Zero dos dois lados da vírgula |
Muito haveria a anotar sobre as eleições brasileiras de 3/10. Das dificuldades imprevistas de Dilma apesar do balanço hiperglorífico de Lula, que junta no elogio desde o povão do país irmão, até Obama e a direita europeia. O povo vive melhor, ninguém duvida. A burguesia concentrou mais riqueza e está mais forte, ninguém duvida. O Brasil agora joga papel na cena internacional e o país redescobriu o nacionalismo, ninguém duvida. Dilma não deveria agora estar no fio da navalha sendo como é produto genuíno do lulismo, na expectativa do 2º turno da eleição. Algo não corre bem com o povo apesar da “bolsa família”. Há bem pouco no Chile a presidente saía do cargo com 80% de popularidade, perdendo-se no entanto a cadeira de La Moneda para o candidato burguês da direita liberal – da social-democracia ao liberalismo puro e duro. Escolhas frágeis... E o Brasil há-de viver também o pêndulo das alternâncias, agora ou mais tarde, isto não é um projecto linear, muito menos de radicalização de esquerda do processo social. Jospin, ou até Guterres, conduziram governos ditos de centro-esquerda, contudo mais de esquerda: redução do horário de trabalho, mínimos sociais, legislação de trabalho atacando precariedade. E, contudo, as privatizações foram os seus calcanhares de Aquiles. Uma geração de Lula e nem sequer o Brasil conhece uma lei contra o despedimento patronal abusivo. A estrutura da propriedade e da distribuição de rendimento não foram beliscadas. Todos gostamos que os mais pobres e os mais explorados beneficiem da despesa pública e do emprego que induz o crescimento económico. Sem acinte, já houve em muitos países políticos de direita que fizeram o mesmo. O grande problema daqueles que perdem a oportunidade para fazerem alterações de fundo num regime classista, para “dar um jeito”, é que dez anos depois “ficam sem jeito”, e na oposição por mais uma década ou mais. As oportunidades perdidas redundam em longas travessias no deserto, quando não se estabeleceram as diferenças de natureza do poder, questão essencial para o socialismo de inspiração marxista. É matéria a aprofundar, esperemos que depois do triunfo apertado de Dilma, depois de “marinar” ainda ao centro-direita... É extraordinário que a direita tenha mostrado uma face centrista, pragmática, gestionária num voo doce de uma burguesia tradicionalmente muito agressiva e formada numa cultura de violência. Serra quase quis parecer o sombra de Lula. O pragmatismo do negócio sempre traz o pragmatismo do centrão político que nós conhecemos tão bem na Europa. O esforço da candidatura de Plínio, do PSOL, não se pode queixar de falta de visibilidade para encobrir um score que não chega a um por cento, pondo na montra o carácter excêntrico e deslocado do sujeito eleitoral, um destroço do esquerdismo sem programa nem estratégia, zénite de inconsistência partidária. Mas o motivo próximo destas notas leves é a anedota da candidatura do famoso Zé Maria, do PSTU, secção da mesma internacional trotsquista, secção considerada a mais forte e a mais influente, a que pertence a diligente FER que cá conhecemos em lusas terras. Pois o Zé Maria tirou 0,08% do sufrágio. Teve a infelicidade de nem sequer atingir a meta de uma décima deixando os zeros como companheiros de uma abandonada vírgula. E zero foi também o resultado do partido na eleição de deputados. Nada disto teria talvez interesse não fora os zés-marias portugueses fazerem uma campanha cerrada contra a candidatura democrática e progressista de Manuel Alegre em nome da mesma lógica de seita que apresentam no Brasil. Apesar de tudo endereço a minha simpatia ao cultuado Zé Maria. É que em Portugal não há nenhum correlegionário dele que tenha sequer a coragem de levar a carta a garcia, estar próximo do zero e longe dos trabalhadores. Luís Fazenda In A Comuna |
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