiva, colocando-nos a executar uma série de tarefas na escola, que mais não visam do que diminuir as necessidades de recursos humanos (se colocasse nas escolas o pessoal auxiliar necessário, resolveria uma boa parte dos problemas do desemprego e da indisciplina escolar). Por outro lado, como pretende ter melhores docentes, subtraindo-lhes significativamente o tempo de preparação das actividades lectivas, correcção dos trabalhos e provas dos alunos, de pesquisa, de actualização? É claro que V. Ex.ª não tem resposta para esta pergunta! E é melhor que não tenha, pelo menos para mim, que suponho que os professores (sobretudo as professoras, que são a maioria) não utilizavam essas horas para se dedicarem aos alunos e à escola, mas lavando e passando roupa, limpando e arrumando a casa… enfim, usurpando o Estado.
Aos preconceitos enunciados nas tristes linhas precedentes, V. Ex.ª tem adicionado uma característica de governação que colide brutalmente com os princípios mais básicos do acto educativo: o princípio da estabilidade, da serenidade e da clareza, que a Senhora Ministra tanto apregoa. Porém, V. Ex.ª — peço-lhe imensa desculpa, mas tenho de o dizer — tem sido, através das suas constantes e ansiosas intervenções no sistema de ensino, geradora de confusão, de instabilidade e de desorientação:
confusão, por exemplo, quando validou as aberrações da denominada T.L.E.B.S., herdada do Governo precedente, e a introduziu directamente no sistema, em todos os níveis de ensino; instabilidade constante, porque chegam às escolas, a um ritmo alucinante, normativos legais que alteram as regras que deram forma ao arranque do ano lectivo, regras que, a seu tempo, foram devidamente explicadas a alunos e encarregados de educação; instabilidade, porque publicou em Janeiro — cedendo, talvez, à agenda eleitoral do Senhor Primeiro Ministro — quase em simultâneo, vários diplomas legais que revolucionam o dia-a-dia de todos os membros da comunidade escolar (Educação Especial; Estatuto do Aluno; Sistema de Avaliação do Pessoal Docente…), alguns dos quais com prazos — sejamos apenas assertivos — absolutamente impossíveis; desorientação, porque são muitos os despachos e ofícios a “esclarecer” aquilo que os normativos legais querem dizer, ou não dizem, subvertendo, não raramente, aquilo que — pelo menos para mim, um leigo em questões de Direito — “era” um princípio inquestionável: a hierarquia legal (sempre acreditei que as leis mais gerais precediam e prevaleciam sobre os decretos, despachos, ofícios, regulamentos internos das escolas…). E, para que esta afirmação não seja vã, cito apenas o exemplo do novo “Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário”, uma Lei, publicada no dia 18 de Janeiro com efeitos imediatos. Confrontado com toda uma panóplia de contrariedades que haviam escapado ao legislador, fez o Ministério da Educação chegar às escolas um ofício, no qual se diz, em síntese, que o articulado que implica a alteração dos regulamentos internos das escolas terá de aguardar a actualização dos mesmos e, como é evidente, a respectiva aprovação pelo Senhor Director Regional de Educação, ou seja, “afinal já não se aplicará no presente ano lectivo”. Algumas escolas, que já haviam procedido em conformidade — crendo que a Lei prevalece sobre o Regulamento Interno — tiveram de dar o dito por não dito, com a ingrata tarefa de encarar alunos e encarregados de educação, os quais — não me espanta nada — terão ficado a pensar que não sabemos às quantas andamos. Lá terão as suas razões. Na Educação e no Ensino, Senhora Ministra, a pressa é sempre inimiga da perfeição e, geralmente, paga-se muito caro quando se age primeiro e se pensa depois. Já lá vão os tempos em que tudo isto era debatido com os professores e as alterações de fundo ocorriam antes de os anos lectivos começarem.
Por fim, há todo um clima de hostilidade crescente contra os professores deste país, nunca visto desde o nosso saudoso Marquês de Pombal, aos pés do qual — refiro-me ao monumento, como é óbvio — me reuni com muitos milhares de colegas, no pretérito dia 8, para contestar, não a sua pessoa, mas o seu ministério, que está a mediocrizar o Ensino Público, que aquele criou com tão parcos recursos. Há todo um clima de agressividade verbal e não só, do qual nós — docentes e também, muitas e muitas vezes, os primeiros assistentes sociais deste país, os primeiros confidentes dos alunos, o seu amparo, o ombro amigo — estamos a ser vítimas. É uma injustiça incomensurável, Senhora Ministra! Rasgou-se, talvez irremediavelmente, o último fio do cordão de confiança e admiração que nos unia aos alunos: passaram a ver-nos como faltosos, preguiçosos, incapazes, incumpridores e receosos, por essas vergonhosas razões, do novo sistema de avaliação. Acham que já não têm de estudar, que nós é que precisamos de lhes dar boas notas para sermos bem avaliados. Para eles, afinal, nós somos incompetentes e vamos ser postos na linha. E V. Ex.ª nunca foi à Televisão, ou aos meios de comunicação em geral, condenar, sem equívocos, os insultos dos “Rangéis” deste país, daqueles que se acham à vontade para nos chamar “hooligans”, envenenando a nossa relação pedagógica com os alunos. Pelo contrário, ainda há dias V. Ex.ª classificou como ridículos, na Assembleia de República, para todo o país ouvir, os documentos inerentes ao processo de avaliação de duas escolas; ainda há dias, após uma repugnante cena de agressão a uma professora, que V. Ex.ª qualificou apenas como “lamentável”, o Senhor Secretário de Estado, Dr. Valter Lemos, afirmava na rádio que o novo Estatuto do Aluno — concebido apenas para impedir que os discentes reprovem por faltas — reforça a autoridade do professor. Porém, nós, os professores e professoras deste país, pensamos precisamente o contrário, talvez por não sermos capazes de o entender, de retirar dele todas as suas potencialidades intrínsecas, de o usar em proveito da autoridade que tanto reivindicamos. E, enquanto navegamos em normativos, num mar de palavras e palavras que visam encobrir a mão somítica que esgana o orçamento e a qualidade da Escola Pública, enquanto se instrumentaliza a avaliação dos professores para induzir “sucesso escolar” com menos gastos, enquanto se instrumentaliza a gestão das escolas para alongar o braço do poder, a hostilidade contra nós surge de todos os lados, como uma autêntica tempestade que, mais tarde ou mais cedo, nos fará naufragar. A indisciplina, que já ia fazendo parte do nosso triste quotidiano, parece que acaba de evoluir rapidamente para uma violência que se generaliza, ao ritmo das vozes daqueles que vociferam contra nós, nas tubas mais sonoras dos meios de comunicação social.
Por tudo isto e também porque se rasgou irremediavelmente o cordão de confiança política e profissional que nos unia, considero que V. Ex.ª já não tem condições para continuar no cargo, que já não é possível recuperar, consigo, tudo aquilo que se perdeu. Por tudo isto — e com todo o respeito pessoal por V. Ex.ª — lhe peço:

Senhora Ministra, queira ter a humildade de se demitir!

Luís Costa (Professor da Escola E. B. 2/3 de Real, Braga)
ProfAvaliação

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