quarta-feira, outubro 27, 2010

Colóquio em Lisboa sobre Mário Castelhano, uma vida militante pela liberdade Versão para impressão Enviar por E-mail
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271010_caminhosdeferro Pimenta Negra - Realiza-se no dia 30 de Outubro às 16h. na Biblioteca-Museu República e Resistência.
A Biblioteca Municipal República e Resistência e o Centro de Estudos Libertários promovem um Colóquio sobre Mário Castelhano.
A primeira sessão será no dia 30 deste mês pelas 16:00 h.
Local:
Câmara Municipal de Lisboa
Biblioteca-Museu República e Resistência
Rua Alberto de Sousa, 10 A, 1600-002 Lisboa
Telefone: 21 780 27 60
Fax: 21 780 27 88
Intervenções:
"Sindicalismo nos anos de promessa, controversias e repressão", por Paulo Guimarães
"Resenha biográfica de Mário Castelhano", por Luís Garcia e Silva
MÁRIO CASTELHANO
Mário Castelhano nasceu em Lisboa, em 1896 e faleceu no Tarrafal, Cabo Verde, a 12 de Outubro de 1940. Foi um destacado militante anarco-sindicalista dos anos 20 e 30. De origem modesta, começou a trabalhar aos 14 anos na Companhia Portuguesa dos Caminhos-de-Ferro, participado nas greves de 1911, 1918 e 1920, vindo a ser despedido pela sua participação na organização destas últimas greves. Passou então a ocupar-se em actividades de escrituração no Sindicato de Ferroviários de Lisboa, na Federação Ferroviária e na Confederação Geral do Trabalho. Membro da comissão executiva da Federação Ferroviária, ficou com o pelouro das relações internacionais e a responsabilidade de redactor-principal do jornal A Federação Ferroviária. Dirigiu também os jornais O Ferroviário e O Rápido. Participou na reorganização do Conselho Confederal da CGT, após o 28 de Maio de 1926, de onde saiu eleito responsável do novo secretariado e redactor-principal de A Batalha. Após a tentativa insurreccional de Fevereiro de 1927, a repressão policial acentuou-se, a CGT é ilegalizada e o jornal A Batalha assaltado, vindo Mário Castelhano a ser preso em Outubro do mesmo ano e deportado no mês seguinte para Angola, onde ficou dois anos.
Em Setembro de 1930, foi enviado para os Açores e em Abril de 1931, para a Madeira, participando na insurreição desta ilha contra o Governo. Com a derrota deste movimento, foge da ilha, embarcando clandestinamente no porão do navio Niassa. Em 1933, estava de novo à frente do secretariado da CGT e faz parte do grupo que organiza o 18 de Janeiro de 1934. Preso a 15 de Janeiro, três dias antes do movimento, é condenado pelo Tribunal Especial Militar a 16 anos de degredo. Embarcou em Setembro de 1934, com destino à Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, e em Outubro de 1936, para o campo de concentração do Tarrafal, onde morreu.
Foi condecorado postumamente com a Ordem da Liberdade.
Manuel Loff, Sofia Ferreira
Biografia retirada de: AQUI
Excerto do livro O segredo das prisões atlânticas, da autoria de Acácio Tomás de Aquino, onde se dá conta das condições que deram origem, no Tarrafal, ao agravamento de saúde e consequente morte de Mário Castelhano, secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho e Director do jornal A Batalha (órgão da CGT). Decorria o ano de 1940.
MORREU MÁRIO CASTELHANO
Mário Castelhano, desde o seu internamento na Fortaleza de São João Baptista na Ilha Terceira, nos Açores, vinha sofrendo dos intestinos, mas como em Angra o médico assistente não recusava receitar especialidades farmacêuticas necessárias ao tratamento dos presos doentes ali enclausurados, a doença do Mário não se agravou.
Assim que foi internado no Campo de Concentração do Tarrafal, quer pela deficiente alimentação quer pela falta de medicação adequada para atenuar ou curar a sua enfermidade, lentamente o seu mal foi-se agravando, até que, nos primeiros dias de Outubro de 1940, Mário Castelhano baixa à enfermaria com febre intestinal.
Ao fim de vários dias, como a dieta a que estava sujeito não o alimentasse convenientemente, o médico Esmeraldo Pratas Pais receitou-lhe outra dieta, como melhor alimentação no seu entender: papas de farinha.
Assim que o Mário começou a ingerir esta nova dieta, o seu estado de saúde agravou-se ainda mais.
Como eu nessa altura estivesse atravessando uma crise de dores no lumbago, crise que frequentemente me imobilizava, e desejando a todo o custo que o director soubesse do estado em que se encontrava o Mário, expus ao camarada Manuel Pessanha o meu desejo, para que ele transmitisse ao Rosinha, então criado do director, e este assim fez. O Rosinha transmitiu o caso à mulher do director, dizendo-lhe que o Mário já o tinha salvado da morte, assim como outros camaradas, exaltando as suas qualidades, e que naquele momento estava muito mal.
O director assim que a sua mulher lhe transmitiu o que se passava com o Mário, chamou a Rosinha, para que lhe explicasse melhor o assunto. Ao mesmo tempo pergunta-lhe quem teria sido o preso que lhe dera esse recado. O Rosinha, por engano, segundo afirmou, em vez de citar o nome do Pessanha disse-lhe que fora Tomás de Aquino.
O director, durante o pouco tempo do seu reinado, manifesta para comigo uma certa aversão, sem eu saber o motivo, mas vai imediatamente à Vila e traz o médico consigo, a fim de assistir ao que me desejava dizer, e ouvir o que eu lhe dissesse.
Já depois de ter tocado o recolher, abriram a porta da caserna e um guarda chama por mim e indica-me para ir ao portão falar ao director.
Quando cheguei, o director mandou-me encostar a um dos fortins, o que me fez desconfiar que alguém ali se encontrava escondido.
- Então o que se passa com o Mário Castelhano?
Apesar de não ter sido quem falara ao Rosinha a propósito da doença do Mário, não tive dúvidas em lhe responder, como se de facto fosse a minha pessoa que o tivesse feito.
- Senhor director, é um facto incontestável que o Mário Castelhano, desde que o médico lhe receitou papas de farinha como dieta, o seu estado de saúde agravou-se consideravelmente!
- Mas o que são essas ampolas de comer?- pergunta-me.
O Rosinha em vez de dizer ampolas bebíveis disse de comer.
- Deve ser engano, senhor director, eu falei ao Rosinha foi em ampolas bebíveis e não de comer. Tais ampolas bebíveis creio que são aconselháveis para as infracções intestinais!
Com azedume interpela-me:
- Mas o que é que você percebe de medicina? Você está a chamar assassino ao médico?
- Eu não lhe estou a chamar assassino. Eu, mais os meus camaradas do acampamento, estamos dispostos a comprar os medicamentos necessários para salvar o Mário, caso a farmácia da Colónia não os tenha!
- Mas quem é que lhe disse que as papas lhe faziam mal? Volta o director a interrogar-me em termos de censura.
- São todos os componentes do acampamento. Especialmente os que acompanham mais de perto a evolução da sua doença!
- Diga lá um nome? E apresta-se para registar.
- Sou eu um deles; disse-lhe peremptoriamente.
O director mandou chamar o enfermeiro Virgílio de Sousa. Percebendo a sua intenção, interpus:
- Senhor director, eu não disse que fosse ele!
O guarda não chegou a chamar o Virgílio, porque ele logo quis admoestar:
- Você, há tempos, quando foi marcar a casa junto à minha residência, fez lá um comentário desagradável à minha pessoa... Você queria era já uma tareia!
Voltando-se para o guarda, ordena-lhe:
- Leva já este sacana para a "Frigideira".
Quando regressei de lá baixei á enfermaria, e assim que o médico viu que eu já podia pôr-me de pé, o director mandou formar os presos e chama por mim e o Virgílio de Sousa.
Na presença do médico, o director começa por enaltecer as qualidades dele, a quem estava confiada a vigilância da nossa saúde, para depois desdenhar miseravelmente da dignidade e da competência profissional do abnegado enfermeiro Virgílio de Sousa. A meu respeito, com desdém aludiu a que eu, profissionalmente, nem servente de pedreiro era.
Dali segui para a "Frigideira".
Daí a dois dias, a 12 de Outubro de 1940, morre o Mário Castelhano, nos braços do nosso camarada Américo Martins Vicente, o que nos causou profunda consternação.
Alguns camaradas, supondo que teria havido uma provocação por parte do Rosinha para me prejudicar, fizeram um inquérito, sendo ouvidos o Pessanha, o Rosinha e eu. Verificou-se que nada houve em desabono do Rosinha.
Com a perda do camarada Mário Castelhano, não só a Organização Libertária Prisional, como também a organização anarco-sindicalista perdeu um dos seus melhores elementos.
Mário Castelhano foi um dos militantes mais prestigiosos do movimento operário, carácter íntegro, dotado de uma inconfundível tolerância, mas energicamente combativo em todos os momentos cruentos da luta contra a tirania. Defensor acérrimo e convicto das suas ideias anarco-sindicalistas, pelas quais sempre denodadamente combateu, foi várias vezes preso e várias vezes deportado.
Foi secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho, Director do jornal A Batalha, órgão da CGT, e colaborador activo do movimento revolucionário e grevista do 18 de Janeiro de 1934. Faleceu vítima da infecção intestinal, sem qualquer assistência médica.
Os camaradas que nessa altura estavam no serviço de saúde, Virgílio de Sousa, Leonildo Assunção Felizardo, Silvino Leitão, Fernando Costa e Américo Martins Vicente, este como doente crónico, e sempre um abnegado auxiliar, tentaram por todos os meios ao seu alcance arrancar às garras da morte o moribundo Mário Castelhano, mas toda a sua boa vontade, saber e dedicação foram baldados, em consequência da falta de medicamentos, sonegados criminosamente pelo famigerado médico carcereiro Esmeraldo Pratas Pais.
A estes quatro camaradas atrás citados, como a outros que mais tarde se incorporaram no serviço de saúde, não podemos deixar de registar o nosso mais vivo reconhecimento pelo seu inexcedível e abnegado afã na assistência aos muitos doentes prostrados nos leitos e aos que necessitavam dos seus cuidados permanentes.
Continuam os castigos acintosos com pretextos forçados ou insignificantes.
Alpedrinha é castigado com três dias por discutir com um guarda por causa de um púcaro de água.
Os presos voltam a usar o cabelo comprido. Domingos Tavares, Gabriel Pedro e Francisco Miguel são castigados, respectivamente, com seis, quatro e dois dias por não tirarem o chapéu ao guarda Velhinho, e Manuel Gomes por não ouvir a ordem de "Tirar chapéus" é castigado com 10 dias. Damásio Pereira é punido com quatro dias por conduzir a cama para o depósito de doentes sem autorização do guarda.
O guarda Carlos Silva é agredido pelo director por ele participar do seu criado Rosinha, mas entretanto este e Tomás Garcia passam duas noites na "Frigideira".
O guarda Teixeira apreende um par de botas que José de Almeida estava fazendo sem autorização, sendo castigado com 10 dias, e António Gonçalves Saleiro "Viana" também com 10 dias por tentar encobrir, e é agredido na secretaria.
Jacinto Vilaça baixa à enfermaria com uma biliosa".
In Diário Liberdade

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